Coluna Vitor Vogas
Entrevista: Célia Tavares, pré-candidata do PT a prefeita de Cariacica
Petista calibra discurso e dá uma amostra das muitas críticas que Euclério pode esperar na campanha. Também mostra despreocupação quanto ao fogo amigo

Célia Tavares. Foto: Facebook
Com a pré-candidatura reforçada na última quarta-feira (24) pelo PT de Cariacica, a educadora Célia Tavares está segura, seguríssima, de que será mesmo candidata a prefeita do município representando a Federação Brasil da Esperança, formada, além do PT, pelo PV e pelo PCdoB. Se de fato for candidata novamente, Célia poderá reeditar, desta vez no 1º turno, o enfrentamento com Euclério no 2º turno de 2020.
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Na eleição municipal passada, a professora de História e secretária de Educação no governo do hoje deputado federal Helder Salomão foi derrotada com certa folga por Euclério. Mas, muito bem articulada, deu trabalho para ele. Para quem acompanhou de perto, aquela eleição foi marcada pelo debate final promovido pela Rede Gazeta, no qual o atual prefeito, então deputado estadual, foi trucidado por ela na disputa de argumentos.
Agora, na entrevista abaixo, a potencial candidata do PT – praticamente a única voz de oposição a Euclério hoje na cidade – calibra o discurso e dá uma amostra das muitas críticas que mantém ao governo do atual prefeito. Também comenta, despreocupadamente, resistências e propostas alternativas manifestadas por parceiros do PT na federação, como lançar em seu lugar o ex-vereador Heliomar Costa Novaes, do PV, ou até apoiar a reeleição de Euclério. Segundo ela, não há a mínima chance de isso acontecer.
Confira!
A senhora é mesmo pré-candidata a prefeita de Cariacica?
No dia 29 de outubro, em encontro realizado na Câmara de Vereadores de Cariacica, inclusive com a presença do vereador César Lucas [do PV], o PT definiu por unanimidade meu nome como pré-candidata. Meu nome foi definido em um documento assinado por todas as tendências internas do PT. É uma decisão do partido, encaminhada para a federação. Entendemos o papel que tem a federação, que é formada por três partidos.
Por que a senhora quer ser novamente candidata a prefeita de Cariacica?
Pauto minha vida coletiva por projetos coletivos, nunca por projetos individuais. Então não é “a Célia quer”. A Célia faz parte de um projeto político que compreende que nossa cidade tem problemas sérios que precisam ser discutidos no período da eleição. Então serei candidata se for da vontade de um coletivo que quer discutir a cidade nas necessidades mais prementes da população.
A senhora fala em “problemas sérios”. Como avalia a gestão Euclério Sampaio?
Se você olhar minhas redes sociais, vai verificar que me pautei, já no início da gestão, contra um projeto que o prefeito criou, e ele segue firme nisso, que é a “lei da mordaça” em Cariacica, uma normativa baixada por ele. Hoje, não existe liberdade de expressão para as pessoas que estão no governo, não só atores políticos, mas inclusive servidores efetivos da prefeitura. Você não pode se expressar livremente se sua expressão for uma crítica a ações e questões do governo de Euclério Sampaio. Nas entrevistas, ele diz que tem um “grupo de inteligência”. Na verdade, ele tem um grupo para vigiar pessoas. Ninguém pode se expressar criticamente. Há casos de pessoas afastadas de sua posição de trabalho por conta disso, perseguições, assédio moral e procedimentos disciplinares abertos contra pessoas que se manifestam. Tudo isso tem sido denunciado por sindicatos. Pessoas me procuram no privado dizendo “Gostaria de me manifestar sobre isso, mas não posso”. Para você ter uma ideia, no dia do meu aniversário, até para me dar os parabéns, uma pessoa que trabalha na prefeitura me parabenizou no privado, nas redes sociais, e pediu desculpas porque não poderia me parabenizar publicamente…
Pelo fato de a senhora ser adversária do prefeito?
