Coluna Inovação
A guerra dos chips e o reshoring
A guerra dos chips redefine a geopolítica global, conectando Taiwan, EUA e China em uma disputa pela supremacia tecnológica
A 2ª Guerra Mundial foi decidida por aço e alumínio, e em seguida veio a Guerra Fria, que foi definida pelas armas atômicas. A rivalidade entre EUA e China pode muito bem ser determinada pela capacidade de computação. Estrategistas em Pequim e Washington já perceberam que toda tecnologia avançada – da IA a sistemas de mísseis, de veículos autônomos a drones armados – exige chips com tecnologia de ponta, conhecidos mais formalmente como semicondutores ou circuitos integrados. Uma pequena quantidade de empresas controla a produção dos chips, mas foram eles que criaram o mundo moderno.
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A primazia militar dos EUA decorre em grande parte de sua capacidade de aplicar chips para utilizações militares. No período entre 1965 e 1968 as campanhas de bombardeio no Vietnam lançaram mais de 800 mil toneladas de bombas, mais do que foi lançado no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, esse poder de fogo teve impacto marginal, porque a maioria das bombas errou o alvo. A chegada das bombas Paveway, teleguiadas a laser da Texas Instruments coincidiu com a derrota dos EUA, mas quase ninguém percebeu que o Vietnã havia sido um campo de testes para armas que combinavam microeletrônica e explosivos, de maneiras que revolucionariam a guerra e transformariam o poder militar dos EUA a partir dali.
A tremenda ascensão da Ásia no último meio século também foi construída sobre uma base de silício à medida que suas crescentes economias se especializaram na fabricação de chips e na montagem de computadores e smartphones que esses circuitos integrados possibilitam. Cerca de 25% da receita da indústria de chips são originários dos telefones.
A Apple, por exemplo, não fabrica absolutamente nenhum desses chips. Ela compra a maioria no mercado: chips de memória da japonesa Kioxia, chips de radiofrequência da californiana Skyworks e chips de áudio da Cirrus Logic, sediada em Austin, no Texas. A Apple projeta internamente os ultracomplexos processadores que fazem funcionar o sistema operacional de um iPhone, mas não pode fabricar esses chips, que só podem ser produzidos por uma única empresa em um único prédio, a fábrica mais cara da história da humanidade, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, a TSMC em Taiwan.
Os chips de Taiwan fornecem 37% da nova capacidade computacional do mundo a cada ano. Duas empresas coreanas produzem 44% dos chips de memória do mundo. A empresa holandesa ASML fabrica 100% das máquinas de litografia ultravioleta extrema sem as quais chips de tecnologia de ponta são impossíveis de fabricar. Esses países são suscetíveis de pressões geopolíticas pelos EUA, como já vem acontecendo. Como a China lida com isso? Tentando replicar em casa, mas o processo é caro, demorado e altamente complexo tecnologicamente.
A cadeia de suprimentos de semicondutores dos dias de hoje exige componentes originários de muitas cidades e países, porém quase todos os chips fabricados ainda têm uma conexão com o Vale do Silício ou são produzidos com ferramentas projetadas e fabricadas na Califórnia.
Enquanto a China e os EUA lutam pela supremacia, esse futuro depende de uma pequena ilha que Pequim considera uma província rebelde e os EUA se comprometeram a defender à força.
Um único ataque de míssil na instalação de fabricação de chips mais avançada da TSMC poderia sem a menor dificuldade provocar centenas de bilhões de dólares em danos, pois acumularia atrasos na produção de telefones, data centers, automóveis, redes de telecomunicações e outras tecnologias.
O livro “ A Guerra dos chips” de Chris Miller, de onde foram tiradas essas informações, conta a história da microeletrônica e como os semicondutores definiram o mundo em que vivemos, determinando a forma de política internacional, a estrutura da economia global e o equilíbrio do poder militar.
Uma invasão de Taiwan pela China, a imposição de barreiras tarifárias pelo governo Trump ou as ações contra as big techs no mundo não podem ser analisadas sem perceber como funciona de fato a cadeia de produção de chips e o impacto de qualquer alteração nessa dinâmica, como uma tentativa de reshoring, que não seria rápida e certamente muito perigosa para a economia global e até para a paz mundial.
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