Coluna Vitor Vogas
Piquet e Pazolini: choque marcante de delegados e Poderes em Vitória
No jogo de pôquer jogado por prefeito e presidente da Câmara em torno do reajuste salarial para os vereadores, Piquet dobrou a aposta e Pazolini pagou para ver. Nesta sexta, Piquet recuou. Prefeito é o vencedor da rodada, mas sua altíssima aposta pode lhe trazer custo político também elevado

À esquerda, Lorenzo Pazolini; ao centro, Leandro Piquet. Crédito: Reprodução Facebook
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Na mesa de pôquer político, o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini, fez uma aposta alta e arriscadíssima na última segunda-feira (29), ao vetar, sem acordo político prévio, o projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal que quase dobra o salário dos vereadores da cidade a partir de 2025.
Perplexo com a jogada do prefeito, o presidente da Câmara, Leandro Piquet, respirou fundo e não deixou barato: pagando a aposta de Pazolini, devolveu o veto ao prefeito na última terça-feira (30), cobrando a juntada de documentos que provassem as alegações oficiais de Pazolini para justificar sua decisão. Impassível, o prefeito não moveu um dedo nem um músculo facial. Era o último dia do prazo para posicionamento do chefe do Executivo a respeito do projeto de lei.
Piquet, então, dobrou a aposta! Na quarta-feira (31), entendendo o silêncio de Pazolini como “sanção tácita” ao projeto, o presidente da Câmara deu ao prefeito um ultimato: prazo de 48 horas para promulgar o projeto do reajuste, esgotado à meia-noite de ontem para hoje. Se Pazolini não o fizesse nesse prazo, o próprio Piquet sinalizava que promulgaria o projeto por sua conta, entre hoje e amanhã.
Gelado, sem alterar o semblante, Pazolini não respondeu. Pagou para ver. Até à meia-noite de ontem, não houve nenhuma nova mensagem por parte da Prefeitura.
Nesta sexta-feira, então, Leandro Piquet recuou. Recolhendo suas cartas dessa mesa envolta em tensão, o presidente desistiu de promulgar e projeto por sua conta – o que poderia ampliar o impasse jurídico e a crise política já instalada entre os Poderes. Em vez disso, decidiu dar ao veto de Pazolini a tramitação normal na Casa de Leis.
Em nota encaminhada pela assessoria de comunicação, a Câmara informou oficialmente:
“A Câmara de Vitória informa que, com todos os requisitos legais cumpridos, o veto ao Projeto de Lei que trata sobre o reajuste do subsídio dos vereadores para a legislatura 2025-2028 será avaliado. A Mesa Diretora reafirma seu compromisso em se fazer cumprir o Regimento Interno da Casa e que levará ao plenário assim que o veto estiver apto para votação.”
Às 11h40, o sistema de consulta legislativa, no site da Câmara, já registrava o envio do veto do prefeito à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para designação de um relator. Seguindo o rito normal, previsto pelo Regimento Interno, o relator dará um parecer acerca do veto, que será votado pelos membros da CCJ.
Feito isso, o veto será remetido à Mesa Diretora, cujo presidente, Piquet, tem 30 dias a contar do recebimento para pautá-lo para votação em plenário, soberano para dar a palavra final na questão: na votação decisiva, os vereadores poderão tanto manter como rejeitar o veto de Pazolini.
Para derrubarem o veto, pelo menos oito dos 15 vereadores precisam votar assim (maioria absoluta), conforme art. 83, § 4º, da Lei Orgânica Municipal.
Quando o projeto foi votado em plenário, no dia 2 de maio, foi aprovado justamente por 8 votos a 5. Se mantido esse placar – isto é, se nenhum dos oito que votaram a favor faltar, se abstiver ou mudar de posição, o veto será rejeitado.
Mas é possível que seja mantido: basta uma só defecção e, nos corredores da Câmara, já se comenta que um ou mais podem ceder, tamanho o desgaste político gerado pela aprovação da matéria e agora duplicado para eles, por força da decisão de Pazolini.
Aliás, para além de discussões de ordem técnica, o que mais irritou vereadores na decisão de Pazolini é que o veto do prefeito os obriga a enfrentar novamente, em votação pública, aberta e nominal, um tema altamente impopular para eles mesmos perante a opinião pública.
Do ponto de vista político, nesse jogo de pôquer, ou – mudemos a metáfora – nesse cabo de guerra, Pazolini já pode se considerar parcialmente vitorioso. Ao vetar a iniciativa legislativa que amplia sensivelmente os gastos públicos com o pagamento dos próprios vereadores e onera os cofres municipais, o prefeito transmite à sociedade o sinal de compromisso com a austeridade fiscal e de não compactuação com a legislação de parlamentares em benefício próprio.
