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Coluna Inovação

Reflexos da escravidão na economia – uma dívida ainda a descoberto

A escravidão moldou o Brasil, deixando marcas profundas na sociedade e desigualdades que persistem até hoje

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Reflexões sobre a escravidão e seus desdobramentos sociais ainda ecoam no Brasil contemporâneo (Obra: Rugendas 1830). Foto: Wikipedia

Reflexões sobre a escravidão e seus desdobramentos sociais ainda ecoam no Brasil contemporâneo (Obra: Rugendas 1830). Foto: Wikipedia

Entre o início e o fim do tráfico negreiro, pelo menos 1,8 milhão de cativos morreram durante a travessia entre a África e o Brasil. Isso significa que, ao longo de 350 anos, em média catorze cadáveres foram atirados ao mar todos os dias, alterando até as rotas migratórias dos tubarões que passaram a acompanhar os navios negreiros na travessia do oceano. As condições da travessia eram precárias, com pessoas amontoadas em porões, sem condições mínimas de higiene, com mortes por doenças ou castigos e muitos suicídios daqueles acometidos do banzo, nome dado à depressão de quem fora arrancado do seu mundo social.

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Nesse período, entre 23 e 24 milhões de seres humanos teriam sido arrancados de suas famílias em todo o continente africano. Pouco mais de 10 milhões chegaram à América, 5 milhões destes no Brasil, a maior parte morreu no trajeto entre a zonas de captura e o litoral, durante o tempo de espera pelo embarque e na travessia.

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A prática da escravidão já era comum entre os próprios africanos onde existia um mercado de mão de obra cativa muito antigo e bem estruturado, com fornecedores e compradores, rotas de transporte, feiras e preços definidos. A altíssima demanda dos europeus, porém possibilitou ao tráfico no Atlântico atingir proporções gigantescas. No final do século XVIII, o tráfico já respondia por 90% da pauta de exportações da África.

Mas não foram só os portugueses, quase todos os países europeus se envolveram no comércio de escravos. Holandeses, ingleses, franceses, espanhóis, suecos, suíços, poloneses, lituanos, russos, alemães e dinamarqueses participaram de alguma forma dos processos da escravidão africana.

Nos seus três séculos como colônia de Portugal, o Brasil foi sinônimo de açúcar. E açúcar era sinônimo de escravidão. Na Inglaterra, as importações de açúcar saltaram de 10 mil para 150 mil toneladas entre 1700 e 1800. O uso da lenha nas caldeiras de açúcar foi responsável por grande parte da destruição da mata atlântica. Mas não só os grandes proprietários tinham escravos, todos os brasileiros livres tinham.

Os castigos para quem praticava alguma falta grave ou tentava fugir eram cruéis, açoites até a carne viva seguidos de vinagre e sal nas feridas ou até mesmo piche derretido, ferros em brasa para marcar o corpo ou outras atrocidades.

Devido à resistência obstinada dos senhores de engenho e dos barões do café, aliados da monarquia,o Brasil foi o último país do hemisfério ocidental a pôr fim ao tráfico negreiro em 1850, e a acabar com a escravidão em 1888. E só fez isso sob intensa pressão internacional.

A alegação da época é que a economia não aguentaria. Os escravos eram usados até como garantia em empréstimos bancários e os bancos iriam quebrar com a libertação. Não aconteceu.

A discriminação sofrida até hoje com pouquíssima participação dos negros em todos os aspectos da sociedade é o alto preço que o Brasil paga pelo abandono da sua população negra à própria sorte na época da Lei Áurea. Nada foi oferecido para permitir o mínimo de inclusão: terra, educação e oportunidades. Joaquim Nabuco dizia que os brasileiros estariam condenados a permanecer no atraso enquanto não resolvessem de forma satisfatória a herança escravocrata e afirmava: “a grande questão da democracia brasileira não é a monarquia, é a escravidão”.

Negros são metade da população mas participam pouco do consumo. Empresários da construção: quantos negros compraram apartamentos com vocês? Vendedores de automóveis: quantos negros compraram automóveis? Corretoras de seguros: quantos negros compraram seguros de vida? Quantos investem em fundos de ações em bancos ou corretoras? Quer dizer: metade das pessoas do país está fora do mercado, ou, em outras palavras, o PIB poderia ser o dobro. Maravilha para os negócios. O Brasil perde muito em produtividade na economia pela não inclusão, até hoje, da população negra e pela falta de igualdade de oportunidades.

O estigma que associa a população negra com crimes no Brasil em muitas cabeças, potencializado pelo racismo disseminado mas negado, é lamentável, sabendo-se que é possível andar na rua sem medo de roubos, assaltos ou agressões físicas, a qualquer hora do dia ou da noite, em capitais como Dacar(Senegal), Acra(Gana), Praia(Cabo Verde) e Maputo(Moçambique).

Essa história é contada em detalhes, de forma contagiante, por Laurentino Gomes no seu best seller “Escravidão”. Excelente leitura. Quem não leu ainda, aproveite o tempo mais tranquilo das festas de fim de ano. Precisamos conhecer o maior esqueleto do nosso armário social.


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Evandro Milet

Evandro Milet é consultor, palestrante e articulista sobre tendências e estratégias para negócios inovadores. Possui Mestrado em Informática(PUC/RJ) e MBA em Administração(FGV/RJ). É Conselheiro de Administração certificado pelo IBGC e Conselheiro do CQC Inovação do Ibef/ES. Tem extensa experiência profissional, no Espírito Santo, Rio de Janeiro e Brasília, como empresário, executivo de empresas públicas e privadas, conselheiro de administração e consultor nas áreas de TI, inovação, qualidade, gestão, estratégia, empreendedorismo e meio ambiente, além de ser mentor e investidor em startups. Participa do programa EStúdio 360 Inovação na TV Capixaba e no programa Inovação na Band News FM. Co-autor do livro Vencedores pela editora Qualitymark. É atualmente Presidente do Cdmec- Centro Capixaba de Desenvolvimento Metalmecânico.

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