Coluna Vitor Vogas
Voto contra reforma tributária foi contra o próprio governo Bolsonaro
Ex-presidente e deputados que votaram ontem contra a PEC precisam explicar por que se ergueram contra o setor produtivo que sempre disseram defender

Jair Bolsonaro, Gilvan da Federal, Evair de Melo e Messias Donato
O deputado capixaba Gilvan da Federal (PL) quase saiu literalmente no tapa, dentro do plenário, com o parlamentar mineiro Paulo Guedes (PT), na última quarta-feira (5), após discursar contra a reforma tributária, destilando insultos ao presidente Lula (PT).
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
O fato de Gilvan quase ter “caído no braço” com um colega no Parlamento não causa a menor surpresa. Tampouco seu voto contrário à PEC 45/2019, sob a falsa premissa de que a reforma vai fazer o cidadão brasileiro pagar mais impostos. Mas a ironia do episódio está no nome do contendor de Gilvan, homônimo do ex-ministro da Economia, aquele a quem Bolsonaro deu carta branca para tocar as políticas econômicas em seu governo.
Economista ultraliberal, Paulo Guedes nunca disputou cargos eletivos. Mas, se fosse deputado federal, jamais teria concordado com Bolsonaro, muito menos votado contra a reforma tributária.
Aprovado agora, no governo Lula, o projeto está em perfeita coerência com o espírito do governo Bolsonaro na área econômica, ditado pelo “Posto Ipiranga”.
Aliás, antes mesmo da entrada de Guedes em cena, já se lia no plano de governo do próprio Bolsonaro em 2018. Não sei se todos os bolsonaristas se deram ao trabalho de ler, mas está lá, na página 58 do “Caminho da Prosperidade”: “Nossa reforma visa à unificação de tributos e à radical simplificação do sistema tributário nacional”. Ora, essa é, rigorosamente, a essência da reforma aprovada ontem pela Câmara dos Deputados – apesar da malograda tentativa de sabotagem por parte de Bolsonaro.
Nessa área, uma das principais propostas do plano de governo do candidato à Presidência em 2018 era “simplificação e unificação de tributos federais, eliminando distorções e aumentando a eficiência da arrecadação”. Ora, o que visa a PEC 45/2019, aprovada ontem na Câmara, senão exatamente isso?!?
Bolsonaro chegou à Presidência apresentando-se como amigo do empresariado, do Brasil que produz, que empreende, que gera emprego e renda. Com discurso lastreado por Guedes, dizia querer desburocratizar, agilizar, facilitar a vida do empreendedor. O discurso pelo menos era esse e encontrou muita aderência no meio produtivo. Não por acaso, mesmo tendo ele entregado bem menos do que prometeu nesse sentido, empresários seguiram apostando na agenda liberal do ministro e mantiveram em peso o apoio a Bolsonaro na eleição do ano passado.
Muitos podem ter se esquecido, mas o governo Bolsonaro de fato começou martelando a tecla das reformas. O próprio Guedes assumiu oficialmente o cargo, em 2 de janeiro de 2019, anunciando “a simplificação, a redução e a eliminação de impostos” como um dos três pilares da sua agenda.
A reforma da Previdência seria só a primeira, seguida pela tributária e pela administrativa. Sem a ajuda de um distante Bolsonaro, que preferia manter-se alheio às pautas econômicas prioritárias do próprio governo, a equipe de Guedes conseguiu a aprovação da previdenciária. E parou aí.
Tudo bem que, no meio do caminho, houve uma pandemia. Mas também é verdade que faltou empenho pessoal do presidente, vontade e capacidade de articulação política em um governo caótico chefiado por um mandatário que, visivelmente, tinha outras prioridades.
Fato é que a reforma tributária sempre esteve no horizonte de Guedes, logo sempre esteve condizente com a agenda de um governo pró-empresariado.
Por isso, quem votou contra a reforma tributária ontem por ser bolsonarista, quem votou contra ela por considerá-la uma “reforma do PT”, quem o fez pautado por uma divisão ideológica que Bolsonaro desesperadamente procura manter viva, deu, mais que um voto equivocado, um voto totalmente incoerente.
Assim, equivocados e incoerentes, votaram, além de Gilvan, os deputados Messias Donato (Republicanos) e Evair de Melo (PP), autores dos três únicos votos contrários dentre os dez deputados capixabas.
