Coluna Vitor Vogas
Renato, o Previsível: o padrão de Casagrande e o que isso nos diz sobre 2026
O maior trunfo de Ricardo Ferraço para de fato confirmar-se o candidato do governo Casagrande à sucessão é a previsibilidade do próprio governador, atestada por quase todos os seus movimentos e decisões recentes

Renato Casagrande transmite o cargo para Ricardo Ferraço
Ao longo dos últimos anos, do segundo governo dele (2019/2022) para cá, o governador Renato Casagrande (PSB) tem se mostrado um homem público bastante previsível. A previsibilidade tem sido a marca dos movimentos e decisões políticas dele, seja como governante, seja como líder político. Quem espera grandes surpresas e fortes emoções vindas dele, quase sempre, se decepciona. O “quase” se justifica por uma exceção, da qual trataremos mais abaixo.
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Façamos um recorte de 2022 em diante. Quase invariavelmente, aquilo que se cria como “a tendência mais forte”, “o caminho mais provável do governador”, de fato, concretizou-se. Diante de uma decisão política, precisando escolher entre dois ou mais aliados para determinada missão ou cargo público, o nome apontado previamente como o “favorito do governador”, com efeito, foi o escolhido por ele – salvo na eleição da Mesa Diretora da Assembleia em princípios de 2023. A carência de surpresas estabeleceu-se como um padrão na conduta política de Casagrande.
Publicada desde março de 2022, esta coluna é, de certo modo, um arquivo jornalístico a comprovar esse histórico de previsibilidade do governador; sua tendência, por assim dizer, a confirmar o que se aponta como tendência nos rumos tomados por ele. Senão vejamos.
No processo eleitoral de 2022, no período preparatório para a campanha, já se sabia do interesse de Casagrande em encabeçar uma chapa majoritária formada por ele mesmo como candidato a governador, Ricardo Ferraço (então no PSDB) como candidato a vice-governador e Rose de Freitas (MDB) como candidata a senadora. Foi o que chamamos aqui, previamente, de chapa do “Triplo R”: Renato, Ricardo e Rose. De fato, assim foi feito.
Já nas eleições municipais de 2024, nos meses de pré-campanha, Casagrande já dizia em entrevistas que pretendia apoiar Arnaldinho Borgo (então no Podemos) em Vila Velha, Euclério Sampaio (MDB) em Cariacica e Vidigal (PDT) ou o candidato dele na Serra, pedindo votos pessoalmente para todos. Em Vitória, recomendava voto em João Coser (PT) ou Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), mas não se mostrava disposto a entrar pessoalmente na campanha de nenhum dos dois no 1º turno. De fato, assim procedeu.
Com a aposentadoria do conselheiro Sérgio Borges em janeiro de 2024, abriu-se uma vaga no Tribunal de Contas do Estado (TCES), cujo preenchimento cabia à Assembleia Legislativa. Apesar de a votação competir aos deputados estaduais, todos sabiam do interesse do Palácio Anchieta em influenciar tal decisão. Mais especificamente, todos sabiam que o governo Casagrande queria emplacar na vaga o até então chefe da Casa Civil, Davi Diniz, aliadíssimo do governador. Davi era o candidato do Palácio. E, com efeito, ficou com a vaga. Foi o único candidato inscrito e, confirmado pelos deputados em votação protocolar, tomou posse em março de 2024.
No mesmo mês, os promotores e procuradores de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) votaram para cumprir a primeira etapa do processo de escolha do novo chefe da instituição: a formação da lista tríplice que seguiria para as mãos do governador, a quem cabia a palavra final. Desde o início, sabia-se e apontava-se a predileção de Casagrande e seu governo pelo promotor Francisco Berdeal, o candidato apoiado pela então procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade. Berdeal entrou na lista como o segundo mais votado, atrás do também promotor Pedro Ivo de Sousa. De fato, foi o escolhido pelo governador e hoje comanda o MPES.
No início deste ano, houve eleição para a presidência da Assembleia Legislativa e formação da Mesa Diretora. Não há registro de uma eleição “interna corporis” do Poder Legislativo Estadual tão flagrantemente controlada pelo Executivo. Ao mesmo tempo, não se tem notícia de uma “disputa” na Assembleia tão sem disputa, com um vazio tão grande de movimentações dos deputados. Desde meados de setembro de 2024, o governador, via casa Civil, expediu aos deputados da base a ordem de não moverem um músculo enquanto ele mesmo não se posicionasse. E assim foi feito.
O deputado Vandinho Leite (PSDB) chegou a manifestar interesse na presidência, mas apenas nos bastidores, e o governo o usou como uma carta na manga, uma alternativa a Marcelo Santos (União), se este não fizesse alguns “ajustes” em sua conduta política e não voltasse a rezar piamente conforme o catecismo do governo. Desde o início, contudo, sabia-se e apontava-se a preferência do governo Casagrande em conservar Marcelo na presidência, por conveniência e comodidade política, a partir de um bom acordo com ele.