Ao não ceder às pressões emanadas do Poder Legislativo, o chefe do Executivo também pode ser considerado vencedor dessa rodada de pôquer, ou desse cabo de guerra, travado ao longo da semana com Piquet. Mostrou que não vai se dobrar à presidência da Câmara – e, convenhamos, não poderia mesmo fazê-lo nesta caso, pois seria uma desastrosa demonstração de fraqueza política.
Além disso, se na apreciação em plenário o veto acabar mantido, o prefeito terá uma vitória completa e maiúscula. Poder-se-á dizer que sua tese jurídica prevaleceu e que sua inflexibilidade (ou intrasigência) política, negando-se a ceder a pressões vindas da Câmara, foi justamente o que evitou a promulgação de uma lei municipal finaceiramente custosa e politicamente desgastante.
Para Pazolini, essa é a faceta positiva. Mas não é a única.
Ainda que possa ter vencido e saído bem da história aos olhos da opinião pública, esse movimento arriscadíssimo do prefeito terá para ele um custo político, cujo tamanho e extensão só as próximas semanas dirão.
Mais que insatisfação, o prefeito gerou irritação em veradores de sua base (de quem depende para ver os seus próprios projetos aprovados) e, acima de tudo, no próprio presidente da Câmara, de quem depende ainda mais, pois é Piquet quem tem a prerrogativa de pautar (ou não) o que vem da Prefeitura.
No limite, ao despertar tamanha antipatia por parte do chefe do Parlamento e de uma base parlamentar não tão ampla – e que já dava sinais de dispersão –, o prefeito pode colocar em risco a própria governabilidade… lembrando sempre que os vereadores já entraram no “modo reeleição” e, a esta altura do mandato, o plenário já tende mesmo a ficar mais nervoso na relação com a Prefeitura.
Enfim, em menor ou maior grau, alguma sequela há de ficar no relacionamento político da administração de Pazolini com a Câmara, incluindo a sua base parlamentar.
Nesse cabo de guerra travado ao longo da semana, a corda foi esticada pelos chefes dos dois Poderes, ficou retesada ao limite e esteve a ponto de romper. Antes que isso ocorresse, Piquet decidiu afrouxar e soltar a corda do seu lado.
Atenção: quando isso acontece, quem está do outro lado ganha o jogo, levando toda a corda para o seu lado… Mas, por uma das leis da Física, no embalo do próprio puxão, pode cair de costas no chão.
Duelo de delegados
Como os dois são delegados da Polícia Civil licenciados para exercer os respectivos mandatos, vale uma terceira metáfora. Piquet e Pazolini passaram a semana como naquela cena clássica do filme “Cães de Aluguel”, do Tarantino: um apontando sua arma para o outro ao mesmo tempo. Nesta sexta, Piquet começou a abaixar a sua pistola política, bem devagar. Vamos ver se Pazolini fará o mesmo e se os dois realmente recolherão, juntos e até o coldre, as respectivas pistolas.

À esquerda e em segundo plano, Leandro Piquet; ao centro e em primeiro plano, Lorenzo Pazolini; ao fundo, guardas municipais. Crédito: Reprodução Facebook
LP: disco arranhado
Não é demais lembrar que, além da mesma profissão de origem, os dois chefes de Poder são colegas de partido no Republicanos – em teoria, aliados –, o que só torna esse duelo ainda mais inusitado. Há, ainda, para quem gosta de coincidências, o fato de ambos terem nome e sobrenome com as mesmas iniciais.
LP: Lorenzo Pazolini.
LP: Leandro Piquet.
LP: La Paz na relação?
Por enquanto, não.
Retrospectiva da treta: cronologia dos fatos
No dia 2 de maio – há precisamente um mês –, os vereadores de Vitória aprovaram dois projetos, ambos com efeito só no próximo mandato, entre 2025 e 2028.
1) A Proposta de Emenda à Lei Orgânica Municipal que amplia o número de vereadores de Vitória de 15 para 21;
2) O projeto de lei municipal 62/2023, que aumenta o subsídio dos vereadores dos atuais R$ 8,9 mil para R$ 17,6 mil na próxima legislatura e ainda cria um 13º a ser pago em dezembro para eles.
Por ser emenda à Lei Orgânica, o primeiro foi promulgado diretamente por Piquet. Já o segundo, por se tratar de projeto de lei, dependia da análise do prefeito.
De acordo com a Lei Orgânica, Pazolini tinha 15 dias úteis para se posicionar sobre o projeto, vetando-o ou sancionando-o, contados desde o recebimento do autógrafo de lei.
O prazo vencia na última terça (30).
Na segunda (29), por volta das 17h30, a Prefeitura protocolou no sistema da Câmara o veto total assinado por Pazolini, seguindo parecer técnico da Procuradoria-Geral do Município.
