Coluna Vitor Vogas
Análise: Casagrande pode começar a servir café e mocotó frio a aliados
Movimentação de aliados em direção a Pazolini nos últimos dias dá a dimensão do desafio que governador terá para sustentar a unidade de sua imensa coalizão
Em visível esforço para se popularizar através das redes sociais, adotando uma linguagem informal mais adequada ao meio e revelando cada vez mais sua faceta “gente como a gente”, o governador Renato Casagrande (PSB) tem feito alguns posts inusitados. Em sua versão influencer digital ou TikToker, em meio a inúmeros registros de suas participações (pra valer) em corridas de rua, sua equipe de comunicação lançou, há algumas semanas, uma espécie de “quadro semanal”.
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Toda sexta-feira de manhã, despindo-se do terno e da gravata (ou melhor, antes mesmo de vesti-los), o governador se deixa filmar na intimidade do lar, barriga colada ao fogão, preparando algum cardápio “diferente” para o seu café da manhã, com direito até a dois bordões: “Sextou, mas não sextarei” e “Tô no pique do Casão”, refrão de um funk gravado para ele – o mesmo que aparece estampado em sua camiseta e que até a Alexa da Amazon já repetiu para ele em um dos vídeos.
A estratégia de marketing tem sido bem-sucedida. Alguns dos posts têm alcançado mais de 10 mil curtidas. Já teve “queijo crocante com banana e canela”. Já teve “misto quente feito na ‘misteira raiz’”… Mas o “campeão” foi postado no dia 25 de outubro: o caldo de mocotó matinal, servido por Casagrande a si mesmo, com a ajuda de Dona Virgínia. Por volta das 5 horas da manhã, antes de voar para Brasília – onde assinaria o acordo do desastre de Mariana –, o governador em pessoa mexeu e tomou um caldo de mocotó, saboroso e quentinho, em pleno dejejum…
Passando do universo do Instagram para o político, do personagem popular das redes sociais para o líder que tem mais dois anos pela frente no comando do Estado, Casagrande se vê, no momento, diante de um grande perigo. É o mesmo risco que acomete qualquer governador como ele: bem avaliado e governando à frente de uma coalizão imensa, mas chegando à metade final do seu último mandato e impossibilitado de concorrer à reeleição.
O risco, para Casagrande, é o de começar a servir café frio, ou mocotó gelado, para seus aliados na cozinha do Palácio Anchieta.
Em outras palavras, com o fim das eleições municipais de 2024, com as atenções do meio político já todas voltadas para 2026 e com ele fora do páreo na próxima corrida ao Palácio Anchieta, Casagrande pode começar a ver sua própria influência diminuir gradualmente, inclusive sobre grandes aliados hoje reunidos ao seu redor – ou, mudemos o advérbio, ainda reunidos ao seu redor.
Não falo aqui, naturalmente, de influência administrativa. Casagrande segue sendo o homem mais poderoso do Espírito Santo – e assim seguirá, pelo menos, até abril de 2026. Refiro-me, de modo bem mais específico, a outro tipo de influência: a de natureza política, como articulador e referência, no que diz respeito aos arranjos de bastidores entre as forças político-partidárias, tendo em vista as próximas eleições estaduais e, inclusive, a própria sucessão.
A partir de agora, muitos dos seus atuais aliados podem começar a bater as asas e ir fazer seu ninho em outro lugar. A tendência é notadamente maior entre os aliados de Casagrande à direita, muitos dos quais saíram fortalecidos do último pleito municipal.
Arriscando aqui uma metáfora, a coalizão com que Casagrande se reelegeu em 2024 é tão grande que pode ser considerada um “continente político”, dividido em várias “repúblicas partidárias”. Suponhamos que esse grande continente seja tomado por um inaudito abalo sísmico. O terremoto pode levar uma grande porção do continente, aquela da costa leste (lado direito), a se desgarrar e formar um outro grande bloco de terra, autônomo: uma ilha de proporções continentais, formada só por partidos de direita.
Mas passemos a um plano mais concreto. Não estamos aqui só a especular ou a formular teorias. A poeira eleitoral mal se dissipou, as urnas mal foram guardadas, a “nova ordem” ditada por elas mal tomou forma, e aliados importantes de Casagrande já começaram a ensaiar um movimento de abertura de diálogo com outras forças que se movimentam fora do raio de influência do atual governador – numa velocidade de fazer inveja ao “ritmo do Casão”.
Para ser mais específico, esse deslocamento tem se dado em direção ao prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), notório adversário de Casagrande e, reconhecidamente, potencial candidato à sucessão do atual governador, externamente ao arco de alianças do próprio.
