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Coluna Vitor Vogas

Deputados querem gastar R$ 15 milhões a mais em emendas em 2024

Entenda a negociação iniciada entre a Assembleia e o Governo do ES, por que acredito que o segundo “cederá” e por que usei aspas em negrito no verbo

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Marcelo Santos fala sobre as emendas individuais em entrevista coletiva na Assembleia. Crédito: Ales

Era previsível. No último dia 29, o governador Renato Casagrande (PSB) enviou para a Assembleia Legislativa o Projeto de Lei Orçamentária Anual para o ano que vem. No mesmo dia, o secretário estadual de Planejamento, Álvaro Duboc, informou à imprensa que, na peça, o governo deixou um espaço de R$ 45 milhões a ser preenchido com emendas parlamentares dos deputados estaduais.

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Cada um dos 30, seja da base ou da oposição, terá direito a uma cota de R$ 1,5 milhão em emendas ao orçamento, podendo indicar ao Executivo como esse recurso será gasto em 2024. O valor é o mesmo praticado no orçamento de 2023, aprovado em dezembro do ano passado pela Assembleia.

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Nessa segunda-feira (9), dez dias após o anúncio de Duboc, foi a vez de o presidente da Assembleia, Marcelo Santos (Podemos), declarar à imprensa em entrevista coletiva no Salão Nobre da Casa: os deputados querem mais. Precisamente, mais R$ 500 mil por cabeça. Pleiteiam uma cota de R$ 2 milhões para cada parlamentar.

Multiplicando por 30 deputados, chegamos a um total de R$ 60 milhões e à diferença de R$ 15 milhões destacada no título deste texto, se eles alcançarem o que postulam – e desde já vou arriscar uma previsão: devem alcançar sem muita dificuldade.

Na coletiva de imprensa, a elevação do valor das emendas foi tratada por Marcelo como “mera correção” na peça orçamentária, que agora passa a tramitar na Assembleia, “insignificante” se comparada ao aumento do preço de equipamentos agrícolas nos últimos anos, mas “crucial na relação com os deputados”.

A referência ao custo de maquinário agrícola se deve ao fato de que os deputados em geral destinam grande parte da sua cota de emendas no orçamento estadual para a aquisição de tratores, retroescavadeiras, escavadeiras hidráulicas, secadores de café etc. direcionadas à zona rural. Isso vale tanto para os deputados que são do interior como para os da Região Metropolitana que também cultivam redutos em cidades menores a fim de ampliar sua base eleitoral (a exemplo do próprio Marcelo).

“Tendo em vista esse problema da elevação dos preços principalmente de equipamentos agrícolas, que é alvo da maioria das emendas parlamentares, é meramente uma correção, inclusive muito insignificante com relação à proporcionalidade do aumento do preço desses equipamentos. Então é corrigir de R$ 1,5 milhão para R$ 2 milhões”, afirmou Marcelo.

O presidente ainda comparou o valor das emendas dos deputados estaduais ao praticado por senadores e deputados federais na discussão do orçamento da União – muito embora este seja gigantescamente maior que o estadual.

“Há uma expectativa de ampliação desse valor, que é um valor muito simbólico em relação, por exemplo, às emendas dos deputados federais”, argumentou Marcelo.

“Temos autonomia para fazer esse debate, mantendo a relação institucional com o Executivo. Precisamos ter a autonomia para que o deputado, independentemente de sua posição com o Executivo, possa ter a sua atividade plena sendo exercida. E essa é uma forma de corrigir isso”, completou.

Destacando palavras como “autonomia” e “independência do Legislativo”, temperadas com “harmonia entre os Poderes” e “boa relação institucional”, Marcelo ressaltou que a Assembleia buscará chegar à elevação do valor das emendas em diálogo com o governo Casagrande, numa construção consensual. Acrescentou que, se necessário, ele mesmo vai entrar em cena:

“Ninguém está aqui fazendo uma guerra como está acontecendo agora em Israel. Lá não tem diálogo. Aqui nós temos diálogo. Se a Comissão de Finanças com a Casa Civil não avançar… aí eu posso entrar no processo, como chefe de Poder, e vou dialogar direto com o governador Renato Casagrande. Acredito eu, com a sensibilidade do governador e do chefe da Casa Civil [Davi Diniz], que isso é um passo que poderemos dar no diálogo, voltando a dizer que a autonomia agora é da Assembleia Legislativa.”

Em uma curta resposta enviada pela assessoria de imprensa da secretaria, a Casa Civil declarou que cabe aos deputados estaduais analisar e votar a proposta orçamentária e frisou precisamente o diálogo: “O Governo reforça que está à disposição para dialogar com os parlamentares”.

Um quê de encenação política

Voltando a Marcelo Santos, o presidente da Assembleia fez questão de salientar que, em princípio, durante a tramitação da peça orçamentária na Comissão de Finanças e no plenário, os deputados podem apresentar e aprovar quantas e quais emendas quiserem – o que, diga-se de passagem, vale não apenas para esse pedaço do orçamento tradicionalmente reservado pelo Executivo para os deputados definirem a destinação dos gastos.

Deputados, se assim quiserem e conseguirem aprová-lo em plenário, têm uma ampla margem de manobra para mexer no orçamento enviado pelo governo, podendo remanejar recursos de determinada fonte para outra área, mudar a alocação e a destinação de verbas etc.

Cabem, porém, algumas ponderações. Primeiro, quem executa o orçamento no ano seguinte é o Executivo. De nada serve aos deputados forçar a barra e aprovar um determinado volume de emendas parlamentares se, no ano seguinte, o Executivo simplesmente não estiver disposto a executá-las. O dinheiro não chegará ao destino desejado por eles. E as famosas “entregas”, tão valorizadas pelos parlamentares, não chegarão aos respectivos redutos.