Pelo fato de eu ser Célia Tavares. Não é nada fácil viver numa cidade em que as pessoas não podem se cumprimentar no dia do aniversário. Após a eleição de 2020, continuei sofrendo muitos ataques. Uma dessas pessoas me atacava incessantemente nas redes sociais, a cada post que eu fazia, e eu não a conhecia. Fui à Justiça contra essa pessoa e descobri que era cargo comissionado do governo de Euclério. Entrei com processo por danos morais e ganhei a causa. A pessoa foi obrigada a me pagar uma indenização e então sumiu da rede. Não devolvi nenhuma agressão, mas tem pessoas que só entendem a linguagem do bolso.
E em termos administrativos? Como avalia a administração Euclério Sampaio?
Você não tem na cidade um planejamento mínimo. Eu gostaria de saber o cronograma de limpeza da cidade. É uma coisa mínima, mas não existe. E por que não existe? Porque não existe um planejamento para atender aos interesses da cidade, mas tão somente para atender aos pedidos feitos pelos vereadores. Criou-se um projeto que volta a um passado antigo em que você só vai ter um bem básico, como a limpeza urbana no seu bairro, se você tiver a mediação de um vereador. É um “toma lá, dá cá” que foi reinstituído. Por que ele detém todos os vereadores com ele? Porque tem essa troca. Como é que uma pessoa tem todos os vereadores do seu lado? Porque ele instituiu esse “toma lá, dá cá”: eu te concedo o que você quer, mas você aprova tudo o que quero e nem faz a fiscalização que compete ao Poder Legislativo. Ninguém fiscaliza nada. Citei a limpeza pública, mas o mesmo se aplica à saúde. Por que existe uma reclamação enorme com relação ao atendimento nas unidades de saúde? Porque quem dirige as unidades de saúde são indicações dos vereadores. Não tem como isso dar certo. Com esse apadrinhamento, você vai ter o quê? Atendimento privilegiado, e a população fica à mercê. Ainda nas políticas públicas, como a educação municipal, por força da Lei da Gestão Democrática, tem uma tradição de eleger os diretores das escolas da rede, ele não poderia fazer as indicações dos diretores de maneira tão direta como fez na saúde. Se ele revogasse ou mudasse demais essa lei, seria uma mudança muito brusca, que não seria aceita. Então o que ele fez? Alterou uma questão essencial da lei: criou uma lista tríplice para a nomeação do diretor de cada escola. Tem comunidade onde um candidato a diretor foi eleito, ou seja, foi o mais votado, e ele nomeou outro diretor. Um exemplo é a escola de Nova Rosa da Penha. A direção que a comunidade elegeu não foi nomeada pelo prefeito.
Por outro lado, Euclério tem feito, visivelmente, muitas obras estruturantes na cidade, que a população esperava há muito tempo, com a ajuda do Governo Estadual, de quem tem recebido um grande volume de investimentos graças à sua parceria política com o governador Casagrande. Ou não tem?
Pois é. Se você verificar essas obras estruturantes, não são obras do governo municipal, mas principalmente do governo Casagrande, que faz muitos investimentos na cidade. Naquilo que seria competência do município fazer a gestão dos recursos, ele faz uma inversão das prioridades. Não estou dizendo que obras estruturantes não precisam ser feitas. Mas eu preciso ter um bom atendimento na saúde, na educação, na limpeza urbana… A pessoa vai buscar um remédio na Farmácia Popular e a encontra fechada. São questões básicas, de respeito à população, que não existem. Outra coisa: Helder [o deputado Helder Salomão, padrinho político de Célia] coloca muitos investimentos federais em Cariacica por meio de emendas parlamentares, e eles omitem isso. Não dão visibilidade. Isso é ausência de transparência. Um município que recebe tanto dinheiro não deveria ter os problemas que tem. Ao mesmo tempo, é preciso dizer que o prefeito anterior [Juninho] era tão omisso e a situação estava tão ruim que o pouco que faça quem veio depois aparece. Mas aparece porque são obras grandes feitas pelo Governo do Estado. A Nova Orla, por exemplo, foi feita pelo Governo do Estado. Nunca o Governo do Estado investiu tanto na cidade. Não era para as pessoas estarem tão insatisfeitas.