O paroxismo de Evair
Evair chegou ao paroxismo de justificar seu voto assim numa rede social: “Eu tenho JUÍZO!!! Se é bom pro PT é ruim pro Brasil, meu avô dizia isso, meu pai fala isso e eu fui educado assim!”
Com meu pedido de desculpas ao deputado, é um argumento raso, mas tão raso, que beira a infantilidade. De uma criança pode se aceitar tal raciocínio. O “juízo” do deputado (no sentido de “julgamento”) está muito errado (muitos empresários que na certa votaram em Bolsonaro estão estourando espumante caro neste momento). Já o “juízo” a que ele se refere, no sentido de sensatez e responsabilidade, não se manifestou.
O discurso de Evair exemplifica bem a que ponto podem chegar a cegueira e a ignorância geradas pela radicalização ideológica e o mal que isso tem causado ao Brasil nos últimos anos. Esse sectarismo estúpido coloca a luta entre duas personalidades políticas acima dos interesses mais nobres e elevados do próprio povo brasileiro, como é o caso dessa reforma ansiada há décadas por todo o Brasil, mas, acima de tudo e de todos, pelo setor empresarial.
Ora, a reforma tributária não pertence ao governo Lula, muito menos ao PT. É uma conquista para o Brasil, para o povo brasileiro e, especificamente – nessa primeira parte da reforma –, para o setor produtivo do país. É uma vitória acima de tudo para quem produz, empreende, assume riscos, gera emprego e renda – justamente aqueles que o governo Bolsonaro dizia defender, assim como seus seguidores.
Não por acaso, o projeto recebeu apoio em peso dos empreendedores, notadamente dos industriais, maiores beneficiários diretos com a simplificação de tributos e a racionalização do sistema proporcionadas pela reforma. A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) chegou a bancar campanha publicitária em prol da aprovação da PEC em meios de comunicação de massa.
Ora, tais deputados podem até se dizer contra o PT e o governo Lula. Mas acaso também seriam inimigos do setor produtivo? Seriam também contrários à simplificação, à unificação de tributos (que constava no programa de Bolsonaro), à desburocratização, à maior transparência para o consumidor, ao fim da guerra fiscal entre unidades federativas, à valorização do princípio do equilíbrio federativo, à redução do Custo Brasil, ao fomento de um melhor ambiente de negócios, ao aumento da competitividade das empresas brasileiras, ao incremento das exportações, ao crescimento econômico fatalmente gerado por todos os pontos anteriores, ao aumento real e certo do PIB já nos próximos anos e, por via de consequência – como efeito mais virtuoso dessa verdadeira revolução –, ao aumento real da renda média do brasileiro já nos próximos anos?
Que esses deputados são a favor de Bolsonaro e contra Lula, todos nós já entendemos. Mas eles precisam responder se também são contra tudo isso que a reforma proporciona. Precisam ainda responder se, afinal de contas, são contrários à agenda do Paulo Guedes e ao espírito econômico do governo Bolsonaro.
Luta política tem limite
Estamos diante de um caso clássico de política de baixa qualidade, aposta no “quanto pior, melhor”, de oposição por oposição – tal como aquela praticada pelo PT nos seus piores dias de oposição cega (e burra) ao governo FHC, quando o partido de Lula apostou contra o Plano Real, votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal etc. Lembro aqui a célebre justificativa de um então deputado petista para o voto sistemático da bancada contra o então governo tucano: “Luta política”.
Luta política tem limite. A linha é riscada no chão pelo interesse do povo que os elegeu.
Esperar coerência por parte do próprio Bolsonaro é um pouco demais. Mas esses deputados bolsonaristas têm uma escolha. Ainda existe democracia, ainda existe livre arbítrio. Não precisam seguir o líder cegamente em tudo. Especialmente quando isso significa, do ponto de vista ético, ir contra os interesses do país e, do ponto de vista pragmático, seguir esse líder aparentemente na direção do cemitério político.
Mas é claro, como eu disse, há o livre arbítrio. Então eles podem perfeitamente preferir morrer abraçados com seu líder e com essa forma rasa, intelectualmente indigente, de fazer política.
O papelão (mais um) de Bolsonaro
Não há outra palavra: a participação de Jair Bolsonaro no tema “reforma tributária” foi patética.
