Coluna Vitor Vogas
Ricardo assume o MDB: “Vamos pacificar o partido no ES”
Os planos e explicações do novo presidente estadual do MDB, o movimento que culminou com a “solução Ricardo” para o impasse na sigla, os bastidores do ato de filiação, quem mais assinou ficha, quem compareceu ao ato e o sentido da presença de cada um

Ricardo Ferraço exibe ficha de filiação ao MDB recém-assinada (16/10/2023). Crédito: Wilson Roberto
“Tenho certeza que, com a agulha numa mão e com a linha na outra, nós vamos fazer uma boa construção. Tenho certeza de que, com muito respeito, equilíbrio, tranquilidade e humildade, vamos conseguir construir essa unidade e essa união.” O autor das frases e agora “tecelão” dessa “unidade” no MDB do Espírito Santo atende pelo nome de Ricardo Ferraço, que, nos próximos dias, assumirá a presidência estadual do MDB com a missão de pacificar o partido em solo capixaba.
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“Topei o desafio e volto me valendo daquilo que há de melhor na política, que é o diálogo. A gente vai construir, vai pacificar, vai continuar crescendo e a gente vai continuar colaborando muito com o desenvolvimento do nosso estado”, ressaltou o agora ex-tucano.
As declarações foram dadas pelo vice-governador logo após ele assinar a ficha de filiação que marca o seu retorno ao MDB, agora para presidir o partido no Estado, na noite dessa segunda-feira (16), em ato político realizado numa casa de celebrações do bairro Campo Grande, em Cariacica. Não por acaso, as palavras “união” e “unidade”, ao lado de “pacificação”, estiveram nos discursos de todos, especialmente no de Ricardo.
O local do evento tampouco foi obra do acaso. O ato também marcou a filiação ao MDB dos prefeitos de Cariacica, Euclério Sampaio – que organizou o encontro –, e de Colatina, Guerino Balestrassi. Euclério deixa o União Brasil, enquanto Guerino se despede do Podemos.
Para abonar as fichas e sacramentar o grande acordo de bastidores que culminou com essa “volta por cima” de Ricardo ao MDB, o deputado federal Baleia Rossi (SP), presidente nacional do partido, fez questão de prestigiar pessoalmente o ato de filiação. Baleia conduziu pessoalmente a articulação que culminou com a “solução Ricardo Ferraço” para o impasse vivido pela agremiação no Estado desde setembro.
Ao lado de Ricardo e dos demais, o deputado paulista também destacou a unificação e a pacificação que espera a partir da chegada do vice-governador à presidência estadual – até porque a articulação que conduz Ricardo ao cargo também envolve os dois rivais internos que protagonizaram, nos últimos meses, a disputa pelo comando da sigla no Espírito Santo: a ex-senadora Rose de Freitas e o ex-deputado federal Lelo Coimbra, também presentes e prestigiados no evento.
Nesta terça-feira (17), Ricardo viaja a Brasília com Baleia para cuidar de todas as formalidades. Nos próximos dias, a Executiva Nacional constituirá uma Comissão Estadual Provisória no Espírito Santo, formada por sete membros e presidida pelo vice-governador.
Rose e Lelo também farão parte desse novo órgão diretivo, como confirmam Ricardo e Baleia. Guerino e Euclério também, informa o presidente nacional. Os outros dois membros ainda não foram definidos.
“Vamos compor essa comissão de modo que possa gerar toda essa agregação e união que buscamos”, afirmou Ricardo.
Inicialmente, a comissão terá três meses de vigência, mas pode ser renovada a cada três meses, enquanto for da vontade da direção nacional.
“Força das circunstâncias”
Se o local do ato de filiação e o discurso em uníssono dos líderes presentes não foram obras do acaso, o mesmo, segundo Ricardo, não pode ser dito a respeito da sua chegada à presidência do MDB no Espírito Santo. De acordo com o vice-governador, sua ascensão ao comando estadual da legenda foi “obra das circunstâncias”, ou, mais precisamente, uma circunstância muito específica: o fantástico empate entre Lelo e Rose na convenção estadual realizada em 21 de setembro, pelo placar de 27 a 27.
O inusitado resultado, ao contrário de resolver de uma vez por todas a luta interna entre os dois grupos, acabou por aprofundar o impasse. Desde então, o MDB está sem órgão diretivo no Espírito Santo. O nó górdio político abriu campo para que a direção nacional buscasse uma solução alternativa: uma solução com o nome de Ricardo Ferraço, “mobilizado” então por Baleia, segundo o vice-governador.
De lá para cá, Ricardo intensificou conversas com o próprio Baleia e com Rose – a presidente estadual até 21 de setembro –, em uma “construção conjunta” que também contou com a participação direta do governador Renato Casagrande (PSB) – conforme a apuração da coluna.