A senhora vê Euclério como um político de direita?
Ele mesmo se declara assim.
Mas acha que ele faz em Cariacica uma gestão tipicamente de direita? O que percebo é que, não como político, mas como gestor, ele tem passado bem ao largo de polêmicas e discussões ideológicas…
Ele faz discurso nesse sentido. Inclusive, ele fez [em outubro passado] uma mudança de partido, mas ele não mudou de pensamento. Quando ele sai do União Brasil para o MDB, ele quer indicar que está mais ao centro. Mas continua a mesma pessoa, com o mesmo pensamento de ausência de participação popular e de diálogo.
Sendo assim, na campanha eleitoral, a senhora vai apostar na polarização entre o candidato da direita e a candidata da esquerda?
Pretendo fazer uma discussão de um projeto para a cidade. Os eleitores querem conhecer propostas, e as nossas propostas se coadunam com o nosso pensamento, porque essas coisas não se separam: gestão democrática, retomar os orçamentos participativos, que não existem mais. As pessoas querem decidir como os recursos serão investidos e dizer quais são as prioridades para elas. Isso não tem que sair da nossa cabeça como gestores, mas de uma discussão com as comunidades. Então o que pretendo fazer é uma discussão de que é possível se fazer de modo diferente do que está sendo feito. Obviamente, vou apresentar propostas que se coadunam com o meu pensamento. E o meu pensamento é progressista. Sempre fui uma pessoa progressista.
Entretanto, pelo fato de Euclério estar agora no MDB, partido aliado do governo Lula, inclusive com alguns ministérios, a senhora receia que possa haver alguma interferência da direção nacional do PT no sentido de o partido apoiar a reeleição do atual prefeito?
Olha, estive na conferência eleitoral nacional realizada pelo PT nos dias 8 e 9 de dezembro, em Brasília. Quando a presidente Gleisi Hoffmann me viu, a primeira pergunta que ela fez foi: “Você vai ser a nossa candidata em Cariacica, né?”.
O que a senhora respondeu?
Respondi que, se eu tiver o apoio unitário de todas as tendências e o apoio do PT nacional, eu vou discutir isso. E ela então me encaminhou para o deputado federal Henrique Fontana [RS], que é a pessoa que vai acompanhar todas as candidaturas do PT no Espírito Santo em nome da direção nacional. Quanto ao fato de Euclério ter ido para o MDB… Sim, ele agora é do MDB, mas o deputado federal dele [Messias Donato, do Republicanos] vive fazendo fake news contra o Lula e votando tudo contra o governo no Congresso. Obviamente, os presidentes nacionais da federação sabem disso. Então “Ah, porque foi para o MDB, então agora é aliado do governo Lula”… Não existe isso.
Por falar na Federação Brasil da Esperança, sua pré-candidatura, como a senhora reiterou, já foi aprovada unanimemente na direção municipal do PT. Mas por acaso já foi discutida com o PV e o PCdoB, parceiros do PT na federação? Tem o apoio e a concordância deles?
A primeira coisa que preciso lhe dizer é que, por resolução nacional do PT, nas cidades com mais de 100 mil eleitores, a decisão final sobre candidatura majoritária compete à direção nacional do partido. Por que isso? Justamente para fazer uma discussão com os partidos da federação sem que as questões locais contaminem as decisões. O PV e o PCdoB sabem bem que nós vamos dialogar, mas a decisão final compete à direção nacional da federação. Por exemplo, o PV está lançando legitimamente uma candidatura, a do ex-vereador Heliomar Costa Novaes, que, aliás, foi meu aluno de História em uma escola estadual de ensino fundamental. O PV está na gestão do Euclério e teve o líder do prefeito na Câmara Municipal, o vereador César Lucas. Mas o processo de decisão sobre candidatura não será contaminado pelo fato de o PV estar gestão do Euclério, entende? O que será considerado pela direção nacional da federação, presidida pela Gleisi Hoffmann, é o tamanho de cada um. Quem teve mais de 60 mil votos na eleição municipal passada? Por isso não tenho preocupação de que “o PV e o PCdoB terão dois votos, logo nós seremos derrotados e não teremos candidatura”. A decisão não será nesse formato. Não existe essa aritmética. O que será levado em conta é o tamanho de cada um. Então eles vão plantando essas informações como se houvesse essa lógica aritmética, mas isso simplesmente não existe. O que vai determinar a decisão das direções nacionais é o peso político: qual é o tamanho da candidatura que vocês estão apresentando? E, nacionalmente, é essa a discussão que vamos apresentar.
