Deputado acusa Muribeca de incitação à violência contra médicos

Hudson Leal e Pablo Muribeca. Fotos: Ellen Campanharo/Ales (25/03/2024)

“Venho trazer a violência contra os profissionais de saúde.” Assim, introduzindo o tema, começou o inesperado discurso do 1º vice-presidente da Mesa Diretora da Assembleia, o deputado Hudson Leal, na tarde de ontem (25). O fato de Hudson subir à tribuna já chama sempre um pouco a atenção, pois ele a usa bem comedidamente. Mas o que causou surpresa mesmo, desta vez, foi o teor e o alvo do discurso: Hudson acusou o deputado Pablo Muribeca de “incitação à violência” contra médicos e profissionais da saúde em geral, nas rondas noturnas feitas por ele em unidades de saúde localizadas no município da Serra.

Hudson é médico anestesista e é do mesmo partido de Muribeca, o Republicanos. Isso não o impediu de, ao fim do discurso, para surpresa ainda maior da audiência, conclamar os profissionais de saúde a votar contra Muribeca na eleição municipal deste ano:

“Profissionais de saúde da Serra, um recado: você que tem filho que trabalha nas unidades de saúde do município, seu filho corre risco! Agora aqui vou emitir uma coisa política: já sabemos em quem não vamos votar. Para trabalhar dessa maneira, imagine o horror que vai ser essa prefeitura. A Serra está no caminho certo.”

Muribeca é pré-candidato a prefeito e opositor da administração do prefeito Sérgio Vidigal (PDT), que no último dia 16 lançou seu chefe de gabinete, Weverson Meireles (PDT), como seu candidato à sucessão.

Desde os tempos de vereador da Serra, entre 2021 e 2022, Muribeca costuma realizar as chamadas “atividades de fiscalização” nos equipamentos de saúde da cidade, registrando e publicando em suas redes sociais, com estrondo e grande repercussão, problemas constatados por ele na qualidade do atendimento à população, como, alegadamente, lentidão e escassez de profissionais plantonistas. Não raro, médicos que atuam nos plantões em tais unidades reclamam de exposição indevida e constrangimento por parte do deputado enquanto estão em serviço.

Uma das recentes “batidas” de Muribeca ocorreu no Pronto Atendimento Pediátrico, anexo ao Hospital Materno Infantil, no bairro Colina de Laranjeiras. Na semana passada, acompanhado do vereador de oposição Darcy Júnior (Patriota), o deputado chegou de noite à sala de espera do hospital, usando o inseparável chapelão de vaqueiro e um colete com o brasão oficial da Assembleia, seu nome e a identificação “Fiscal do Povo”.

Em seu Instagram, é possível encontrar vários vídeos dessa visita surpresa, publicados por ele nos dias seguintes. Num deles, criticando diretamente Vidigal, Muribeca afirma que só havia dois médicos para dar conta de mais de cem pacientes esperando havia horas por atendimento. Agentes da Guarda Municipal já estavam no local, segundo ele, antes de sua chegada. O próprio Muribeca chamou a Polícia Militar, para “acompanhar a vistoria”. É possível ver alguns pais e mães bastante exaltados.

Segundo o relato de Hudson Leal da tribuna da Assembleia, uma filha dele, que é pediatra e estava nessa noite entre os plantonistas do PA Pediátrico, mandou mensagem para ele em desespero durante a “vistoria” de Muribeca e chegou a ir fazer exame de corpo de delito. Ainda de acordo com Hudson, havia sete médicos no plantão, e não dois, como alardeado pelo colega. O episódio foi objeto de debate na Comissão de Saúde e Saneamento da Casa. Muribeca é vice-presidente do colegiado, do qual Hudson também é membro efetivo.

“A minha filha foi fazer corpo de delito e eu vou até o final, porque você tem imunidade, mas incitar a violência não dá imunidade. Poderia ser uma filha, uma irmã, uma prima, uma parente de vocês. O médico não pode ser submetido a isso. Estudar por seis anos, ter três anos de residência e ser humilhado dessa maneira. Não podemos aceitar isso. Essa Casa de Leis não pode aceitar isso!”, exclamou Hudson. “Ela, por sorte, está viva. Mas aqueles que estavam naquele local, no Pronto Socorro Infantil, alguém poderia morrer.”

Segundo Hudson, médicos estão evitando dar plantão na rede pública de saúde da Serra porque estão se sentindo inseguros no ambiente de trabalho – implicitamente, por conta das batidas de Muribeca: “Você, morador da Serra, os médicos não querem dar plantão na Serra, e lá pagam bem. E por que não querem dar plantão? Porque eles têm insegurança”.

De acordo com Hudson, os médicos estão com medo de serem atacados pela população impaciente na sala de espera – implicitamente, incitada pela ação de Muribeca. “Quando você vai para a porta de uma unidade de saúde e diz que não tem profissional de saúde, você incita a população à violência”, disse ele. “O atendimento de pediatria é demorado. Não se pode fazer uma consulta de 10, 15 minutos. O médico estudou a vida toda para estar ali. Você está num plantão, e a população enfurecida querendo atacar os médicos que estão ali fazendo o seu trabalho, os técnicos em enfermagem, os enfermeiros, o pessoal da higienização, da portaria, da vigilância. Temos que ter tranquilidade.”

