Coluna Vitor Vogas
O que está previsto na megarreforma administrativa do MPES
Mudanças na Ouvidoria, na Corregedoria, no Conselho Superior, nos processos disciplinares, nas licenças e gratificações… Coluna de hoje explica tudo

Fachada da sede do MPES. Crédito: Assessoria do MPES
Como era natural, num primeiro momento, o item que causou o maior impacto nos dois projetos do Ministério Público Estadual (MPES) aprovados em tempo recorde pela Assembleia na última segunda-feira (26) foi a criação de 778 vagas para servidores efetivos no órgão, a serem preenchidas progressivamente por concurso público. Mas essa é só a ponta do iceberg. Os dois projetos assinados pela procuradora-geral de Justiça, Luciana de Andrade, consistem na maior reforma administrativa do MPES em pelo menos uma década.
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Tem mudanças para todo lado ali: do trabalho da Ouvidoria aos procedimentos da Corregedoria-Geral; de percentuais de gratificações pagas a chefes de Promotorias de Justiça à forma de composição do Conselho Superior do MPES; de regras e períodos de licença-maternidade, paternidade e adoção à criação de um Programa de Residência; das receitas que compõem um fundo para estruturação do MPES até um inédito “atestado de insanidade” em processos disciplinares.
Após destrinchar os dois projetos, sancionados ontem pelo governador Renato Casagrande (PSB) e publicados nesta quarta-feira (28) no Diário Oficial do Estado, a coluna de hoje detalha essa megarreforma administrativa de Luciana de Andrade. Segue o fio.
Mais gastos com gratificação
A reforma eleva os gastos do MPES com pagamento de gratificação de função, uma das vantagens de caráter provisório asseguradas aos membros, nivelando no mesmo percentual a gratificação paga a todos os chefes de Promotoria de Justiça, independentemente da comarca.
A partir de agora, todos os ocupantes da função de promotor de Justiça chefe receberão gratificação correspondente a 10% do subsídio do membro.
Antes, havia uma diferenciação. Só os chefes das Promotorias de Justiça situadas em Cariacica, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória recebiam 10%; os das Promotorias de Aracruz, Barra de São Francisco, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina, Guarapari, Itapemirim, Linhares, Marataízes, Nova Venécia e São Mateus ganhavam 8%; os das demais, 6%.
Não incorporação de gratificações
Outra mudança relativa ao pagamento de extras é que agora as gratificações recebidas por ocupantes de cargos de chefia (por exemplo, 30% do subsídio para o procurador-geral de Justiça; 25% para os subprocuradores-gerais etc.) não serão mais incorporadas aos vencimentos. Essa incorporação era objeto de questionamento no STF. O MPES está se adequando.
Formação do Conselho Superior
Órgão da Administração Superior e de execução do MPES, incumbido de velar pelos seus princípios institucionais, o Conselho Superior era formado por dois membros natos – o procurador-geral de Justiça (seu presidente) e o corregedor-geral – e por cinco procuradores de Justiça eleitos pelos membros ativos da instituição. Agora, em vez de cinco, passa a ser formado por sete procuradores de Justiça escolhidos por meio de eleição.
Ouvidoria fortalecida
A nova lei complementar fortalece a estrutura e o status da Ouvidoria do Ministério Público. Criada em 2010, a Ouvidoria era até hoje uma espécie de “puxadinho” da Procuradoria-Geral de Justiça. Agora, passa a ser considerada órgão autônomo de administração do MPES, no mesmo patamar das Procuradorias e Promotorias de Justiça.
Na Lei Orgânica do MPES, a Ouvidoria nem sequer era citada e o cargo de ouvidor era mencionado duas vezes. Agora, fica por escrito: “A Ouvidoria integra a estrutura administrativa do Ministério Público e atua em regime de cooperação com os demais órgãos da instituição”.
O ouvidor do MPES será eleito pelo Colégio de Procuradores de Justiça entre os membros ativos com mais de dez anos de efetivo exercício, para cumprir mandato de dois anos, permitida uma recondução. Ele poderá indicar livremente o ocupante do cargo de subouvidor do MPES, que acaba de ser criado.
Até então, a legislação dizia que a Ouvidoria era “integrante da estrutura da Procuradoria-Geral de Justiça”. Agora, passa a ser “integrante da estrutura do MPES”. Isso significa maior autonomia para o ouvidor. Até agora, a estrutura administrativa da Ouvidoria e os respectivos procedimentos internos deveriam ser definidos por ato procurador-geral de Justiça aprovado pelo Colégio de Procuradores de Justiça. Isso é revogado pela reforma.
O ônus é que agora – a exemplo dos três subprocuradores-gerais, do corregedor-geral e do subcorregedor-geral – o ouvidor e o subouvidor ficam sujeitos à instauração de sindicância, procedimento ou processo administrativo disciplinar pelo Colégio de Procuradores de Justiça, bem como a transações disciplinares definidas por esse colegiado.
Corregedoria-Geral fortalecida
O corregedor-geral também ganha mais autonomia e um pouco mais de poder. Por exemplo, até hoje, o Colégio de Procuradores de Justiça só opinava sobre assuntos de interesse institucional se provocado pelo procurador-geral de Justiça ou por um quarto de seus membros. Agora, também terá de fazê-lo por solicitação do corregedor-geral.
Até então, o ocupante do cargo de subcorregedor-geral era indicado pelo corregedor-geral entre os procuradores de Justiça, mas a escolha passava pelo crivo do procurador-geral de Justiça. Agora, a indicação não precisará ser avalizada pelo chefe do MPES. O titular da Corregedoria ganha autonomia para definir seu nº 2.