Ok, mas isso já foi posto claramente pelo PT, em nível municipal, para o PV e o PCdoB?
Essa tarefa é da direção municipal. Eu não sou da direção. A direção do meu partido encaminhou à federação a nossa pré-candidatura e, lá na reunião da federação, o PV apresentou o nome deles. Colocaram as cartas na mesa. Então cabe agora à federação fazer esse diálogo. Mas tanto o PV como o PCdoB sabem que a decisão final não está aqui. Se houver consenso aqui, melhor: não precisaremos acionar a direção nacional da federação, cuja presidente é a Gleisi e cuja composição é proporcional ao tamanho de cada um dos três partidos. Em tese, o PT sozinho tem a maioria, pois é maior que os outros dois. Então essa não é uma preocupação.
Mas existem resistências dentro do PCdoB e, principalmente, do PV. Se não propriamente resistências, pelo menos a defesa de teses alternativas, como lançamento de outro candidato (Heliomar) ou até apoio à reeleição de Euclério. A senhora e o PT estão abertos a discutir tais alternativas?
Eu me pauto sempre pelo diálogo. E, no diálogo, você vai confrontar as teses. Qual o resultado dessa gestão que fere os princípios que nós defendemos na federação? Afinal, a federação tem princípios, e devemos nos reger por esses princípios. Obviamente, você tem questões locais. O vereador César Lucas, do PV, foi o líder do prefeito na Câmara. Mas todos os vereadores apoiam o prefeito, então…
Há alguma chance de o PT apoiar Euclério?
Não. Os princípios que norteiam a administração dele não se coadunam com os princípios que o partido defende, de transparência, de diálogo, de boa governança, de respeito ao diferente.
Ouço de alguns agentes políticos da cidade, principalmente no entorno de Euclério: “A Célia cresceu e angariou capital político na eleição de 2020, mas, em vez de usar esse capital como uma voz de oposição na cidade nos últimos anos, afastou-se da política de Cariacica”. Gostaria que a senhora comentasse.
O meu recuo foi no sentido das pancadas que levei da turma dele. Como lhe disse, tive até que abrir processo. A pessoa se elege, o papel dela é governar a cidade. A que não ganha tem qual papel? Acompanhar. E isso eu fiz. Mas levei muitas pancadas, que continuaram mesmo após a eleição de 2020, e precisei cuidar da minha saúde mental. Junto com isso, teve a questão do então presidente municipal do PT, o vereador André Lopes, que, sem discutir com o partido, levou o PT para a base do Euclério. Ele fazia as coisas da cabeça dele, sem discutir com ninguém, e assim o PT em Cariacica ficou paralisado por três anos. No ano passado, ele enfim deixou o partido e foi cuidar da vida dele, para parar de atrapalhar.
A senhora está morando em Cariacica? Foi uma polêmica na eleição de 2020…
Essa pergunta não é problema nenhum para mim. Meu endereço fica no bairro Rio Branco e tenho uma casa em Praia Grande [em Fundão]. Nunca escondi isso de ninguém. Sempre que posso, vou para Praia Grande. E terminamos o processo eleitoral de 2020 em meio à pandemia. Com aquela exposição toda, eu precisava me reerguer e me reequilibrar. E eu estava cuidando do meu pai, que estava com 92 anos. Sempre que pude, fiquei com papai em áreas mais abertas. Não tenho problema nenhum quanto ao meu endereço.
