Coluna Vitor Vogas
Vereador do PL desiste de candidatura a prefeito para virar padre
Juninho Corrêa, de Cachoeiro, era grande aposta do partido de Bolsonaro na maior cidade do sul, mas decidiu abandonar a política e voltar para o seminário
É como dizem: vida pública é sacerdócio. Mas e quando o homem público quer, literalmente, se tornar um sacerdote? Aí fica impossível conciliar a vocação religiosa com o exercício da atividade política. Foi essa a conclusão a que chegou o vereador Juninho Corrêa (PL), que decidiu trocar o terno e a gravata pela batina, desistindo de virar ordenador de despesas para ser ordenado padre.
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No fim da tarde de ontem (14), em coletiva de imprensa convocada por ele, o parlamentar de Cachoeiro de Itapemirim anunciou a decisão de se licenciar do mandato na Câmara (e da vida secular, entre os leigos) para retomar os estudos como seminarista, iniciados na juventude, atendendo, segundo ele, ao chamado de Jesus Cristo para o exercício da vocação sacerdotal. De acordo com o vereador, respondendo com atraso ao “verdadeiro chamado” de sua vida, ele volta ao seu “primeiro grande amor”, aquele por quem havia se apaixonado antes de resolver entrar para a política, em 2020.
Ao decidir seguir a vida eclesiástica, o vereador de 27 anos interrompe em pleno início uma promissora carreira política e deixa “desamparados” o PL e os fiéis eleitores do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro na eleição para a Prefeitura de Cachoeiro. O vereador era o pré-candidato e a grande aposta do PL ao cargo hoje exercido pelo prefeito Victor Coelho (PSB). Com sua decisão, ele também renuncia a essa e a qualquer outra candidatura. Agora, o partido presidido pelo senador Magno Malta no Espírito Santo precisa correr para encontrar uma alternativa para a disputa na maior cidade do sul do Estado.
Filho de Zezé Corrêa, dono de um dos maiores frigoríficos do Espírito Santo, Juninho de fato foi seminarista da Igreja Católica, mas, antes de se ordenar padre, “ouviu o chamado da política”, interrompendo a preparação. Em 2020, elegeu-se para seu primeiro mandato eletivo, pelo PL, tornando-se vereador de Cachoeiro. Na eleição para deputado federal em 2022, sempre pelo PL, não alcançou uma das dez vagas em disputa pelo Espírito Santo, mas foi o segundo candidato mais votado na chapa do partido, com 37.756 votos, ficando na 1ª suplência de Gilvan da Federal.
Agora, a partir do momento em que ele se licenciar oficialmente do mandato, o lugar de Juninho na Câmara Municipal de Cachoeiro será preenchido pelo contador Amós Marcelino, 1º suplente do PL na eleição de 2020. Se ele se desfiliar do PL ou renunciar à suplência na Câmara dos Deputados, o vereador de Vila Velha Devacir Rabello passará a ser o 1º suplente do partido na bancada capixaba em Brasília.
Antes do surpreendente anúncio, Juninho era considerado unanimemente como um pré-candidato muito forte em Cachoeiro, sobretudo por representar, até então, a direita bolsonarista no cenário local. Como pré-candidato do PL, ele era o nome mais diretamente identificado a esse espectro ideológico, em um município que, ao lado de Colatina, firmou-se nos últimos pleitos como o maior reduto eleitoral bolsonarista no Espírito Santo. Em 2022, o então presidente da República alcançou incríveis 69,4% dos votos válidos dos cachoeirenses contra Lula (PT) no 2º turno.
Nos círculos do PL, quem passa a ser tratado como possível candidato a prefeito no lugar de Juninho é o também vereador Léo Camargo, um dos três integrantes da bancada do partido na Câmara de Cachoeiro.
Quanto ao comando do Diretório Municipal do PL, a retirada de Juninho abre espaço para a ascensão do deputado estadual Callegari, também representante de Cachoeiro. Com as bênçãos de Magno Malta, o deputado é o novo presidente municipal, e seu grupo passa a influir muito mais nas decisões do partido na cidade, notadamente as de cunho eleitoral.
Além da definição do substituto de Juninho na chapa majoritária, um desafio imediato que se impõe é controlar o êxodo de pré-candidatos a vereador desencadeado pela desistência de Juninho. Com o anúncio, a chapa corre o risco de implodir e pode precisar ser remontada em tempo recorde.
