IBEF Academy
Comitê Gestor do IBS e inconstitucionalidade
A inconstitucionalidade do Comitê Gestor coloca em xeque cláusulas pétreas da Constituição, desafiando o equilíbrio federativo e o futuro do ambiente

Para empresários e gestores públicos, a inconstitucionalidade do Comitê Gestor representa insegurança jurídica e riscos à liberdade econômica regional. Foto: Bing
A recente reforma tributária aprovada pela Emenda Constitucional 132/2023 trouxe grandes promessas de simplificação fiscal ao substituir vários tributos por dois principais: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Contudo, um ponto central dessa reforma — a criação de um Comitê Gestor Nacional para administrar esses tributos — precisa ser analisado com cautela.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Na prática, esse Comitê concentrará o poder de arrecadar, fiscalizar e distribuir a receita entre União, Estados e Municípios. E é exatamente aí que reside o problema: esse modelo é inconstitucional e, além disso, traz riscos sérios para a autonomia dos entes federativos, para a segurança jurídica e para o ambiente de negócios.
A proposta do Comitê Gestor cria um “superórgão” administrativo que passa a controlar toda a operação dos dois principais tributos do país. Isso significa que Estados e Municípios perdem a autonomia para gerir parte essencial de suas finanças. Imagine uma empresa que, de repente, precisa pedir permissão para outro gestor decidir como vai receber ou aplicar sua própria receita. É exatamente isso que os entes federados passarão a viver.
A Constituição Federal de 1988 foi clara ao proteger a forma federativa do Estado. Cada ente — União, Estados e Municípios — tem autonomia para legislar, administrar e arrecadar tributos. O que está sendo feito agora é uma transferência forçada dessas competências para um único órgão. E isso, juridicamente, fere uma cláusula pétrea da Constituição, ou seja, um princípio que não pode ser alterado nem mesmo por emenda constitucional.
Um dos maiores desejos do setor empresarial brasileiro é a previsibilidade tributária. As empresas precisam planejar investimentos, prever tributos, saber com quem dialogar e confiar nas regras do jogo. O Comitê Gestor, tal como está proposto, cria insegurança jurídica.
Isso acontece por vários motivos: a) falta de clareza sobre como será eleito e como funcionará o Comitê; b) risco de decisões políticas interferirem na administração tributária; c) possibilidade de aumento da burocracia, em vez de sua redução.
Além disso, há desigualdade de representação entre os Municípios e os Estados dentro do Comitê. Cidades menores, com pouca força política, podem ser prejudicadas na distribuição de recursos, o que afeta diretamente serviços básicos e o ambiente local de negócios.
A centralização da gestão dos tributos no Comitê traz outro efeito colateral grave: a ruptura do modelo federativo brasileiro. Estados e Municípios perdem o controle sobre suas próprias receitas, o que compromete a capacidade de atender às realidades regionais.
Ora, o Brasil é um país de dimensões continentais. A economia de uma capital como São Paulo é completamente diferente da realidade fiscal de uma cidade no interior do Nordeste. Colocar todos sob um mesmo modelo de arrecadação e gestão de tributos é ignorar essa diversidade — e isso afeta diretamente a eficiência do sistema.
Ao enfraquecer a autonomia local, cria-se um obstáculo ao empreendedorismo e à liberdade econômica, pois aumenta a dependência do empresariado em relação a normas centralizadas, que podem ser desconectadas da realidade de cada setor ou região.
Não se trata de negar a importância de uma reforma tributária. O sistema atual é complexo, ineficiente e caro. Mas não se pode simplificar “às pressas”, atropelando princípios fundamentais da Constituição e criando novas instabilidades.
Empresários, contadores, prefeitos, governadores e a sociedade civil devem estar atentos a esse ponto crítico. O Comitê Gestor, como está hoje, concentra poder demais e enfraquece a capacidade dos entes federativos de gerir seu próprio destino fiscal.
A modernização tributária é necessária, mas deve respeitar os pilares institucionais que garantem estabilidade, liberdade econômica e desenvolvimento regional. É hora de o empresariado se posicionar, cobrar ajustes e exigir um modelo mais equilibrado, seguro e juridicamente sustentável.
*Ramon Fávero é advogado e Consultor Jurídico na Fávero Advocacia, Professor de Direito e Membro do Núcleo Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo (IBEF-ES).
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.