Ainda segundo Hudson, a situação tem afetado a saúde mental de alguns colegas. “Sempre vou defender os profissionais da saúde. Aqui eu não vou levantar bandeira de nenhum candidato. Minha rede social, não precisa nem existir, tenho mil seguidores e não quero nada, que apaguem, eu não preciso disso. Se for para ganhar eleição à custa de transformar profissional da saúde em doente mental, não vai ser comigo. O médico, o enfermeiro, o técnico de enfermagem têm o direito de descansar. Você não pode chegar e acordar o profissional de saúde no seu descanso. Isso é a lei trabalhista. Comigo não tem esse negócio de história… Eu não sou personagem. Sou um profissional de saúde e estou deputado.”

No painel do plenário, Hudson exibiu um vídeo que circula pelas redes sociais e aplicativos de mensagens desde o ano passado. “Esse é o primeiro vídeo que vou publicar. Os outros vocês vão chorar”, advertiu.

O título do vídeo é: “Conselho Regional de Medicina denuncia abusos do deputado Muribeca”. A legenda: “Médica chora e relata humilhação”. A médica em questão, referida por Hudson como Doutora Lorena, é autora de processo contra Muribeca. No vídeo, em reunião do Conselho Regional de Medicina (CRM), ela expõe seu caso para os presentes. Diz ter sido vítima de humilhação nas redes sociais por Muribeca nos tempos em que ele ainda era vereador e que a exploração do episódio por ele o ajudou a se eleger deputado estadual.

“Ele ganhou à custa de me humilhar”, diz a médica aos conselheiros. “Ele vai responder por tudo o que fez. Não dou mais plantão na Serra porque ele continua fazendo isso, invadindo a UPA da Serra. E agora, em cima de mim, ele ganhou para deputado estadual”, desabafa, emocionada, na reunião. Segundo Hudson, a médica está até hoje em tratamento de saúde.

O deputado interligou o caso da médica que processa Muribeca ao mais recente, ocorrido com sua filha: “Ela profetizou: ‘Outras coisas vão acontecer’. E por acaso aconteceu com uma filha minha. Não vou me calar! E, toda vez que for com mentira, eu vou vir aqui e vou falar”.

O deputado ainda pediu ao CRM e ao Conselho Regional de Enfermagem (Coren) para fiscalizarem a qualidade do serviço prestado nos equipamentos de saúde pública na Serra, inclusive no Pronto Atendimento Pediátrico, no Hospital Materno Infantil.

“Que o CRM fiscalize e, se estiver errado, este mesmo deputado vai vir aqui bater! Pode ter certeza! Já processei colega médico e, se estiver errado, vou vir aqui bater na gestão. Agora, bater no profissional de saúde, não vou aceitar. Isso é inadmissível, inconcebível! Se tiver que bater, bate no prefeito.”

A defesa antecipada de Muribeca

Muribeca saiu do plenário no momento em que Hudson foi chamado à tribuna para discursar. Mas, tendo discursado um pouco antes de Hudson, deu uma espécie de “resposta antecipada” às acusações que sabia que viriam.

“Na minha última fiscalização no Hospital Materno Infantil, vi lá mães sofrendo o abandono de uma gestão pública que não é capaz de colocar o número de médicos suficiente para atender no plantão. E esses médicos acabam por ser punidos, por vozes da população, que clamam por ter um atendimento digno, o mínimo atendimento que um ser humano merece e deve ter no Sistema Único de Saúde” afirmou Muribeca.

“Nessa última ida minha lá ao Hospital Materno, eu pude presenciar. E aí eu vejo a preocupação de alguns atores dizendo assim: ‘Nossa, Pablo, você incitou lá a população contra o médico…’ Não. Eu fui lá acalmar. Está no Boletim de Ocorrência. É só ler, aprender a ter informação, em vez de ficar destilando ódio e contando mentira, mentira, mentira, mentira, tudo para tentar derrubar um homem que se levanta em favor da população. Nós precisamos ter um olhar clínico para o povo também. Vamos defender o médico? Vamos! Mas e a população?”

Segundo Muribeca, Vidigal viria “destilando ódio” contra ele. “O prefeito, que é médico, vive me atacando, vive destilando ódio contra a minha pessoa. Se ele se dedicasse em fazer o bem à população como ele se dedica em tentar me destruir, a população da Serra estava amando o trabalho dele, mas não é isso que acontece. Enfermeiros sofrem, médicos sofrem, os seguranças sofrem, as meninas da limpeza sofrem.”

O parlamentar ainda argumentou que está há muito tempo “defendendo médicos, plantonistas”, mas viria sendo vítima de uma “falsa narrativa que tentam implantar no período eleitoral, uma prática eleitoreira de criar narrativas para tentarem destruir o cara que perturba os poderosos”.

“Pablo Muribeca hoje na Serra é vítima de ataques desses poderosos!”, discursou. “Esse povo é capaz de tudo pelo poder! Já me ameaçaram de morte, já tentaram de tudo! Essa turma tenta de tudo para se perpetuar no poder, e vão continuar tentando!”

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