Por meio de sua assessoria de imprensa, Magno Malta enviou esta nota:
“O PL-ES conta com quadros importantes em todos os municípios, e Juninho foi calorosamente recebido ao se juntar a nós. No entanto, ele optou pelo caminho do sacerdócio, uma escolha louvável, e o partido expressa sua gratidão pelo trabalho realizado até então. Com sua saída, o deputado estadual Wellington Callegari assume a liderança do partido no município. Quanto ao pré-candidato que substituirá Juninho Corrêa, temos outros patriotas alinhados com as pautas conservadoras e em breve divulgaremos o nome.”
As outras forças na cidade
Como já noticiado aqui, o deputado estadual Theodorico Ferraço, prefeito de Cachoeiro por quatro mandatos, formou uma aliança com o PL e, a princípio, tendia a apoiar a candidatura de Juninho. Ferraço assumiu a presidência da Comissão Provisória do Progressistas (PP) em Cachoeiro, tendo como vice-presidente ninguém menos que o empresário José Carlos Corrêa, o Zezé, pai de Juninho e presidente da Cofril, um dos principais frigoríficos de suínos do Espírito Santo.
Em paralelo, existe uma aliança de centro-direita formada pelos deputados Bruno Resende (União Brasil) e Allan Ferreira (Podemos) e pelo secretário de Cidadania de Vitória, Diego Libardi (Republicanos). O ex-prefeito Carlos Casteglione (PT) também planeja voltar a concorrer. Já a pré-candidata trabalhada pelo prefeito Victor Coelho é a secretária municipal de Obras e de Manutenção e Serviços, Lorena Vasques Silveira. Mas Victor até admite apoiar Bruno Resende ou Allan, que, assim como ele, são aliados do governo Casagrande (PSB), dependendo da evolução das conversas.
De toda sorte, é certo que a saída de Juninho da tribuna para o púlpito e do palanque para o altar sacerdotal reconfigura radicalmente as movimentações eleitorais em Cachoeiro.
O que Juninho disse na coletiva
Na coletiva de imprensa, com um pequeno crucifixo posicionado na mesa à sua frente, Juninho fez um preâmbulo citando uma canção do Padre Jonas, santos católicos e passagens da vida de São Pedro segundo a Bíblia Sagrada, antes de anunciar assim a sua decisão:
“Nesses últimos meses, há pelo menos sete meses, passa muito em minha cabeça sobre meu futuro político. Foram muitas idas e vindas, e eu precisava silenciar um pouco pra poder falar. Foi o que fiz. Fui fazer um retiro de 15 dias num mosteiro. E era nesse silêncio que eu ouvia a voz de Deus falando comigo. E, pra mim, cada dia fica mais latente que ele me preparou para este momento. Ao longo deste mandato, a cada desafio que eu passava, Jesus estava me preparando. […] Júnior Corrêa, primeiro lugar nas pesquisas, com chances reais de vitória… […] Bastava que eu desse a resposta certa. […] E a resposta certa é a de que eu preciso voltar para o meu primeiro amor. Saio da vida pública. Não vou mais disputar a eleição de prefeito. Não serei nem candidato a vereador e nem candidato a deputado. Não darei prosseguimento à vida pública, para poder me dedicar a quem deu a vida por mim”, afirmou, em alusão a Jesus Cristo.
Juninho admitiu que, ao longo do tempo, viveu momentos de estresse com colegas de partido, citando nominalmente Callegari, e reconheceu que todos esses momentos contribuíram para levá-lo à decisão agora anunciada, mas deixou claro que nenhum dos colegas pode ser considerado “culpado” pela sua decisão.
“Se existe um ‘culpado’ é o próprio Jesus, que me chamou há uns dez anos e eu só respondi meu sim a ele com uns dez anos de atraso”, justificou.
Juninho ainda pediu desculpas por talvez não ter correspondido à expectativa dos apoiadores.
Estremecimento na relação com Magno
Nesta quinta-feira (15), Juninho recebeu a visita do deputado Callegari e do senador Magno Malta. O presidente estadual do PL postou em seus stories uma foto dos três, com a legenda: “Que Deus o abençoe na sua escolha pelo sacerdócio”. Ao fundo, uma canção com a letra: “Você é especial. Quem te deu a vida destruiu a forma, não fez outro igual”.
