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Coluna João Gualberto

A democracia e as emendas parlamentares

No Brasil, historicamente, o Executivo mantém o controle do processo orçamentário, desde o Império é assim

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O Ministério Público atua como um pilar essencial na defesa da ordem jurídica democrática brasileira. Foto: Freepik

O Ministério Público atua como um pilar essencial na defesa da ordem jurídica democrática brasileira. Foto: Freepik

Hoje existe uma grande discussão, na mídia e nos circuitos do poder nacional, sobre os papéis do Poder Executivo e do Legislativo quanto aos destinos dos recursos financeiros da União. Estão no centro dessas discussões as chamadas emendas parlamentares, que são o foco das disputas. No Brasil, historicamente, o Executivo mantém o controle do processo orçamentário, desde o Império é assim. Durante os governos militares a função de controle dos investimentos dos legislativos municipais, estaduais e do federal praticamente desapareceu. Eles não podiam mesmo ter iniciativas nesse campo.

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Nos governos autoritários de modelo clássico em qualquer país do mundo o executivo tem muita força, sufocando o papel da representação popular eleita. O equilíbrio entre os poderes é uma boa medida da democracia que se vive em cada país. No Brasil, a partir da Constituição de 1946, os legisladores participavam com emendas ao projeto de lei originário dos ministérios da República. Em 1963, por exemplo, tivemos quase 100 mil delas. Em 1964, em grande parte devido aos exageros anteriores, começaram as restrições ao papel das emendas parlamentares. A constituição de 1967, por fim, extinguiu as prerrogativas do legislativo quanto à iniciativa de leis ou emendas, consolidando o poder autoritário em um executivo dominado por militares.

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Foi com a constituinte de 1988 – que marcou o fim do ciclo dos militares e o início de novos parâmetros de gestão da sociedade – que o pacto entre os poderes foi refeito, por um congresso eleito especialmente para isso. No contexto da nova carta constitucional, as emendas sobre despesas no projeto de lei do orçamento serviram como um novo instrumento de negociação entre os dois poderes, mas com certa vantagem inicial para o Executivo. Mesmo assim, com essas novas regras de convivência política o poder do parlamento foi muito ampliado.

O mecanismo das emendas parlamentares é simples: os deputados e senadores, ao analisarem o orçamento público, propõem emendas para a destinação do dinheiro público. Eles têm legitimidade para fazer as emendas ao orçamento que melhor expressem o desejo de suas bases, as necessidades dos eleitores que representam. As emendas parlamentares, portanto, constituem um instrumento da democracia para atenuar a centralização de poder nos ministérios que, lá de Brasília, pretendem interpretar todo o Brasil.

O pêndulo do controle orçamentário, porém, está mudando desde de 2015 a favor do Legislativo, com a criação das chamadas emendas impositivas, enfraquecendo o controle dos ministérios sobre os investimentos públicos. Por um lado, isso também dificulta a construção de políticas públicas mais densas, mas por outro torna-se também uma forma de estados e municípios, representados por seus parlamentares, obterem verbas no orçamento dentro das demandas locais e regionais, como já assinalei.

Quero mostrar aqui que essas disputas por espaços políticos que marcam a relação entre os poderes, como temos hoje, é um dado concreto do processo democrático. Os poderes do Legislativo cresceram progressivamente no contexto brasileiro contemporâneo. A consequência é o enfraquecimento da capacidade de o governo nacional impor sua lógica orçamentária, motivo por que tanto Bolsonaro quanto Lula conduziram de forma parecida governos muito enfraquecidos por essa luta permanente. Faz parte do jogo democrático essa tensão que hoje temos.

Quando o Supremo Tribunal Federal impõe ao Congresso Nacional limites para certos exageros evidentes na destinação de algumas emendas, chamadas pejorativamente de “PIX”, ele está na verdade exercendo um papel importante de mediação em um conflito legítimo e que deve ser mesmo arbitrado. Quando o Poder Executivo organiza sozinho os investimentos de uma sociedade, pode dar margem à eliminação de demandas que a ideia de representação política tenta justamente expressar.

A construção do sistema político brasileiro tem muitos equívocos. Existem também muitos hiatos que dão margem a interpretações diversas, além de poderes enfeixados na mão de poucos. Há constantes abusos e falta de transparência. A atual crise em torno das emendas parlamentares contém um pouco de tudo isso e deve ser resolvida para o aperfeiçoamento do sistema democrático.


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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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