Em segundo lugar, esse tipo de emendas parlamentares é, na realidade, uma “regra” não escrita em lugar algum. No Espírito Santo, o Executivo simplesmente não é obrigado a reservar espaço na peça enviada à Assembleia para cada deputado indicar como uma determinada cota da despesa será gasta no ano seguinte.

Ao longo dos anos, a prática tornou-se tradição e é mantida pelo Executivo como forma de ampliar e fidelizar sua base aliada no Legislativo, em um jogo de interesses políticos mútuos que costuma funcionar muito bem para todas as partes envolvidas.

Encarando a questão por esse ângulo, deputados não têm tanto poder de pressão assim nem estão em posição de exigir muito. Já estão “no lucro”, qualquer que seja o valor reservado a eles no orçamento.

Dito isso, parece-me que estamos diante de um iniludível jogo de cena. Acredito que o governo acabará “cedendo” ao pleito dos deputados e ampliando a cota individual, como eles querem. São mais R$ 15 milhões, e margem para isso, realmente, há. Na proposta elaborada pelo governo, a reserva de contingência, por exemplo, é considerável.

É bem possível, inclusive, que o governo já tenha “subestimado” a reserva para emendas deliberadamente, antevendo essa “negociação” agora publicamente deflagrada. Se tiver mesmo sido assim, o Palácio Anchieta já mandou um número “baixo” na “primeira proposta” de propósito, sabendo que a Assembleia pediria mais. Foi o que fez, aliás, no ano passado (leia abaixo).

Nesse caso, ao término da “negociação”, se as duas partes realmente chegarem a um número maior (como creio que farão), os dois lados farão uma bela figura diante dos respectivos públicos (que na verdade são o mesmo):

O governo Casagrande poderá passar aos deputados, ou reforçar entre eles, a imagem do Poder benevolente, que guarda a chave do cofre, mas valoriza a sua base, entende a importância da Assembleia e está disposto a ceder, magnanimamente, aos reclames dos parlamentares. Um governo flexível, sempre aberto ao diálogo, sempre pronto a fazer concessões se convencido por bons argumentos. O oposto de um governo intransigente.

Marcelo, por sua vez, poderá se arvorar em procurador dos interesses dos deputados, se arrogar os créditos pela “concessão” do governo e se firmar como o presidente que, na defesa do Poder Legislativo e dos colegas representados por ele, bateu o pé e foi à luta, até fazer o governo ceder. Reforça, assim, a própria base de apoio entre os seus na Assembleia.

O papel de Tyago Hoffmann

Segundo Marcelo, de agora em diante, Tyago Hoffmann (PSB) é quem “fará esse link com o Governo do Estado para que possamos ampliar as emendas parlamentares”.

Tyago é o presidente da Comissão de Finanças da Assembleia e assumiu a relatoria do orçamento no colegiado. Como relator, é ele quem vai receber e acolher ou rejeitar as emendas dos demais parlamentares no âmbito da comissão, antes de o projeto seguir para apreciação em plenário.

Vice-líder do governo na Assembleia, Tyago é um dos mais notórios aliados de Casagrande, além de seu correligionário no PSB. Mais que isso, é seguramente o deputado mais próximo do governador e mais diretamente associado ao Palácio Anchieta, tendo feito parte do secretariado de Casagrande em suas duas administrações anteriores.

A negociação relativa às emendas será uma negociação entre aliados – quase entre compadres políticos, poder-se-ia dizer.

E de onde sairá a grana?

Marcelo e Tyago Hoffmann não especificaram, neste primeiro momento, de onde sairão esses R$ 15 milhões a mais que terão de ser tirados de alguma parte do orçamento para cobrir a elevação das emendas conforme reivindicam os deputados. Mas há maneiras e meios, disseram.

É possível “movimentar dentro da própria peça orçamentária encaminhada pelo governo”, afirmou Marcelo. Ele citou o orçamento do DER-ES, ou o da infraestrutura em geral, como uma possibilidade já identificada.

A curiosa negociação no ano passado

O governo Casagrande já destina R$ 1,5 milhão em emendas individuais para os deputados desde o orçamento executado em 2022 (aprovado em 2021).

no Orçamento 2023, discutido no fim do ano passado, a história foi curiosa – e pode se repetir agora, como sugeri acima.

Na proposta orçamentária original, o governo Casagrande na verdade rebaixou o valor, reservando “só” R$ 1 milhão para cada deputado. O então presidente da Comissão de Finanças e hoje presidente do DER-ES, Eustáquio de Freitas (PSB), reclamou com o chefe da Casa Civil, Davi Diniz: os deputados queriam R$ 2 milhões.

E adivinhem só quem também participou dessa costura: ele mesmo, Marcelo Santos, então vice-presidente da Comissão de Finanças.

“Chegando a um meio-termo”, as duas partes concordaram em manter as emendas em R$ 1,5 milhão por deputado em 2023.

O principal argumento na ocasião foi o mesmo de agora: a inflação dos preços de equipamentos agrícolas após a pandemia do novo coronavírus.

O valor das emendas individuais nos últimos anos

2009: R$ 800 mil

2010: R$ 1 milhão

2011: R$ 1 milhão

2012: R$ 1 milhão

2013: R$ 1 milhão

2014: R$ 1 milhão

2015: R$ 1,2 milhão

2016: R$ 1,2 milhão

2017: R$ 1,2 milhão

2018: R$ 1,2 milhão

2019: R$ 1 milhão

2020: R$ 1 milhão

2021: R$ 1 milhão

2022: R$ 1,5 milhão

2023: R$ 1,5 milhão

2024: R$ 1,5 milhão (por ora)