Ricardo dá a sua versão dos fatos que culminaram com a sua chegada à presidência:
“Isso não foi planejado. Foi obra da circunstância. E essa circunstância se deu em razão do empate que houve na convenção do MDB. Em razão desse empate, o presidente Baleia Rossi me mobilizou. E nós fizemos uma conversa com todos os segmentos do partido e chegamos à conclusão que tínhamos ali uma bela construção para ser feita. Não foi o Baleia Rossi quem me procurou. Fomos nós que, de maneira conjunta, chegamos a essa convergência. Mas, por certo, o mandato que estou recebendo passa pela orientação do presidente da Executiva Nacional.”

Ricardo Ferraço discursa em seu ato de filiação ao MDB (16/10/2023). Crédito: Wilson Roberto
Como registrado na coluna à época, Ricardo foi convidado por Rose em meados do primeiro semestre para voltar ao MDB. Guardou o convite como carta na manga, mas não o aceitou de imediato, até por prudência: preferiu permanecer no PSDB pelo menos até o MDB decidir o seu próprio destino, devido à forte instabilidade e às indefinições sobre o comando da sigla.
Ricardo, podemos acrescentar, não queria retornar ao MDB para ficar sob o comando nem de Rose nem de Lelo, ou seja, não tinha interesse nem ganho político em voltar ao partido, a menos que fosse para o liderar no Espírito Santo.
Quis o destino que ele pudesse regressar exatamente assim: numa posição de ascendência.
“As conversas sempre existiram, mas essas conversas foram sucedidas por uma convenção. Se essa convenção não tivesse empatado, a circunstância não me colocaria diante dessa realidade”, disse o vice-governador.
A “circunstância”, o “acaso” ou o “destino” criou-lhe as condições perfeitas para que agora ele possa chefiar a própria sigla no Espírito Santo. E não uma sigla qualquer…
A participação de Casagrande
Destoando da apuração da coluna, Ricardo afirma que a articulação não teve a presença direta de Renato Casagrande, mas reconhece que o governador “acompanhou toda essa construção”, até por liderar a coalizão formada por várias siglas em seu governo no Espírito Santo, da qual fazem parte o MDB e o PSDB, tendo Rose e ele próprio como aliados proeminentes.
Com a presidência passando de Rose para Ricardo, após esse hiato de um mês, o MDB segue sob o controle de aliados de Casagrande no Estado.
“Isso envolve as lideranças do MDB, mas envolve também, por certo, a liderança do governador Renato Casagrande, que lidera uma frente ampla de partidos que têm trabalhado firmemente para produzir um Espírito Santo cada vez melhor”, afirmou Ricardo. “Diretamente, ele não participou. Mas ele lidera uma frente ampla de partidos. E, como líder desse movimento, ele por certo acompanhou toda essa construção.”
A saída do PSDB
Ricardo diz ter saído do PSDB sem deixar nenhuma aresta: “Dialoguei muito com os deputados Vandinho e Mazinho, deixo ali bons amigos e por certo vamos continuar trabalhando juntos”.
O fato de PSDB e MDB comporem a mesma frente partidária erguida em torno de Casagrande, como destacado acima, certamente contribuiu para isso.
Ricardo mudará de posição e de uniforme, mas continuará jogando no time dirigido por Casagrande no Estado. Pensando nas próximas eleições, passará a cumprir para esse grupo – e para ele mesmo – um papel estratégico ainda mais importante.
O Governo do Estado em 2026
O trabalho que ele assume a partir de agora pode culminar, inclusive, com o lançamento de eventual candidatura ao Governo do Estado pelo MDB em 2026, para suceder Casagrande. Baleia Rossi disse com todas as letras ter essa expectativa, em entrevista após o ato de filiação. Ricardo preferiu ir devagar e tangenciar o tema:
“Sempre procurei cumprir a minha tarefa. O momento é de a gente continuar trabalhando muito. Tem que deixar a política para a hora certa. Tratar de eleição agora é cercar vento, é enxugar gelo.”
MDB sai do alcance de Pazolini
Mas, antes de se pensar em 2026, há uma escala eleitoral no curto prazo. A escalação de Ricardo à frente do MDB-ES garante que esse grande partido priorizará alianças com outras siglas pertencentes à coalizão casagrandista nas eleições municipais de 2024, buscando fortalecer o movimento político pilotado pelo governador.
Em contrapartida, a liderança de Ricardo afasta o cobiçado MDB de adversários políticos desse grupo.
Em uma análise imediata, para dar um exemplo importante, esse arranjo praticamente anula as chances de o MDB repetir, em 2024, o apoio dado a Lorenzo Pazolini (Republicanos) em 2020. Deixa o partido fora do alcance do prefeito.
Eventual retorno de Lelo à presidência teria tido o efeito contrário. Vale lembrar que o secretário de Governo de Pazolini em Vitória, Aridelmo Teixeira (Novo), compareceu à convenção do MDB em 21 de setembro… fazendo figa para Lelo.