O clima de harmonia e reconciliação contrasta com o de precisamente uma semana atrás. Na última quarta-feira (8), Juninho publicou em seu Instagram uma nota em que externou desentendimentos com Magno Malta, afastamento entre eles e discordâncias quanto às melhores estratégias para o PL na eleição em Cachoeiro.
Segundo Juninho, os diálogos com Magno estavam “difíceis e escassos” porque o senador insistiria na crença de que o PL poderia caminhar sozinho, sem alianças, na disputa em Cachoeiro. Uma foto publicada por Juninho com um dirigente municipal do MDB – partido que faz parte da base do governo Casagrande – levou o vereador a ser interpelado por um dirigente estadual do PL.
Eis um trecho do desabafo do vereador:
“Como era de conhecimento geral nos bastidores, minha meta enquanto político sempre foi chegar ao Palácio Bernardino Monteiro [sede da Prefeitura de Cachoeiro]. E assim procedi, com transparência e muito diálogo. Porém, alguns fatos se sucederam a partir de seis meses passados que eu tive que gerenciá-los e resolvê-los com paciência e resiliência. Mas, desde dezembro, o diálogo com o senador Magno Malta tem ficado mais escasso e complicado. Sua crença em que o PL caminhe sozinho ou com poucas composições nas eleições tornaram os diálogos difíceis e escassos.
Até que neste mês de janeiro eu liguei para o senador para uma conversa pessoal, e ele me falou que estava chegando de viagem dos Estados Unidos e na chegada me avisaria para conversarmos, o que não ocorreu. Uma simples foto de uma conversa com o presidente municipal do MDB fez com que o tesoureiro estadual do partido, Pastor Carlos Salvador, me indagasse no Whatsapp, e quando eu pedi para conversarmos pessoalmente houve uma expectativa de retorno que não aconteceu.
Em torno a tantas dúvidas e incertezas, eu me reuni com atores políticos importantes da cidade para discutir o futuro das eleições de Cachoeiro de Itapemirim em 2024 e estamos reavaliando algumas ações e decisões. No mais, me coloquei, como sempre fiz, a serviço de Cachoeiro e dos cachoeirenses.” (08 de fevereiro)
Quem é Juninho Corrêa
Hoje com 27 anos, José Carlos Corrêa Cardoso Júnior é mais conhecido como Juninho Corrêa ou, simplesmente, Juninho da Cofril, em alusão à empresa da família. O mais jovem vereador de Cachoeiro é natural da cidade. Cresceu no bairro Aeroporto e, como ele mesmo diz, na Igreja Católica. “Antes de entrar na política, pensei em ser padre, mas a política acabou me pegando”, conta, em um vídeo publicado pela Câmara de Cachoeiro. Até hoje, ele é catequista na Diocese de Cachoeiro e ajuda na celebração de missas.
A ligação com Bolsonaro
A identificação de Juninho com Jair Bolsonaro e o bolsonarismo salta de tudo. Nos últimos anos, ele foi presença quase certa em manifestações em defesa de Bolsonaro, ou até convocadas pelo então presidente, no Espírito Santo, na Avenida Paulista etc.
Em novembro, quando Bolsonaro esteve no Estado para receber uma homenagem de deputados do PL na Assembleia Legislativa, Juninho lhe ofereceu “um bom churrasco capixaba”, com a carne produzida pela empresa da família, como fez questão de registrar no Instagram.
Juninho também segue a cartilha da direita bolsonarista no tocante ao uso das redes sociais, onde sempre manteve presença maciça. Pelo menos até agora, enquanto político e vereador.
Adendo: os novos planos de Ferração
Após a publicação desta coluna, o deputado Theodorico Ferraço informou ao jornalista Toninho Carlos, em uma live, que, com a desistência de Juninho, o PP passa a estudar o lançamento de candidatura própria à Prefeitura de Cachoeiro. Em reunião nesta quinta-feira, com a presença do presidente municipal do MDB, Rogério Athayde, o PP decidiu encomendar uma pesquisa eleitoral com alguns nomes, incluindo o da ex-deputada federal Norma Ayub (esposa de Ferraço).
Os outros nomes são os do empresário Ruberval Rocha, presidente da Associação Comercial de Cachoeiro, e do Coronel Fabricio da Silva Martins, comandante da Polícia Militar do Espírito Santo na região Sul.
E quanto ao próprio Ferraço? “Meu nome fica em stand-by“, respondeu a velha águia, que disse respeitar a decisão de Juninho: “Os desígnios de Deus são respeitados”.
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