Enquanto ele foi presidente, não fez a menor questão de se envolver pessoalmente na aprovação de nenhum projeto estratégico para o próprio governo. Agora que está sem mandato, sem a menor necessidade, o ex-presidente entrou em cena no undécimo minuto só para tentar sabotar a aprovação da PEC 45/2019. Vejam bem: o projeto está sendo intensamente discutido há meses por deputados, prefeitos, governadores, representantes do governo Lula, dos segmentos econômicos etc. Bolsonaro resolve entrar em cena na véspera para, adivinhem, tumultuar.
Alguma sugestão de melhoria, presidente? Alguma contraproposta ao que está sendo discutido há anos?
Como tudo em sua vida e em sua visão de mundo, ele tentou colocar a discussão naqueles termos de PT x direita, Lula x Bolsonaro, conclamando a sua tropa parlamentar a adiar a votação para impor uma derrota ao atual governo. Chegou atrasado na discussão, entrou nela da pior maneira, viu que sua tropa está mais para Exército de Brancaleone e acabou saindo dessa história como grande derrotado – ele e sua tese.
Ainda viu a ascensão e a consolidação do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), saído de sua costela política, como alternativa muito mais sensata, moderada e equilibrada na direita aos eleitores desse campo hoje órfãos de liderança e de referências políticas – não aqueles 20% que morrerão abraçados com Bolsonaro e com seu radicalismo.
Foi, enfim, um grande fiasco. Um movimento aloprado, desastrado, fracassado e que na verdade denotou desespero.
Conclusão
Tanto o papel constrangedor cumprido por Bolsonaro nesse tema como a justificativa de Evair para seu voto denotam que o líder da extrema direita e alguns de seus apoiadores parecem ter parado no tempo.
A política é muito dinâmica, e a brasileira já começa a dar sinais de superação do momento, ainda muito recente, de “surto coletivo nacional” em que tudo se resolvia assim, na base do antagonismo e do conflito, do “nós contra eles” e acabou… Mas e o povo? E o bem comum? E os interesses coletivos? E o bem maior da nação?
Pode ser que o próprio povo – eleitores de direita, inclusive – esteja começando a se cansar desse modo de fazer política que mantém o país em constante estado de tensão e de guerra ideológica de terceiros invadindo nossos lares e almoços de domingo em família.
É algo que talvez Evair e companhia devessem levar em consideração.
“Reforma do Lula”?!? Outras cinco evidências de que não
1. Maior patrocinador político da reforma tributária, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), foi feliz em seu discurso pouco antes da votação. Enfatizou que a reforma não é de nenhuma corrente ideológica, e sim do Brasil. E fez questão de lembrar que ele mesmo apoiou Bolsonaro, o candidato derrotado à Presidência em 2022.
2. Pela primeira vez na história, um governador de São Paulo (de direita) apoiou a reforma sobre o consumo.
3. O líder do partido de Bolsonaro na Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ), confirmou da tribuna às 20h07 de ontem, pouco antes da votação do projeto: “A espinha dorsal da reforma tributária sempre foi a aposta do presidente Bolsonaro”.
4. Por ironia, no encaminhamento do voto, o deputado Glauber Braga (PSol-RJ) argumentou que a reforma tributária proposta pelo governo Lula é um desdobramento da “agenda ultraliberal” do governo Bolsonaro.
5. Para o economista (liberal) Samuel Pessôa, a reforma tributária pode ter, para a economia brasileira, efeito similar ao que representou o Plano Real em 1994. Outros economistas liberais, como Armínio Fraga, além de Bernard Appy, colaboraram na elaboração do projeto. O texto original da PEC, apresentada em 2019, é de autoria do deputado federal Baleia Rossi, presidente nacional do MDB, partido do presidente mais liberal da Nova República, Michel Temer.
Enfim, o bolsonarismo cada vez mais deixa explícito que nunca foi “liberal na economia” coisa nenhuma. Nunca foi sobre isso.
Argumento furadíssimo
É falsa, totalmente falsa, a premissa manifestada por Gilvan da Federal de que a PEC 45/2019 aumentará a carga tributária para o povo. A bem da verdade, o texto final aprovado até zerou alíquotas sobre itens da cesta básica.
Mas a questão central não é essa. Focada na tributação do consumo, essa primeira parte da reforma tributária nunca foi sobre aumentar ou reduzir a carga tributária. Os benefícios se darão em outras frentes, como discriminado acima. Quem está seguindo essa linha não entendeu nada até agora – e diga-se de passagem, um deputado federal sustentar algo do tipo, dentro do plenário, revela um grau de desconhecimento inacreditável para quem está ali há meses, no epicentro do debate. Chega a ser preocupante.
