Coluna João Gualberto
O aprendiz
O Aprendiz filme revela as origens do estilo controverso de Donald Trump

O Aprendiz filme. Foto: Reprodução
Assisti há alguns dias, na Netflix, um filme muito interessante chamado O Aprendiz, que trata da ascensão empresarial do jovem e ambicioso Donald Trump na Nova Iorque dos anos 1970. Trump acaba por ser acolhido em suas pretensões por um advogado de poucos escrúpulos, Roy Cohn, com seus planos, nada triviais, de enriquecimento no setor imobiliário na cidade, então falida. O roteiro do filme tem uma história que já mostra os passos iniciais de um negociador cheio de artimanhas distantes da ética.
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O Aprendiz mostra a ganância do jovem empresário disposto a tudo para vencer e sua aproximação com o advogado Roy Cohn, sem critério éticos, que foi também o principal conselheiro do senador Joseph McCarthy em 1954. Naquela ocasião Cohn o auxiliou em investigações para incriminar os acusados de serem comunistas. Nas décadas de 1970 e 1980 o mesmo advogado tornou-se importante agente político na cidade de Nova Iorque. Foi como advogado trapaceiro e operador de acordos comerciais obtidos sob coação que ele representou e foi o principal mentor de Donald Trump em sua trajetória vertiginosa no mundo dos negócios imobiliários.
Em 1986 Cohn foi destituído pela Divisão de Apelações do Supremo Tribunal do Estado de Nova Iorque por conduta antiética, após tentar fraudar um cliente moribundo, forçando-o a assinar uma alteração no testamento que deixaria toda sua fortuna ao advogado corrupto. Roy Con morreu por complicações decorrentes da Aids, negando até o fim ser soropositivo. Foi nessa forja moral que se moldou a personalidade de Donald Trump. Ele seguiu muito de perto os passos de seu mestre, por isso o filme se chama O Aprendiz, remetendo também ao nome de um programa de televisão que o agora presidente americano estrelou por longos anos.
Nesse mundo onde Trump prosperou havia uma adoração pelos Estados Unidos, proclamados como o paraíso da liberdade e como potência mundial. Um patriotismo exclusivista que não levava em conta negros, pobres ou todos aqueles que eram considerados perdedores. Esse tipo de patriotismo somente cabia em personalidades como a dele, vinculadas à lógica da supremacia racial, de um machismo antiquado, de um mau gosto a toda prova no mundo da estética. Tudo isso que hoje vemos no modelo político de gestão do presidente Trump nasceu do aprendizado que pode ser visto no filme, lançado em 2024.
Quando comparamos o que vimos na tela com os fatos políticos que se passam hoje no império americano, fica fácil entender por que a lógica política das gestões de Donald Trump são tão desprovidas de compaixão, de solidariedade ou mesmo de espírito público, em sentido mais amplo. Ela aprendeu a sobreviver como um grande magnata pisando no pescoço de quem precisasse pisar, inclusive da própria família, com vemos na tela. É assim que ele vê o mundo.
O estilo de negociar contratos e vantagens bem descrito no livro A Arte da Negociação, um best seller mundial assinado por Trump, mostra sem pudores instrumentos até hoje usados por ele: o pensamento grande, o instinto, a ousadia e as táticas agressivas para o mundo dos negócios. Tudo o que podemos acompanhar pela mídia nos mostra que esse modelo usado no mundo privado, que o fez enriquecer, é o mesmo que utiliza na esfera pública, agora na condução da economia mais importante do mundo.
Ao impor seu tarifaço ao mundo, ou ao apoiar as atrocidades cometidas pelo governo sanguinário de Israel, o que se vê são os vestígios dessa formação de caráter para ser um valentão, um sujeito de usa de quaisquer armas para tirar vantagem em sua posição privilegiada. O governo que esse personagem conduz mostra muito bem um certo ideal estadunidense de supremacia no mundo. Para ele é preciso inflar cada vez mais esse nacionalismo opressor, racista e desigual. Se foram feitos para serem os donos do mundo, os outros povos que se submetam – assim pensam os adeptos de suas ideias.
Nesse ponto da submissão de outros povos está o que mais me intriga, quando vejo milhões de brasileiros portando ou promovendo a bandeira americana em suas manifestações, ou mesmo desejando um ato de força de Donald Trump contra o Brasil, para forçar o STF a tomar uma medida favorável ao ex-presidente Bolsonaro. Como seria possível um dirigente totalmente vinculado aos interesses de um imperialismo desalmado fazer concessões a um país latino-americano, olhado com desprezo pelas forças que sustentam o atual governo estadunidense?
Tudo nesse mundo trumpista – mesmo a sua defesa entre os radicais de direita brasileiros – me parece pouco consistente, a não o desejo desenfreado e contínuo de ganhar dinheiro e de acumular poder, muito poder. Todo o resto são detalhes no universo cafona que essa gente criou.
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