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Coluna João Gualberto

Empresários e relações democráticas

Empresas do século XXI precisam conquistar a licença social para operar, articulando-se com comunidades, governos e o meio ambiente por meio de relações democráticas

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A licença social nasce do compromisso com pessoas, territórios e valores coletivos. Foto: Arquivo pessoal

A licença social nasce do compromisso com pessoas, territórios e valores coletivos. Foto: Arquivo pessoal

Quando lemos um velho romance de Jorge Amado, como Capitães da Areia, por exemplo, publicado pela primeira vez em 1937, temos um retrato terrível dos antigos patrões, sempre malvados e mesquinhos. A mesma impressão nos despertam os filmes do diretor francês Jean Renoir, que são, aliás, da mesma época.

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Obviamente, no caso da expressão desses dois artistas, trata-se de ficção e, mais ainda, de leituras muito críticas do universo relacional do capitalismo liberal daquela época. Foram, ambos, homens de esquerda, ligados às teses comunistas que eram muito populares então. Bom registrar, entretanto, que eles não estavam muito longe da verdade. As empresas no início do século XX tinham uma baixa relação com os sistemas social e natural que as cercavam. Muitas foram, de fato, predadoras.

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Ocorre que, entre os quase 100 anos que separam as críticas contundentes que se faziam à ganância dos empresários, naquela época, e os dias atuais, muita coisa mudou. O mesmo se pode dizer das preocupações que cercam as decisões governamentais. Houve época no Espírito Santo – sobretudo pelo enorme esforço necessário para nos industrializarmos – em que o mais importante era atrair novos negócios, criar empregos e tirar a economia da estagnação. Questões ligadas ao meio ambiente, por exemplo, eram subestimadas.

A sociedade, porém, se movimentou muito. Novos direitos foram reivindicados e conquistados pelos cidadãos e suas representações coletivas. Mais do que isso, novos patamares de consciência de seus lugares e responsabilidades no mundo foram tomando conta de toda a sociedade, inclusive de suas elites econômicas e políticas.

A soma desses fatores mudou a equação social. Tanto do lado dos empreendedores, quanto do próprio governo, níveis mais altos de exigências foram estabelecidos quando a sociedade passou a exigir mais responsabilidade social das novas plantas de negócios, fossem do setor agrícola, extrativista mineral, de logística ou industrial. Desse modo surgiram novos protocolos de articulação entre empresas, estado e sociedade civil.

Como consequência das mudanças na sociedade, as empresas, neste início de século XXI, necessitam da Licença Social para Operar. Isso significa que devem medir as consequências de sua ação no meio ambiente em que atuam, mas não apenas isso. É preciso que as comunidades que as cercam conheçam e aprovem as intervenções que serão feitas nos ambientes social, político e natural, que são patrimônio e ativo de todos, afinal ninguém é dono da natureza.

Não se pode mais interferir na lógica de funcionamento de uma determinada comunidade sem ouvi-la, e sem, sobretudo, levar em conta as demandas surgidas nos processos técnicos de escuta estabelecidos. Para isso deve haver o emprego de certas técnicas, certas expertises de consultores que ajudem as empresas e os governos a se articularem em entre si.

O importante é estabelecer diálogo com as comunidades, autoridades e organizações relevantes da região atingida, visando a construir uma espécie de aliança por meio da qual todos possam usufruir dos benefícios, e assim ajudarem a própria empresa a obter apoio governamental ao seu projeto. Essa é uma forma de obter licença social e engajamento no projeto. Ao mesmo tempo, as autoridades poderiam ter certeza de estar atendendo a toda uma região e seus múltiplos interesses, e não apenas ao desejo de um grupo empresarial.

Esse é o aprendizado da implantação de novos negócios nas últimas décadas. A capacidade de construir juntos o desenvolvimento. A compreensão de que nenhuma empresa é simplesmente implantada num determinado sítio territorial e social. Ela é, antes, produzida e produtora de uma nova cultura, da circulação de mais dinheiro, da geração de mais postos de trabalho, mas também de impactos que devem ser levados em conta, analisados e compreendidos por todos.

As pessoas que compõem uma determinada sociedade querem prosperidade, estão dispostas a abrir mão de certas comodidades se compreenderem a extensão do que está sendo proposto. Também precisam conhecer os cuidados técnicos que serão tomados pelos responsáveis pelo novo empreendimento.

No fundo, voltamos à ideia do contrato social de Rosseau, em que as partes contratam entre si as condições da convivência social, seus custos e benefícios. É disso que se trata quando falamos de Licença Social para Operar: criar bases claras e compreensíveis de um contrato social com benefícios para todos. Obviamente, temos muito a evoluir. Entender o quanto as organizações podem dialogar com o seu entorno, por meio de relações e trocas positivas, é fundamental para continuar neste caminho.

João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

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