Uma “nova era”, um “novo MDB”
A chegada de Ricardo à presidência estadual marca o início de uma nova era – ou, no mínimo, uma nova fase – para o MDB no Espírito Santo.
Desde o fim de 2018, o partido atravessa um período muito turbulento no Estado, marcado por dois anos de disputas entre o grupo de Lelo Coimbra e o de Marcelino Fraga, seguido por uma intervenção federal, a nomeação de Rose de Freitas para a presidência estadual, um resultado muito ruim nas eleições gerais de 2022 e a recente disputa entre Lelo e Rose pelo comando do partido no Estado.
O próprio resultado da convenção de setembro, com o improbabilíssimo empate entre Lelo e Rose, é evidência absoluta de que o partido estava, literalmente, cindido ao meio – a própria Rose o declarou para imprensa e militância logo após a proclamação do resultado. “Os fatos falam por si”, concorda Ricardo. Mas ele acredita que terá sucesso em unir e harmonizar o partido.
Evocando “muita calma e muita tranquilidade”, diz que “o importante agora é nossa capacidade de agregar, pacificar e unir”. A tarefa começa exatamente com a escalão de Lelo e Rose, oponentes na convenção, ao seu lado na nova Comissão Estadual Provisória:
“Por certo Rose e Lelo estarão, porque ambos têm legitimidade para estar nessa nova Executiva, na medida em que disputaram a convenção e saíram da convenção com um empate”.
Quem mais compareceu e o sentido da presença de cada um
O ato de filiação de Ricardo, Euclério e Guerino foi marcado pela presença de outros políticos que não estão no MDB – ao menos não por ora. Todos foram convidados a subir ao palco.
Entre eles, o chefe da Casa Civil no governo Casagrande, Davi Diniz (sem partido); o deputado federal Gilson Daniel (Podemos); o prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (Podemos); os deputados estaduais Tyago Hoffmann (PSB), Denninho Silva (União Brasil) e José Esmeraldo (PDT); a ex-deputada Luzia Toledo (sem partido); e a ex-prefeita de Viana Solange Lube (MDB).

Da esquerda para a direita: Ricardo Ferraço, Solange Lube, Euclério Sampaio, Arnaldinho Borgo, Rose de Freitas e Gilson Daniel. Crédito: Gabriel Verly
A presença de Diniz, operador político de Casagrande, simboliza a presença do próprio governador (e do Palácio Anchieta) no evento e no movimento. Diniz faz raras aparições públicas.
Gilson Daniel é presidente estadual do Podemos, partido que também compõe o governo Casagrande. Sua presença indica que a troca de partido de Guerino Balestrassi foi dialogada e pacífica. Revela, ainda, que o Podemos buscará dobradinhas estratégicas com esse “novo MDB” em muitos municípios no ano que vem.
Emedebista em seus dois mandatos na Câmara de Vila Velha (de 2013 a 2020), Arnaldinho foi convidado por Rose no primeiro semestre para entrar no MDB. Após o ato, reiterou que ficará no Podemos.
Mas o prefeito deseja (e muito provavelmente terá) o apoio do MDB para a sua reeleição em 2024. Deve exercer grande influência na montagem da chapa emedebista para vereadores de sua cidade. No ano passado, ele apoiou Casagrande e Ricardo para o Governo do Estado, além de Rose para o Senado.
Tyago Hoffmann é pré-candidato do PSB, partido do governador, a prefeito de Vitória. Deve tentar atrair o MDB para sua coligação, a fim de fortalecer sua possível candidatura de centro. Durante a convenção do MDB, o grupo de Lelo Coimbra chegou a alegar que Tyago estaria agindo nos bastidores em favor de Rose, mobilizando votos para ela junto a prefeitos do interior.
Denninho Silva é aliado de Casagrande e de Euclério – além de parente deste último.
José Esmeraldo, hoje no PDT, afirmou que cogita voltar para o MDB e que já existe um caminho para isso.
Luzia Toledo, outra ex-emedebista, quer concorrer a vereadora de Vitória, possivelmente pelo MDB. Disse que ainda não se decidiu e que foi cumprimentar Baleia Rossi pela solução encontrada para o impasse.
Solange Lube foi 1ª suplente de Rose na chapa não eleita para o Senado em 2022.
Ricardo afirmou que não pretende atropelar nenhum partido aliado visando aumentar os quadros do MDB:
“Temos planos de crescimento, mas o nosso crescimento se dará com equilíbrio e com respeito aos partidos políticos que compõem essa frente ampla liderada pelo governador Renato Casagrande. Não passa pela minha cabeça nem pela cabeça de ninguém que a gente vai criar uma concorrência dentro desses partidos para ver quem faz mais e quem faz menos.”
Em tempo: a mestre de cerimônias do evento foi a ex-deputada estadual e ex-petista Lúcia Dornellas. Ela foi estrategista da comunicação de campanha de Euclério em 2020.