Nos últimos dez dias, o gabinete do prefeito de Vitória virou quase uma Meca para a peregrinação de vários aliados de Casagrande posicionados mais à direita. Nesta ordem, Gilson Daniel (Podemos), Euclério Sampaio (MDB), Eugênio Ricas (sem partido), Marcelo Santos (MDB) e José Esmeraldo (PDT) foram ao encontro de Pazolini, tiraram fotos com ele e fizeram questão de postar registros dos tête-à-têtes e teretetês com o desafeto de Casagrande.
Não sem certa dose de ironia, tudo isso está devidamente documentado, em textos e imagens, na mesma rede social em que Casagrande costuma publicar suas peripécias culinárias matinais, enquanto seus aliados estão indo, em fila, “tomar café com o inimigo”. O servido ali, no primeiro andar da PMV, está bem quente.
Na quinta-feira da semana passada (31), quatro dias após o encerramento de um processo eleitoral do qual ele mesmo e Pazolini saíram bem fortes, o deputado federal Gilson Daniel publicou foto de reunião a portas fechadas entre eles dois, além do presidente estadual do Republicanos, Erick Musso, articulador político-eleitoral de Pazolini e chamado por Gilson de “amigo”.
Parceiro antigo de Casagrande, o presidente estadual do Podemos se fortaleceu nas eleições municipais porque o partido dirigido por ele no Estado elegeu mais de dez prefeitos, incluindo os de Vila Velha, Viana, Linhares e São Mateus, e vai governar mais de 1 milhão de capixabas a partir de janeiro.
“Dialogando sobre Vitória e colocando o nosso mandato à disposição do prefeito @lorenzopazolini para auxiliarmos na captação de recursos e no desenvolvimento da Capital!”, registrou Gilson Daniel na legenda da foto eloquente.
Pazolini respondeu assim ao post: “Amigo, obrigado pela visita. Dialogando, com sensibilidade, amor e empatia, avançaremos ainda mais, cuidando de todos os capixabas”.
Pazolini chamou de “amigo” Gilson, que chamou de “amigo” Erick. Uma rede de “amizades” foi tecida…
Ainda na quinta-feira (31), o prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio, aliado forte de Casagrande a apoiado pessoalmente pelo governador em sua reeleição, também foi ao encontro de Pazolini. Assim como Gilson Daniel, Euclério saiu mais forte das últimas eleições, por ter sido reeleito com quase 90% dos votos válidos na terceira cidade mais populosa do Estado.
Como provam a foto e a legenda publicadas por Euclério, outros dois participaram do colóquio: “Com meus amigos Eugênio Ricas, Pazolini e Perovano”.
O último é o empresário Antonio Perovano, muito próximo a Pazolini. Ricas é aquele mesmo: o ex-superintendente regional da Polícia Federal no Espírito Santo, secretário estadual de Segurança Pública por seis meses no governo Casagrande este ano. Atualmente, o delegado federal assessora o colega de distintivo Waldecy Urquiza, eleito ontem para o cargo de secretário-geral da Interpol durante a 92ª Assembleia Geral da organização, conforme postagem feita ontem mesmo pelo próprio Ricas.
No dia seguinte, sexta passada (1º), foi a vez de Erick, “no ritmo do Casão”, sextar ao lado de Pazolini e Euclério, postando foto com os prefeitos de Vitória e de Cariacica. Ao estilo Casagrande, legendou: “Sextouuuu, construindo pontes e dialogando entre amigos”.
A “ponte” a que Erick se refere não é uma nova ligação viária entre a ilha de Vitória e Cariacica, além da Segunda Ponte…
Já na última segunda-feira (4), Erick publicou foto de encontro entre ele, Pazolini e o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (União Brasil), também no gabinete do prefeito de Vitória. O presidente estadual do Republicanos anotou: “Segunda-feira de muito diálogo!!!”
Correligionário de Erick e Pazolini e parceiro eleitoral dos três na última disputa na Serra, o deputado estadual Pablo Muribeca comentou: “Grandes líderes”. Pazolini, por sua vez, escolheu ser meigo: respondeu ao post com emojis de carinhas com olhos de coraçõezinhos.
No mesmo dia (e na mesma postagem), quem também visitou Pazolini foi o deputado estadual José Esmeraldo (PDT), aliado e integrante da base de Casagrande na Assembleia.
Quem é quem nessa peregrinação
Sem filiação partidária, o delegado federal Eugênio Ricas mantém boa relação com Pazolini, delegado licenciado da Polícia Civil. Em 2022, esteve a um palmo de se filiar ao PSD e concorrer a governador do Estado, contra Casagrande e pelo grupo de Paulo Hartung (incentivador de Pazolini), mas refugou a tempo. Preferiu seguir a carreira como agente de segurança.
