Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto | Nossos braços não são fracos
A reconstrução identitária revela a força de um passado que molda o orgulho capixaba e inspira o futuro

A reconstrução identitária revela a força de um passado que molda o orgulho capixaba e inspira o futuro. Foto: Freepik
A sociedade capixaba tem uma espécie de dívida histórica com ela mesma: não estuda o seu passado, não consegue elucidar bem a sua trajetória e nem a sua própria construção social. As lutas e conquistas dos nossos antepassados, os sacrifícios de muitas gerações são desprezados por simples falta de conhecimento. Pior que tudo isso é repetirmos velhos mitos como consequência do desinteresse coletivo por nossa trajetória.
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Gaúchos, pernambucanos, mineiros e que os nasceram ou habitam outras regiões brasileiras constroem mitos positivos sobre si mesmos, enaltecem os feitos do passado e dão origem a um sentimento de pertencimento, de regionalismo que impulsiona a sociedade, ajuda na construção de um bom patamar de turismo, por exemplo. Nós, ao contrário, alimentamos mitos negativos para explicar uma falsa falta de identidade. Entre esses mitos está, por exemplo, que nossas matas serviram como uma espécie de barreira verde para o ouro das Minas Gerais, impedindo a entrada de visitantes indesejados e a saída clandestina do rico mineral. Isso é meia verdade, já que o período do ouro não durou toda a fase colonial, que teve seu auge circunscrito ao século XVIII.
Outro desses mitos é que teria havido uma espécie de marasmo colonial, que transformou a Capitania do Espírito Santo em retardatária em relação às demais. Trata-se de ideias pouco estudadas, pouco esclarecidas e que precisam ser revistas com mais seriedade e aprofundamento. Para nos contrapormos a essas teorias basta lembrar que, já a partir do século XVI, fomos sede de potentes empreendimentos agrícolas jesuíticos que deixaram como saldo arquitetônico as igrejas de Nossa Senhora das Neves, em Presidente Kennedy, a Basílica de São José de Anchieta, a dos Reis Magos, em Nova Almeida e a que agora se encontra em obras de restauração, em Araçatiba, além da sede do Colégio São Tiago, onde hoje está o Palácio Anchieta. Só atividades econômicas muito intensas poderiam ter proporcionado recursos para essas obras. De fato, tínhamos as maiores fazendas do litoral brasileiro, como a Muribeca, na fronteira com o Rio de Janeiro ou a de Araçatiba, em Viana.
Isso sem falar em outro ciclo histórico, nas riquezas que o café trouxe, cultura que se consolidou na metade do século XIX e foi muito potente na primeira metade do século XX. Esse ciclo nos transformou no terceiro estado maior produtor do Brasil, enriqueceu os fazendeiros escravocratas no Sul do estado e deixou um rico patrimônio histórico na região Sul, onde se destacam os importantes sítios históricos de São Pedro de Itabapoana e Muqui. Esse patrimônio histórico também é subaproveitado no nosso turismo.
Por falta de conhecimento elementar sobre a história do rico empreendedorismo que tivemos, pouco valorizamos esses e outros patrimônios materiais que temos como ativos turísticos importantes. Chamo a atenção desses elementos para afirmar que os nossos braços não são fracos, como costumamos cantar no hino do Espírito Santo. Não estou propondo modificações em sua letra, pois ela faz parte da história, tem as suas razões no tempo. Nossa missão é outra, é explicar para todos os capixabas que temos um passado do qual devemos nos orgulhar. Fincados nesse passado construiremos um futuro de muito desenvolvimento, distribuído com mais igualdade.
Esses mitos, construídos em grande parte no alvorecer da república – no fim do século XIX e início do século XX – tiveram sua razão de ser. Os republicanos tinham afã de progresso. A extraordinária gestão de Muniz Freire à frente de nosso estado entre 1892-1896 e 1900-1904 mostra bem isso. Eles pretendiam crescer nos moldes positivistas, tinham pressa e ainda possuíam restos de uma luta ideológica com o passado imperial, portanto precisavam mostrar-se mais fortes politicamente. Mas isso acabou, são elementos que estão em nosso passado, são questões vencidas. A narrativa agora tem que ser outra.
Precisamos virar esse jogo, esquecer esses mitos negativos que foram construídos no passado e usados por muitos dos que pretendiam fazer inflexões para o futuro. Isso é uma guerra que já foi vencida. Agora, para irmos mais longe, precisamos da narrativa do estado empreendedor e da construção de um imaginário social que transmita esse orgulho do passado, o orgulho de ser capixaba.
Não se faz economia criativa, turismo e enraizamento da cultura no cotidiano da sociedade repetindo-se que não temos identidade, até porque esse é um falso sentimento. Afinal nossos braços são fortes, e é isso que importa.
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