Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto | Limites do poder
A política espetáculo domina o cenário moderno, onde grandes discursos e encenações superam a busca por verdades concretas
O sociólogo alemão Max Weber afirmou em uma de suas obras clássicas, traduzida no Brasil com o nome de A Ciência e Política: duas vocações – na verdade, esse livro já teve outros nomes parecidos em muitas publicações ao longo de décadas – que existe uma forte diferença entre a prática da ciência e a da política. Para ele a ciência é o lugar da verdade, ao passo que a política é o lugar do convencimento, ou seja, a prática da arte da política distancia-se muito do lugar da verdade.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
As grandes carreiras políticas dos séculos XX e XXI, para nos atermos aos mais recentes, foram feitas sobre afirmativas não obrigatoriamente verdadeiras. São centenas de casos em que as promessas eleitorais se distanciam das entregas. Afirmo isso para generalizar a ideia de que existe, como dizíamos muito há alguns anos, uma política espetáculo, uma teatralização dos espaços de poder, a qual faz parte de seu jogo como um todo.
Eletrizar as massas, convocar imensas multidões para amplos espaços públicos ou obter níveis altíssimos de audiência em programas de rádio e televisão, como se fazia no século XX, ou ter milhões de seguidores nas redes sociais, como se faz hoje, não são tarefas simples. Tanto é assim que muitos tentam e poucos conseguem. Somente pessoas com forte talento para as grandes encenações, para os grandes discursos e para um jogo permanente de tensões, cujas decisões alcançam extensas dimensões sociais, podem se aventurar com sucesso na política espetáculo.
A banalização generalizada da civilização do espetáculo, como a definiu o grande escritor peruano Vargas Lhosa, produz uma grande vítima: a política, talvez mesmo a sua maior vítima. Espetacularizada, como ele mesmo alerta, a política torna-se escrava da autopromoção, da busca do marketing vazio pelos grandes atores sociais. Trocamos a busca de conteúdo pelas fofocas e frivolidades dos grandes políticos.
Nesse mundo teatral estamos todos imersos, em quase todos os países, mesmo naqueles onde não se pratica a democracia. Os regimes de força, afinal, também se organizam a partir de grandes mentiras divulgadas todo o tempo, como muito bem nos mostrou o regime da Rússia durante a era soviética.
Por outro lado, os que estão operando nesse teatro sabem que prometem mais do que podem cumprir, que os grandes lances da política são mais imagens do que materialização. No fundo, os que estão no topo das grandes instituições podem menos do que aparentam. Moisés Naim, ex-diretor executivo do Banco Mundial, em seu livro O Fim do Poder, analisa de forma densa e inteligente como o poder vem se fragmentando e como está se reconfigurando. Ele diz que no século XXI passou a existir um leque imenso de instituições que vão saindo do controle de atores tradicionais como governos, exércitos, empresas ou sindicatos e são compartilhados por novos e inesperados rivais na sociedade civil.
Além disso, afirma que aqueles que controlam o poder deparam-se com restrições cada vez maiores ao que podem fazer com ele. Na verdade, o argumento de fundo é que o poder real do presidente de uma grande empresa ou mesmo dos presidentes das repúblicas vem diminuindo. Cada vez mais eles têm que ceder partes importantes do poder a inúmeras organizações da sociedade, das instituições nacionais e internacionais de controle e à opinião pública, de uma forma geral.
Aqui é que as duas tendências se confrontam: o crescimento da dimensão teatral, a cultura política do espetáculo e a redução do poder centralizado e presidencialista. Promete-se cada vez mais a partir de grandes cenas espetaculares e tem-se cada vez menos capacidade real de entrega nos grandes ou pequenos governos. Os resultados desses choques de perspectivas são gestuais simbólicos espetacularizados, mas com pouca possibilidade de se efetivarem ao longo do tempo.
Faço essas reflexões pensando nas grandes expectativas que o recém empossado Donald Trump dos Estados Unidos produziu no eleitorado do seu país, mas que não se aplicam só a ele. Creio que boa parte delas está destinada a morrer no próprio gesto, não chegarão a virar realidade concreta. Mesmo com o apoio eleitoral da massa de eleitores de seu país, essas ações serão dificultadas pela imensidão de atores que envolve cada uma delas, como a justiça, o parlamento e os países afetados pelas medidas. Mesmo assim, estou entre os que acreditam que as propostas que vingarem poderão causar danos reais ao mundo. No mais, é esperar para ver.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.