De fevereiro a agosto deste ano, Ricas voltou a colaborar com Casagrande, como secretário estadual de Segurança Pública. De política e candidatura, diz não querer mais saber. Chegou a declarar a este espaço que sua não candidatura em 2022 foi um “livramento” para ele. Mas, na coletiva de apresentação de Ricas como seu novo secretário de Segurança em fevereiro, o próprio Casagrande não chegou a descartar um futuro político para ele. Sinalizou querer atraí-lo para seu grupo político. Agora, parece não ser o único…
Euclério Sampaio, se não for ele próprio candidato, quer no mínimo ser um player importante na próxima eleição para o Governo do Estado. Interessa-lhe, certamente, ampliar seu leque de potenciais aliados – não necessariamente inseridos no grupo liderado por Renato Casagrande.
Gilson Daniel, idem. Um fator extra no caso do deputado é que ele anda muito insatisfeito, não é de hoje, com o espaço concedido ao Podemos no governo Casagrande, para ele não condizente com o tamanho do partido – ainda mais vitaminado no último processo eleitoral.
Na concepção de Gilson, o Podemos na verdade não tem representação partidária no secretariado de Casagrande desde a saída de Alexandre Ramalho da Sesp, no fim de janeiro. A secretária de Governo, Emanuela Pedroso, é do Podemos, mas Gilson a considera da “cota pessoal” de Casagrande.
Isso é discutível? É. Pode-se argumentar o contrário. Emanuela, afinal, chegou à equipe de Casagrande por indicação do próprio Gilson, ainda em 2021, quando ele se tornou secretário estadual de Governo, enquanto Ramalho já era chefe da Sesp muito antes de se filiar ao Podemos… Mas o que vale aqui, a rigor, é o ponto de vista de Gilson: o presidente estadual do Podemos não está satisfeito com o espaço ocupado pelo partido no governo Casagrande. Ponto.
Quanto a Marcelo Santos, aliado histórico de Casagrande, efetuou uma série de movimentos próprios, à margem do Palácio Anchieta, na última eleição municipal, em alguns casos se chocando frontalmente com interesses de Casagrande e seu grupo. O melhor exemplo foi sua tentativa frustrada de tomar o União Brasil de Felipe Rigoni, entre abril e julho. Em Vitória, Marcelo apoiou Pazolini; na Serra, ficou com Muribeca. Nos dois casos, perdendo ou ganhando, ficou em palanque que não era o de Casagrande.
Na eleição para a presidência da Mesa Diretora da Ales, Marcelo é candidato à reeleição. Em 2023, para chegar lá, foi francamente apoiado pelo governador. Com relação à próxima, Casagrande não se posicionou, pelo menos não ainda, em favor de sua reeleição. A este espaço, disse que seu governo terá posição sobre o tema, mas somente no mês de janeiro. A eleição da Mesa ocorre em 1º de fevereiro.
Finalmente, José Esmeraldo pertence à base de Casagrande, mas também apoiou a reeleição de Pazolini. Está filiado ao PDT, partido de centro-esquerda pertencente à base governista. Mas é político muito mais de direita e só entrou no PDT circunstancialmente, na janela para deputados em 2022, porque a chapa então lhe convinha. Não tem vínculo real com o partido de Vidigal – este, sim, aliado que se mantém leal a próximo a Casagrande.
Em conclusão…
Todas essas movimentações, aparentemente prematuras, podem não passar de blefes, podem ser somente recados (para o próprio governador, inclusive), podem ser uma tentativa desses atores de ampliar seu próprio escopo de opções e o leque de forças com quem podem vir a firmar alianças… mas podem ser também um princípio de desembarque, de “libertação” da órbita de Casagrande.
Aproximando-se de Pazolini e do Republicanos, partidos como o Podemos podem querer deixar de ser satélites girando em torno do Planeta Casagrande (gravitando ao redor do atual governo).
Esse conjunto de acenos pode ser interpretado, também, como um sinal importante de que Pazolini, mais que um “novo líder estadual” (cito aqui Paulo Hartung), pode estar começando a se consolidar como um novo centro de atração gravitacional para as forças políticas de direita no Espírito Santo, as quais já começam a se rearrumar visando à sucessão do fazedor de mocotó matinal.
Sobre esses novos arranjos em gestação e essa reacomodação de forças, discorreremos melhor em nossa próxima análise aqui.
Em tempo: o café da madrugada
Casagrande conta com a valiosa ajuda da primeira-dama, Dona Virgínia, para fazer o mocotó, o queijo crocante com banana e canela e todas as ousadas iguarias matinais daquele dejejum fagueiro e sexteiro que só os estômagos mais fortes são capazes de encarar. Mas o café propriamente dito, aquele da garrafa térmica, quem faz questão de fazer é o próprio Casagrande. Dona Virgínia em pessoa o atestou em entrevista à colega Dani Kunsch, na Rádio BandNews, no último sábado (2).
Mas o negócio é que o homem passa o café antes das 5 horas… Por melhor que seja a garrafa térmica, difícil conseguir mantê-lo quente até de tarde…
Talvez por isso aliados estejam indo tomar café quente em outras bandas.
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