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Coluna João Gualberto

Coluna João Gualberto | Brasil é a nova Roma

Somos essa síntese histórica dos novos tempos que as navegações trouxeram, não podemos deixar de admirar o nosso povo

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A construção do imaginário da sociedade brasileira é obra de séculos. Foto: Sérgio Lima/Reprodução

Mesmo como a Nova Roma, não podemos deixar de admirar o nosso povo. Foto: Sérgio Lima/Reprodução

Darcy Ribeiro, que foi senador da república pelo Rio de Janeiro, notável antropólogo e autor de obra genial, composta de muitos livros com foco nos elementos que nos constituíram, dizia:  O Brasil é a nova Roma. Com isso queria dizer que assim como Roma foi a síntese do mundo antigo, nós somos também uma espécie de síntese dos tempos em que vivemos.

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Quando digo “tempos em que vivemos”, estou querendo, sobretudo, dizer o somatório de fatos históricos que produziu uma sociedade tão especial nos trópicos como a nossa. Lembro, por exemplo, dos fartos quintais que havia nas cidades do interior na minha infância e da extraordinária quantidade de árvores frutíferas que tinham e que para aqui foram trazidas pelos europeus ao longo dos séculos. Abacate, caqui, coco, limão, manga, mamão, melancia, jaca e mexerica estão entre elas. Os velhos pomares brasileiros eram eles mesmos já uma síntese de muito do que havia no mundo. Muitas e muitas vieram da Índia.

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Natural que tivesse sido assim, afinal os agentes da colonização estavam sempre preocupados com a questão da alimentação no Novo Mundo. É provável também que, pelo fato de virem de terras mais frias, onde os frutos típicos dos climas quentes não prosperam, estivessem preocupados em tornarem a vida aqui mais abundantes em alimentos ricos e saborosos, fazendo bom proveito do clima tropical.

A Nova Roma tem, evidentemente, outros componentes. A riqueza da cultura dos povos indígenas está entre elas. Nossa sociedade é extremamente rica de heranças e legados dos povos originários. O longo processo de europeização que até hoje experimentamos nos impede de reconhecer e louvar o quanto somos tributários das culturas aqui encontradas pelos europeus. Chamo a atenção, no contexto das heranças culturais, a extraordinária utilização das ervas medicinais, assim como os conhecimentos sobre a mata atlântica e tudo o mais que chegou até nós vindos de gente tão sábia.

Arrancados a força, e com violência, de suas terras os escravizados africanos trouxeram de suas origens a tecnologia que impulsionou nossa agricultura, ou mesmo a exploração do ouro e das pedras preciosas, para ficar em dois exemplos. Eram eles, em grande parte, artesãos habilidosos, mineradores experientes, agricultores afeitos à produção em terras quentes. Muito sabiam de tudo isso, em muitos casos muito mais do que os portugueses, e não haveria o desenvolvimento em direção ao que hoje somos sem a participação do trabalhos dos africanos. Eles que foram tão humilhados, maltratados e explorados em todos os sentidos, formam uma base mais densas  do nosso país.

O século XIX conheceu outro momento de grande participação de outros povos, de outros mundos, na nossa construção nacional. A chegada da imigração italiana, germânica, japonesa e de outros grupos étnicos deu ao nosso caldeirão cultural novos ingredientes. Foram trabalhadores em grande massa para a agricultura, indústria, artesanias, serviços para o mundo urbano de uma forma geral. Junto com os seus saberes do mundo do trabalho vieram novos conhecimentos, como os culinários com as massas italianas. As bebidas que trouxeram, como as cervejas dos alemães, ampliaram a oferta até então centrada na boa e velha cachaça local e os vinhos da metrópole do período colonial. Esses povos, para além de seus trabalhos, enriqueceram de tal forma a nossa cultura em múltiplos aspectos que não seria a mesma sem a suas presenças.

Por isso, quando Darcy Ribeiro nos lembra de que somos essa síntese histórica dos novos tempos que as navegações trouxeram, não podemos deixar de admirar o nosso povo, e nunca devemos aceitar as teses delirantes das supremacias raciais. Somos produto de um hibridismo cultural extraordinário, da fusão de muitos mundos. A compreensão de tudo isso e tolerância com o diferente deve ser o tom do Brasil e dos brasileiros.


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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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