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Coluna Vitor Vogas

Análise: Casagrande delegou ao STF um veto que era dele

Na desnecessária polêmica de gênero, o cálculo político foi equivocado. O ganho político, se é que houve algum, fazendo uma média com a bancada mais reacionária da Assembleia (ou evitando desagradá-la diretamente), agora se reverte contra ele e seu governo

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Renato Casagrande. Foto: Divulgação (Governo)

Renato Casagrande. Foto: Divulgação (Governo)

O governador Renato Casagrande (PSB) corrigiu sua posição no debate sobre a Lei Estadual nº 12.479/2025 – aqui denominada “Lei Antigênero”. Em resposta oficial a uma intimação da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), o governador não apenas concordou que a lei é inconstitucional como pediu à ministra que a norma seja assim declarada e, consequentemente, anulada. Em outras palavras, o governador quer que o Supremo anule os efeitos da lei que entrou em vigor após ele mesmo a ter sancionado tacitamente.

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Veja-se o tamanho do paradoxo a que se chegou neste episódio: em uma peça jurídica profundamente bem detalhada, o próprio governador enumera, item por item, ponto por ponto, os inúmeros vícios contidos em uma lei que ele mesmo reconhece como “eivada de inconstitucionalidade”.

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Ora, os vícios já estavam ali desde o início. Certamente foram devidamente apontados pela PGE antes da decisão do governador, no estrito cumprimento do dever funcional do órgão jurídico do governo (a resposta ao STF foi protocolada no dia 5, mas data do dia 1º, o que sugere que já havia até um rascunho pronto). Mas esse buffet de vícios não foi suficiente para que Casagrande vetasse a anomalia quando teve a oportunidade. Era a coisa certa a fazer. Teria evitado um grande transtorno e o desgaste em múltiplas direções, com uma série de categorias e segmentos sociais.

Na desnecessária polêmica de gênero, o cálculo político foi equivocado. O ganho político, se é que houve algum, fazendo uma média com a bancada mais reacionária da Assembleia (ou evitando desagradá-la diretamente), agora se reverte contra ele e seu governo. Em vez de arcar frontalmente com o ônus político de contrariar as expectativas desses setores fundamentalistas, Casagrande agora o faz de maneira oblíqua, ao corrigir a rota – como era inevitável.

O discurso inflamado de Alcântaro na tribuna da Ales na última segunda não deixa dúvida quanto a isso. O autor da lei desafiou Casagrande a manter sua posição, brandindo uma carta assinada por mais de 20 pastores: todos conclamando o governador a defender a legalidade e a manutenção da lei, em sua resposta a Cármen Lúcia. Na certa, agora, estão duplamente contrariados. Até porque, se Casagrande tivesse vetado o projeto, a Ales ainda teria a chance de tentar derrubar seu veto em plenário. Agora, nem essa opção lhes resta.

Claramente, na tentativa de evitar se indispor com a Bancada da Bíblia, Casagrande deixou para o STF a correção do seu erro, terceirizou para a Justiça o veto que ele mesmo poderia e deveria ter aposto.

Independentemente da resposta do Governo do Estado ou da Assembleia, a lei está fadada a ser derrubada pelo STF, por inconstitucional. Basta ter o mínimo conhecimento sobre o texto constitucional e sobre a farta jurisprudência da Suprema Corte, declinada pelo próprio Casagrande em sua manifestação oficial.

Quando isso se consumar, o governador e seu governo terão de agradecer ao STF por tê-los livrado de um grande abacaxi. A lei, além de absurda no teor, era de todo inexequível. Como é que o Governo do Estado poderia “regulamentá-la”, fixando sanções contra seus próprios professores (e os de outras redes) por fazerem algo que, a rigor, eles são obrigados a fazer à luz da legislação federal que rege a educação neste país (LDB, PNE etc.)? Como é que o cumprimento da lei poderia ser operacionalizado e fiscalizado no dia a dia?

É uma lei, enfim, que já nasceu letra morta. Tudo poderia ter sido evitado, fosse ela sepultada desde o início, como deveria ter sido.