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Coluna Vitor Vogas

Por que a eleição da Mesa não pode ser secreta, em sete pontos

Em parecer elaborado pela própria Procuradoria Geral da Assembleia, mediante consulta de Marcelo Santos, órgão jurídico explica por A + B por que votação secreta para a Mesa a esta altura não tem o menor cabimento

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A eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa (Ales), em obediência ao Regimento Interno da Casa e à Constituição Estadual, deve ser realizada por votação transparente, aberta e nominal. Ponto. Não há nada no regramento da Assembleia, na Constituição Federal ou em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que possa ser usado para fundamentar eventual votação secreta na eleição dessa quarta-feira (1º) em plenário. 

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Esse é o entendimento, claro e cristalino, reafirmado pela Procuradoria Geral da própria Assembleia Legislativa. Datado da última sexta-feira (27), o parecer está disponível no sistema interno Ales Digital, podendo ser acessado por qualquer deputado ou servidor da Assembleia.

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Para a Procuradoria, as normas dispostas no Regimento Interno da Ales e na Constituição Estadual “são de clareza solar e asseguram, de modo irrefutável, a obrigatoriedade de que o voto para a eleição da Mesa Diretora não se faça em sigilo pelo escrutínio secreto, e sim sob o signo da transparência, assegurando-se a toda a sociedade ampla fiscalização social tão salutar à prática republicana nas democracias”.

O posicionamento foi dado a partir de consulta feita ao órgão jurídico da Assembleia pelo deputado Marcelo Santos (Podemos), candidato à presidência da Mesa com o apoio declarado do governador Renato Casagrande (PSB). 

Marcelo provocou a Procuradoria de maneira preventiva, para ter uma espécie de “mandado de segurança”, isto é, uma carta na manga para usar contra eventual tentativa do grupo adversário de promover a eleição da Mesa por voto secreto (contrariando o regramento da Assembleia).

O candidato do Palácio Anchieta buscou se antecipar a possíveis manobras nesse sentido, prenunciadas pelo próprio Vandinho e seus dois principais estrategistas, Hudson Leal (Republicanos) e Theodorico Ferraço (PP), em declarações dadas à imprensa na semana passada, inclusive a este espaço. 

Em entrevistas, os adversários de Marcelo deram a ver a estratégia de adotar a votação secreta. “Se o voto for secreto, quem você acha que ganha?”, questionou Hudson, por exemplo. 

Como motivação da consulta feita à Procuradoria, Marcelo cita justamente uma entrevista de Vandinho a esta coluna, publicada na última quarta-feira (25). Questionado se seu grupo cogitava mesmo votação secreta, Vandinho respondeu que precisava estudar melhor o tema, mas não rechaçou tal possibilidade. 

Ao contrário, citou decisão recente do STF determinando que as próximas escolhas de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCES) pelos deputados estaduais sejam feitas por voto secreto e, ainda, as eleições para as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado Federal, ambas feitas por voto secreto. 

O temor de Marcelo (por conseguinte, do Palácio Anchieta) é que, durante a sessão, o grupo de Vandinho, hoje em minoria, tente usar essa estratégia como bala de prata. 

Por exemplo, um deputado aliado de Vandinho pode levantar uma questão de ordem para o presidente da sessão, propondo que a votação seja feita de forma secreta – sob o argumento, digamos, de que o governador desta vez interferiu ostensivamente na liberdade de escolha dos deputados ao orientar publicamente sua base a votar em determinado candidato, gerando entre os parlamentares insegurança e medo de retaliação em caso de votação nominal.  

A sessão de eleição da Mesa será presidida por Theodorico Ferraço, por ser o deputado mais idoso entre os eleitos (85 anos). Além de aliado de Vandinho, ele é inimigo mortal de Marcelo.  

Diante da estratégia antecipada pelo grupo de Vandinho, Marcelo questionou à Procuradoria: “A votação para a eleição da Mesa Diretora deve ser por voto aberto conforme os regramentos vigentes?”

De certo modo, a resposta já está contida na formulação da pergunta. 

A RESPOSTA DA PROCURADORIA EM SETE PONTOS

1) O que diz o Regimento Interno

A Procuradoria inicia o parecer lembrando que a Constituição Federal garante às Assembleias Legislativas autonomia para definirem as regras relativas à eleição da própria Mesa Diretora.

(Levantamento feito pela coluna mostrou, por exemplo, as diferenças em relação a essa matéria: nas 27 unidades federativas do país, 14 Assembleias Legislativas, incluindo a do Espírito Santo, além da Câmara Legislativa do Distrito Federal, elegem a Mesa Diretora por votação aberta e nominal, enquanto em outras 12 o escrutínio é secreto.)

Portanto, segundo a Procuradoria, a resposta à pergunta de Marcelo deve ser encontrada no próprio Regimento Interno da Ales, o qual afirma em seu artigo 9º:

“A eleição da Mesa, bem como o preenchimento de qualquer vaga nela ocorrida, será feita por maioria absoluta de votos em primeiro escrutínio e, maioria simples, em segundo escrutínio, com a tomada nominal de votos em aberto […].”

2) O que diz a Constituição Estadual

De acordo com a Procuradoria, “redigido em linguagem simples”, o dispositivo regimental “não suscita qualquer dúvida interpretativa”, tampouco entra em contradição com qualquer outra regra, seja do próprio Regimento, seja da Constituição Estadual, até porque “esta também determinou o voto aberto para eleição da Mesa Diretora” (parágrafo 8º do artigo 58, dado por emenda de autoria da Mesa Diretora presidida por Cláudio Vereza em 2003). 