O acordo foi alcançado e, mais uma vez, a tendência se cumpriu. Casagrande queria o compromisso de Marcelo e de seu partido, o União Brasil, em apoiar Ricardo Ferraço para a sucessão no Governo Estadual em 2026. No fim de janeiro, Casagrande, Marcelo e Ricardo foram ao encontro do presidente nacional do União, Antônio de Rueda, em Brasília. Os quatro fizeram uma foto, e Marcelo anunciou o compromisso do União em estar no projeto eleitoral liderado por Casagrande em 2026. Dias depois, sem surpresas e com as bênçãos tácitas do governo Casagrande, Marcelo reelegeu-se para mais um biênio à frente da Assembleia, como candidato único. Desde então, tem se provado de fato um cabo eleitoral de Ricardo para 2026.
No mais recente exemplo, com a aposentadoria por idade do desembargador Annibal de Rezende Lima em abril do ano passado, a advocacia capixaba pôde preencher a vaga no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Após um longo processo, com um ano de duração, chegou-se finalmente à última fase: a lista tríplice com os três advogados finalistas, formada pelos atuais desembargadores em votação do Tribunal Pleno e encaminhada ao governador. Desde que a lista foi constituída, sabia-se e sublinhava-se o nome do advogado Alexandre Puppim, por acaso o mais votado no TJES, como o favorito de Casagrande. Na mosca: o escolhido, de fato, foi ele.
A única exceção ao padrão de previsibilidade de Casagrande nestes últimos anos, mesmo assim relativa, deu-se na eleição para a presidência da Assembleia no começo de 2023. Naquela oportunidade, o governador manteve-se mais distante do processo até poucos dias antes da votação dos deputados, em 1º de fevereiro. O deputado Vandinho Leite, também aliado do governo, já havia constituído maioria, tendo reunido o apoio de 24 dos 30 deputados.
No entanto, temendo a participação de deputados de oposição no movimento de Vandinho e a ascendência que eles poderiam vir a exercer na Mesa Diretora, Casagrande entrou em campo com tudo, desviando o rumo do processo para lado totalmente diferente. Anunciou apoio a Marcelo Santos – até então quase isolado –, ungindo-o como o candidato do Palácio Anchieta. Captando o recado, os deputados da base, grande maioria dos 30, transferiram prontamente seu apoio a Marcelo, deixando Vandinho isolado a ponto de retirar a candidatura. Marcelo foi eleito à frente da única chapa, como se repetiria no começo deste ano.
O que mais chamou a atenção no episódio foi a maneira ostensiva como Casagrande interferiu na eleição do outro Poder, declarando publicamente apoio a um candidato e mudando radicalmente o rumo que tudo estava tomando. Mas Marcelo sempre foi um aliado dele. Nunca esteve inteiramente descartado.
Fizemos questão de recapitular todos os exemplos acima para dizer única e exclusivamente uma coisa:
Por todos os sinais já emitidos, gestos feitos, declarações dadas, não cabe mais a menor dúvida de que o pré-candidato de Casagrande à sua sucessão em 2026 chama-se Ricardo Ferraço. Ponto. É isto o que Renato, o Previsível, quer fazer: renunciar em abril do ano que vem para ele mesmo se candidatar a governador, entregar o governo para Ricardo e apoiá-lo como seu candidato ao Palácio Anchieta. Sem nenhuma surpresa.
Na avaliação deste colunista, hoje existe uma hipótese, somente uma hipótese, de Renato, o Previsível, abrir mão da própria previsibilidade e mudar radicalmente de planos em relação à própria sucessão, chutando Ricardo (de novo) para escanteio e o trocando por outro aliado (Arnaldinho, nesta hipótese, e tão somente nesta hipótese, parece-me o mais cotado como Plano B): isso só poderá ocorrer se, em princípios do ano que vem, Ricardo estiver terrivelmente mal das pernas, horrivelmente mal cotado em pesquisas de intenção de voto, sinalizando uma grave ameaça para o projeto de manutenção de poder do grupo, em caso de insistência com ele.
Do contrário, confirmando a tendência – e sua tendência a confirmar as tendências –, Casagrande há de manter-se fiel ao plano traçado por ele mesmo (stick to the plan, como se diz em inglês). Se Ricardo provar-se minimamente competitivo, é com ele que o governador irá.
A este ponto, é verdade, ainda falta a Ricardo “combinar com o povo”. Faltam-lhe aquele carisma e aquela popularidade que se verificam, por exemplo, em concorrentes internos e externos. Mas o governo aposta intensamente na composição de uma aliança partidária de amplitude a perder de vista; numa rede de apoio que incluirá quase todos os deputados estaduais e quase todos os 78 prefeitos capixabas (bem como os vereadores e líderes locais que vêm na sua esteira); acima de tudo, no discurso de “segurança política” e “continuidade” do que “está dando certo”, com o portfólio de bons indicadores de um governo que vai bem em muitas áreas.
Cumpre lembrar: se Casagrande renunciar, Ricardo, daqui a pouco menos de um ano, não será um representante desse governo. Será o próprio mandatário. Se o governo seguir bem avaliado como hoje se encontra, o crédito tenderá a “cair” em sua conta política, reforçando o seu saldo eleitoral.
Isso sem falar que, se o plano for mantido, Ricardo terá ao seu lado o maior cabo eleitoral do Espírito Santo neste momento, a turbinar o seu palanque e as suas chances eleitorais: Renato, o Previsível.