Ao subcorregedor-geral caberá auxiliar o corregedor-geral, substituí-lo automaticamente, em qualquer circunstância, e praticar os atos que lhe forem delegados.
Também são alteradas as exigências para a composição da equipe de assessoramento do corregedor-geral. Até hoje, ele só poderia ser assessorado por promotores de Justiça vitalícios, por ele indicado e designado pelo procurador-geral de Justiça, na quantidade de um para cada cem membros. Agora, pode ser assessorado por promotores de Justiça com pelo menos dez anos de efetivo exercício, na mesma proporção.
Esses promotores de Justiça corregedores ajudarão a Corregedoria-Geral em inspeções e correições nos órgãos de execução do MPES de primeiro grau. Também ajudarão o corregedor-geral a instruir procedimentos de averiguação preliminar e sindicâncias, se forem de classe igual ou superior à do membro investigado.
Investigação interna preliminar
Por falar nisso, a reforma também altera em inúmeros pontos o rito de tramitação e os procedimentos das investigações internas conduzidas pela Corregedoria-Geral.
Uma das mudanças mais importantes é a criação do “procedimento de averiguação preliminar”, que precederá a eventual abertura de processo administrativo disciplinar contra determinado membro, quando a notícia de infração disciplinar estiver “insuficientemente instruída”.
Nos termos da nova lei, “entende-se por averiguação preliminar o procedimento administrativo preparatório, sigiloso, de cunho meramente investigativo, destinado a reunir informações necessárias à apuração de fatos nas hipóteses de não haver elementos de convicção suficientes para a instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar”.
Assim como as sindicâncias, o procedimento de averiguação terá prazo de 60 dias para conclusão, prorrogável por mais 60 dias. Ao fim do prazo, o corregedor-geral decidirá quanto ao seu arquivamento ou abertura de processo administrativo disciplinar.
Atestado de insanidade
Uma curiosidade é que, agora, “quando houver dúvida razoável sobre a sanidade mental” do membro indiciado pela Corregedoria-Geral, em qualquer fase da investigação ou do processo, a autoridade processante, de ofício ou a requerimento da defesa, proporá a realização de perícia médica.
“Instaurado o incidente de insanidade mental, o membro poderá ser afastado das funções até a conclusão [do processo]”.
Licença-maternidade e paternidade
No MPES, a licença à gestante já era de 180 dias consecutivos, mas só era concedida mediante apresentação de atestado médico. Agora, fica excluída essa exigência. O novo texto da lei especifica que o período de licença será contado “a partir da alta hospitalar da mãe ou da criança, o que ocorrer por último”.
Já a licença-paternidade, até então de cinco dias contados do nascimento de filhos, é ampliada para 20 dias, “contados do nascimento ou da alta hospitalar da criança, o que ocorrer por último”.
No caso de paternidade monoparental (quando a criança só tem o pai), este poderá tirar licença de 180 dias.
Licença para pais adotivos
A reforma também atualiza a Lei Orgânica em relação a casos de adoção. O texto anterior garantia 120 dias de licença remunerada “à procuradora de Justiça e à promotora de Justiça” que adotasse ou obtivesse guarda judicial de criança de até um ano de idade, “para ajustamento da criança ao novo lar”.
Numa espécie de “sexismo às avessas”, os substantivos femininos excluíam a hipótese de licença para pais adotivos. Além disso, a licença era menor, de apenas 60 dias, para crianças com mais de um ano de idade. E só era concedida mediante fornecimento de documentação que comprovasse a guarda ou adoção judicial.
A nova redação, em primeiro lugar, amplia a licença remunerada de 120 para 180 dias e não faz distinção de sexo, estendendo-a aos pais adotivos. Os termos “procuradora e promotora” dão lugar a “membros do Ministério Público”. Fica extinta a distinção etária, isto é, a licença será de 180 dias independentemente da idade do/a adotado/a. Revoga-se, ainda, a exigência de comprovação.
Quando ocorrer a adoção ou a guarda judicial por casal, se ambos forem membros ou servidores do MPES, somente um terá direito à licença, podendo os dois, no entanto, partilhar entre eles os 180 dias.
Programa de Residência
Não confundir com estagiários, que já atuam no MPES há muito tempo. O que se está criando agora é o Programa de Residência do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, a ser regulamentado por ato do procurador-geral de Justiça.
Uma subseção da Lei Orgânica, até então denominada apenas “Dos Estagiários”, passa a se chamar “Dos Estagiários e dos Residentes”.
O texto do projeto agora transformado em lei não detalha como se dará esse Programa de Residência, mas pode-se deduzir que será uma oportunidade de iniciação profissional para estudantes de Direito recém-formados ou prestes a se graduar.
Na justificativa do projeto, Luciana de Andrade ressaltou “a proposta de criação do Programa de Residência no âmbito do MPES, visando contribuir para a capacitação de profissionais e para o desenvolvimento de habilidades técnicas e práticas que serão fundamentais para atuação institucional em prol da sociedade, com fundamento em jurisprudência do STF e em normativas do Conselho Nacional do Ministério Público”.
Dinheiro do Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (Funemp) passará a ser revertido também para a contratação de residentes.
A composição do Funemp
Criado por lei complementar em 2006, o Funemp visa aparelhar materialmente o MPES. A reforma amplia bastante o rol de receitas destinadas à composição do fundo.
Inclui, por exemplo, valores oriundos de crédito de carbono, da venda de resíduos sólidos, das taxas de inscrição em seleções e concursos realizados pelo MPES, de inscrições em cursos, seminários, simpósios, palestras e demais eventos de finalidade educacional ou de treinamento, de matrículas em cursos oferecidos por escola mantida pelo MPES, entre outros.