O parecer que embasa a decisão do prefeito foi elaborado e assinado pelo procurador-geral do município, Tarek Moussallem.
Ele basicamente apresentou duas razões de ordem técnica, uma de natureza formal e outra, material.
O argumento mais importante diz respeito à forma da iniciativa.
Basicamente, no entendimento da Prefeitura, a Câmara não poderia ter fixado o valor do salário dos vereadores no próximo mandato por meio de projeto de lei, como foi feito, e sim por meio de um projeto de resolução.
Projetos de resolução são aqueles que dizem respeito a questões administrativas, legislativas e organizacionais da própria Câmara.
Piquet e a Procuradoria da Câmara discordam completamente dessa alegação: em entrevista à coluna na terça, o presidente citou três artigos do Regimento Interno que dizem expressamente que o reajuste deve ser feito por meio de projeto de lei.
Segundo argumento da Prefeitura: somando as 12 parcelas do futuro salário dos vereadores, mais o 13º, a remuneração anual de um vereador superaria o ganho anual do prefeito (que não tem 13º), o que é vedado por lei.
Piquet também rebate esse argumento. Diz que a conta da Prefeitura está errada, pois teria levado em conta o valor anterior do salário do prefeito (R$ 18,4 mil), antes de ser corrigido pela Lei Municipal 9.516/2019. Com o reajuste, o salário vigente, recebido por Pazolini desde seu primeiro mês no cargo de prefeito (jan/2020), é de R$ 19,2 mil.
Paga em 12 parcelas, a remuneração anual do prefeito é igual a R$ 230.605,44 (12 x R$ 19.217,12).
Paga em 13 parcelas, a remuneração anual dos vereadores será de R$ 229.861,58 (13 x R$ 17.681,66). Assim, por muito pouco, não vai ultrapassar a do prefeito, como este alegou.
De todo modo, Pazolini apôs o veto, concluindo que o projeto do reajuste é inconstitucional.
A repercussão política
Na terça-feira de manhã, day after da explosão bomba, Piquet chegou a suspender a sessão plenária na Câmara, para evitar ataques dos colegas ao prefeito.
O secretário municipal de Governo, Aridelmo Teixeira (Novo), foi escalado por Pazolini para liderar uma “operação apaga incêndio”. Acompanhado pelo procurador-geral do município, Tarek Moussallem, autor do parecer que embasou o veto de Pazolini, Aridelmo esteve pessoalmente em plenário na terça, após a sessão, para explicar os argumentos técnicos da Prefeitura.
O encontro foi conturbado, marcado por desentendimentos entre Aridelmo e Piquet, e entre Moussallem e o procurador-geral da Casa, Swlivan Manola.
Logo após a reunião, atendendo à coluna, Aridelmo sublinhou que, não obstante o entendimento técnico da Prefeitura, os vereadores têm total autonomia para se posicionarem sobre o veto e o rejeitarem em plenário, se assim quiserem. Em outras palavras, a base governista está absolutamente liberada.
“Cada um poderá votar de acordo com a própria consciência e com a Casa que representa.”
Por sua vez, Piquet me disse que respeita o procurador-geral da prefeitura, que ele mesmo, pessoalmente, é contra a ideia de aumento salarial para vereadores, mas, como chefe do Parlamento, defende que tudo foi feito dentro da legalidade, de maneira correta e constitucional, e discorda frontalmente do veto e dos argumentos que embasaram a decisão do prefeito.
Na prática, nesse primeiro momento, Piquet não admitiu o veto da maneira que chegou para ele. Ainda na terça, devolveu-o à Prefeitura para correções e complementações. Em seu ofício, alegando o não cumprimento de alguns pré-requisitos para envio do veto, requereu a anexação de documentos que provassem tecnicamente as razões apresentadas pela Prefeitura.
Ele entendia que o prefeito tinha até a meia-noite de terça para mandar o veto de volta com as devidas correções, o que Pazolini não fez.
Diante da falta de resposta do prefeito, seguindo o disposto na Lei Orgânica, Piquet entendeu que expirou o prazo de 15 dias úteis para Pazolini se posicionar sobre a matéria, o que, em leitura estrita da Lei Orgânica (art. 83, § 1º), significaria “sanção tácita” do projeto.
Ainda seguindo à risca o que diz a Lei Orgânica (art. 83, § 7º), Piquet deu a Pazolini prazo de 48 horas para promulgar o projeto de lei, da primeira hora de quarta até às 23h59min59s de ontem. Do contrário, ele mesmo, como chefe do Legislativo, promulgaria e publicaria a nova lei municipal, também em 48 horas (até às 23h59min59s desse sábado).
Pazolini não promulgou a lei. No fim das contas, Piquet também não. Decidiu dar ao veto o rito normal.
Agora, resta a votação em plenário.
