Coluna Vitor Vogas
Análise: afinal, Casagrande é mesmo um governador de esquerda?

Renato Casagrande ao lado de Lula na mesa do XV Congresso Nacional do PSB, em Brasília (28/04/2022). Foto: Assessoria de Comunicação do PSB
A cena foi emblemática. No dia 28 de abril, dirigentes do PSB se reuniram num salão em Brasília para o congresso nacional do partido, no qual seria firmada e anunciada oficialmente a aliança nacional com o PT e o apoio a Lula na eleição presidencial. À mesa de autoridades, estavam o governador Renato Casagrande e o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira. Entre os dois, o próprio Lula.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Na abertura do encontro, como de praxe nos eventos do PSB, foi executada a Internacional Socialista, hino de muitos partidos socialistas e social-democratas mundo afora desde 1951. Animado, Siqueira cantou os versos iniciais do hino, com o punho direito erguido, enquanto alguns militantes na plateia o entoavam a plenos pulmões. A poucos metros de Siqueira, um distraído Casagrande falava ao celular. Depois, guardou o aparelho no bolso e ouviu respeitosamente, mas em silêncio, o hino do próprio partido.
Se você propuser a Casagrande um jogo de perguntas e respostas à queima-roupa e lhe perguntar “direita ou esquerda?”, sem meio-termo nem terceira opção, ele responderá “esquerda” sem tergiversar. Não é suposição. Já tirei a prova com o governador, ao lado de colegas de A Gazeta (em entrevista ao podcast “Papo de Colunista” no fim de 2019), e foi a resposta dada por ele. Está em seu DNA político.
Ocorre que as coisas na política não são assim, A ou B simplesmente. Entre as duas opções, existem muitas gradações e nuances, muito além da dicotomia rasa estabelecida na política brasileira entre “direitistas” e “esquerdistas”, como efeito da polarização ideológica das duas últimas eleições presidenciais. Não é de admirar que, na eleição estadual deste ano, Casagrande tenha sido tachado até de “comunista” por adversários bolsonaristas.
Numa análise fria e honesta, isso está longe da realidade.
Polarização ideológica à parte, dentro do vasto universo formado por “políticos de esquerda”, tenho para mim que Casagrande está ali no limiar, praticamente na divisa com o centro; e em alguns aspectos, hoje, está até margeando a direita. Ou seja, dentre os homens públicos de esquerda, é um dos menos “de esquerda”.
Na origem, é um político de centro-esquerda; nos últimos anos (como governador, inclusive), tem os pés mais fincados no centro; e hoje flerta com a centro-direita, principalmente em consequência do processo eleitoral. Esse flerte deverá se acentuar e se refletir em seu terceiro governo.
> Professor Casagrande deve escalar Rigoni na Ciência e Tecnologia
Mas essa constatação se manifesta também no seu governo atual. Tenho sérias dificuldades em classificá-lo como um autêntico “governo de esquerda”. Em alguns aspectos, sim; em outros, nem tanto. Como já argumentei algumas vezes, é possível reconhecer algumas políticas da administração de Casagrande muito mais associadas à direita.
A mais evidente delas: sua política de austeridade fiscal – ironicamente posta em xeque por oponentes dele à direita na última eleição –, em linha com o que se esperaria, digamos, de um governador do Novo, mas não exatamente de um governador “socialista” puro-sangue.
Enquanto Lula, para dar um exemplo, provoca calafrios e sobressaltos no mercado ao dizer após eleito que “não adianta falar em responsabilidade fiscal”, colocando-a em oposição à responsabilidade social, Casagrande trata o equilíbrio fiscal como premissa inegociável de governo.
Ainda na área econômica, a gestão atual não mostrou nenhuma aversão a parcerias com a iniciativa privada. Ao contrário, procurou realizar concessões públicas e PPPs (destino, aliás, que Casagrande quer dar ao Cais das Artes).
Na segurança pública, a secretaria foi comandada durante metade do governo por Alexandre Ramalho (Podemos), coronel linha dura não do tipo “bandido bom é bandido morto”, mas do tipo “bandido aqui não se cria” etc., defensor de pautas rechaçadas pela esquerda, como a redução da maioridade penal e a flexibilização do Estatuto do Desarmamento.
Isso sem falar na presença de muitos aliados de direita e assumidamente bolsonaristas, a exemplo do próprio Ramalho, ao longo do atual governo Casagrande – algo que deve crescer no próximo, como abordaremos mais detidamente aqui na próxima coluna.
Por isso, reluto muito em dar ao atual governo o carimbo “de esquerda”. É algo relativo e discutível.
> Renzo Vasconcelos vai para o governo Casagrande: está na briga pela Agricultura
E, se dentre os políticos de esquerda, Casagrande é um dos menos “esquerdistas”, eu diria que, entre os socialistas, ele está entre os menos “socialistas”. Na verdade, origens e filiação à parte, o governador, de socialista, tem bem pouco – tomando o termo em sua concepção original, de lutar para construir uma sociedade socialista, em oposição ao capitalismo etc.
Até porque o próprio PSB, embora bem plantado na esquerda, já evoluiu dessa concepção de mundo, modernizou o seu programa para acompanhar as mudanças dos tempos e as curvas da História. Hoje, está muito mais para um partido social-democrata…
Casagrande não renega o PSB. Ao contrário, é orgânico, é partidário, é um quadro histórico do partido pelo qual exerceu todos os seus mandatos desde os anos 1980. E é, acima de tudo, o segundo maior dirigente da legenda em nível nacional, como secretário-geral, atrás apenas de Siqueira (o do punho erguido). Mas mesmo dentro do PSB, dentre os líderes políticos do partido, arrisco-me a dizer que Casagrande hoje está entre os de perfil menos alinhado à esquerda tradicional.