“Devidamente aprovada e promulgada [a emenda], desde então, o Parlamento capixaba considerou o tema tão relevante que lhe atribui status constitucional. Assim, a proibição à realização de votação secreta para eleição da Mesa, além de lastro jurídico regimental, elevou-se do plano infraconstitucional para o plano constitucional”, diz o parecer.

3) Contexto histórico: por que se instituiu a votação aberta?

A Procuradoria lembra que o parâmetro da votação aberta está vigente há 20 anos na Ales e foi empregado na eleição dos últimos nove presidentes e membros da Mesa Diretora, “repelindo, em definitivo, a possibilidade jurídica da adoção do voto misterioso na eleição da Mesa Diretora”.

De passagem, em importante contextualização histórica, a Procuradoria cita as graves violações de princípios éticos e o “comprometimento da imagem da instituição parlamentar” que levaram a Mesa Diretora eleita em fevereiro de 2003 e presidida pelo deputado Cláudio Vereza (PT) a apresentar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 02/2003, que acabou com a votação secreta para a Mesa.

A Procuradoria cita alguns dos argumentos que embasaram a justificativa da referida PEC, em referência à Era Gratz: 

“Esta regra [a do escrutínio secreto] propiciou a manutenção de um grupo de parlamentares à frente da direção da Casa… não limitaram suas condutas nem as pautaram por princípios éticos e morais, sujeitas que estão, inclusive, a questionamentos jurídicos capazes de macular não só seus próprios mandatos quanto a própria instituição legislativa”;

“A utilização do escrutínio secreto para eleição da Mesa da Ales foi responsável pela criação de um ambiente de profundo desgaste político do Legislativo e de seus membros. Maculou-se uma instituição democrática, transformando-a em instrumento para a realização de desejos e interesses contrários ao sentimento popular…”

4) Caso omisso na Constituição Federal

A Procuradoria destaca que a Constituição Federal não dedica nem uma linha sequer ao tema da escolha dos membros da direção de Assembleias Legislativas. Ressalta, por outro lado, jurisprudência do STF segundo a qual, em havendo dúvida gerada por essa omissão, “há de prevalecer o princípio democrático que reclama a votação ostensiva e aberta”.

“É importante que se destaque que, embora a Constituição Federal não contenha regra sobre o voto aberto ou secreto para eleição da Mesa Diretora do Poder Legislativo, o próprio STF admite que, havendo necessidade de uma interpretação sobre a matéria, em razão do ‘silêncio eloquente’ da Constituição Federal, haveria de prevalecer a interpretação em favor do voto aberto”, diz a Procuradoria. 

5) Insegurança jurídica

De acordo com a Procuradoria da Assembleia, basicamente, as regras do jogo, conhecidas previamente por todos os participantes e fixadas no Regimento Interno da Casa, não podem ser alterada com o jogo já em andamento, “ao sabor dos acontecimentos e das conveniências do momento, sob pena de gerar grave insegurança jurídica caso não fosse possível antever os procedimentos legais que serão adotados para a eleição”. 

A Procuradoria salienta a importância da segurança jurídica e da previsibilidade em processos dessa natureza:

“Nesse passo, é necessário admitir que o ímpeto natural de competição que é próprio da arena política e que por vezes resulta em exaltação de ânimos na legítima disputa [e] no afã de conquistar a honrada posição de gestores do Poder não pode prescindir do respeito à segurança jurídica. Trata-se de uma garantia central do sistema jurídico que repele imprevistos e surpresas.” 

Em outras palavras, a disputa pelo poder no Poder não pode se transformar em um vale-tudo e servir de pretexto para desrespeito às normas. A luta política deve ser travada dentro das quatro linhas legais delimitadas pelo Regimento Interno (e neste caso, também, pela Constituição Estadual).

6) O “princípio da anterioridade”

“A própria legislação eleitoral estipula que alterações quanto às regras de escolha devem observar o princípio da anterioridade, a fim de impedir que mudanças abruptas causem incertezas em relação às regras que serão aplicadas no pleito”, completa o parecer.

Noutras palavras, como já defendi aqui, se alguns deputados estão descontentes com o atual regramento e desejam rediscuti-lo e alterá-lo, muito bem, é legítimo direito deles, mas que o façam tendo em vista a eleição seguinte da Mesa, em 2025, não em cima do pleito de amanhã, cujas regras todo mundo já conhecia desde abril de 2003. 

7) Escolha do TCES não tem nada a ver

Por fim, como o próprio Vandinho aludiu em entrevista à recente decisão do STF determinando voto secreto para a escolha de conselheiros do TCES, a Procuradoria sublinha a impossibilidade de aplicação daquele julgado (que tratou exclusivamente da eleição para o TCES) no caso concreto da eleição da Mesa Diretora da Assembleia, que é completamente diferente.

“Em uma democracia”, explica o parecer, “a regra é a publicidade das votações. O escrutínio secreto somente pode ter lugar em hipóteses excepcionais e especificamente previstas [na Constituição Federal]”. 

Pois bem, a eleição de membros de Tribunais de Contas é precisamente um desses casos excepcionais em que a Constituição Federal prevê expressamente votação secreta, diferentemente da eleição de Mesas Diretoras de Assembleias Legislativas, tema sobre o qual a Carta Magna nada diz.

Como a Constituição Federal não versa sobre a eleição para o comando do Poder Legislativo em âmbito estadual, o próprio STF mantém o entendimento de que se trata de questão interna corporis e, assim sendo, o Supremo nem sequer pode opinar sobre a matéria. 

Questões como essa são “impassíveis de apreciação pelo Poder Judiciário, sob pena de violação à Separação dos Poderes”, cita a Procuradoria.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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