Se tomada ao pé da letra a sigla, o governador pertence com orgulho ao Partido Socialista Brasileiro. Então, sim, por esse ângulo, ele não deixa de ser um “socialista”. Mas somente por esse ângulo. Se o PSB mudar de nome, não sobrará nada.
Então, respondendo de uma vez à pergunta proposta no título da coluna: Sí, pero no mucho. Sim, Casagrande é um governador de esquerda… mas não tanto assim. O selo vem com muitas ressalvas.
E, no seu comportamento político, na condução do seu governo e na sua política de alianças, é um socialista, sim… só que não.
Esquerda moderada, centro-esquerda caminhando para o centro, são classificações que me soam mais adequadas para ele.
Acima de tudo, é um político e gestor pragmático. Tanto que, para governar sem crises nos próximos quatro anos, talvez se afaste ainda mais dessa esquerda que é o seu berço político. Será o nosso assunto aqui amanhã.
> Ramalho não quer voltar para a Secretaria de Segurança Pública
Exceção
Não custa lembrar que, pela segunda vez seguida, repetindo 2018, Casagrande foi o único candidato do campo progressista eleito governador em um estado do Sudeste ou do Sul do país.
Além disso, ele foi o único candidato autodeclarado de esquerda, eleitor assumido de Lula e oficialmente apoiado pelo PT a conseguir se eleger governador em um dos 14 estados onde Bolsonaro foi o candidato mais votado para a Presidência. Ou, para simplificar: o único representante do campo progressista eleito governador em uma dessas 14 unidades federativas.
Críticas vindas da esquerda
O primeiro governo Casagrande (2011-2014) teve muitas dificuldades na relação com movimentos sociais. O atual (2019-2022) é muito criticado por movimentos sociais e partidos que estão à esquerda do PSB no mapa ideológico brasileiro, o PT incluso.
Em entrevistas concedidas à coluna em abril e maio, respectivamente, a visão predominante no partido sobre o governo Casagrande foi verbalizada pela presidente estadual do PT, Jack Rocha, e pelo senador Fabiano Contarato, então pré-candidato ao governo. Rasgando o verbo, os dois opinaram que a administração do socialista deixa muito a desejar na área social, em matéria de políticas públicas.
Era aquele período muito tenso de negociações entre os dois partidos, que culminou com a aliança firmada entre PT e PSB, após a retirada de Contarato. O PT acabaria se coligando com o PSB também no Espírito Santo e se engajando na campanha de Casagrande, para ajudar a derrotar Manato e o bolsonarismo no Estado. Mas, assim como um print, a crítica publicada “é eterna”.
Além disso, mesmo dentro do atual governo, há integrantes do próprio PSB para quem a área social está escondida e precisa ser fortalecida na gestão Casagrande 3.
Isso gerou uma situação curiosa.
> Foletto vai ficar na Câmara e não volta para o governo Casagrande
Críticas vindas da direita
Durante o período eleitoral, candidatos da oposição situados bastante à direita de Casagrande tentaram “capturar” a agenda social e se apropriar desse discurso, tradicionalmente encampado pela esquerda. Bateram na tecla (aliás, verdadeira) de que a fome, a miséria e a pobreza aumentaram no Espírito Santo de 2020 para 2021.
No 1º turno, Manato levantou a bandeira do combate à pobreza como prioridade do seu governo, se eleito. De maneira um tanto bravateira, prometeu mais de uma vez erradicar a pobreza no Espírito Santo em, no máximo, dois anos de governo. “Zerar a pobreza”, ele dizia. “Se possível, já no primeiro ano.” Se tivesse vencido, ele não teria feito isso, não por falta de vontade, mas por se tratar de uma promessa simplesmente impossível de cumprir (no fim de 2021, havia mais de 1 milhão de capixabas vivendo abaixo da linha da pobreza).
Enquanto isso, o candidato do Novo, Aridelmo Teixeira, falava em promover no Espírito Santo uma verdadeira “revolução social” (atenção: não “socialista”).
E assim se estabeleceu o grande paradoxo dessa eleição no Espírito Santo: todos os candidatos de direita criticaram sem parar o governador de esquerda (único candidato competitivo desse campo) por não realizar as políticas sociais geralmente associadas à esquerda e por manter uma política fiscal defendida, em regra, pela direita.
Se um forasteiro caísse de paraquedas no Espírito Santo no meio da campanha, sem conhecer o histórico dos candidatos, seus partidos etc., possivelmente teria muita dificuldade em apontar quem era, de fato, representante do campo progressista naquela confusa disputa retórica.
Ao mesmo tempo – e aqui outro grande paradoxo –, alguns desses candidatos, procurando arrastar a eleição para a arena da batalha ideológica, trataram de circular bem, com marcador de texto vermelho, o “socialista” na ficha de Casagrande.
Em certa dose, Guerino e Manato fizeram isso ao longo do 1º turno. No 2º, apostando tudo na polarização ideológica, a campanha de Manato radicalizou esse discurso, falando em “varrer a esquerda do Espírito Santo” e procurando colar em Casagrande o cartaz de “comunista”.
> PT quer duas secretarias no governo Casagrande. Veja as pastas e os nomes cotados
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.
