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Coluna Vitor Vogas

A raríssima façanha alcançada por Marcos do Val em poucos dias

Senador conseguiu, a um só tempo, comprometer Bolsonaro, contrariar bolsonaristas, fustigar o governo do PT e, de quebra, motivar uma canetada de Moraes contra ele mesmo. Com isso está cavando a própria cova do isolamento político. Confira a nossa análise completa

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Senador Marcos do Val

Marcos do Val afirmou que foi coagido pelo Bolsonaro sobre um plano de golpe. França/Agência Senado

“Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas”, ensina Sun Tzu. Não precisa ter lido A arte da guerra, tampouco ser um grande estrategista militar ou político, para saber que, tanto nos campos de batalha como nas disputas por poder, não se deve guerrear em muitas frentes nem contra vários inimigos de uma vez.

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É preciso escolher seus inimigos, saber quem eles são e, uma vez definidos, buscar conhecê-los bem. Como ex-soldado do Exército, Marcos do Val deveria ter essa noção.

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Entre os inesgotáveis questionamentos suscitados pelo comportamento errático de Do Val desde a madrugada da última quinta-feira (2), um dos maiores é: como ele conseguiu, a um só tempo, comprometer Jair Bolsonaro, contrariar bolsonaristas, fustigar o governo do PT e, de quebra, motivar uma canetada de Alexandre de Moraes contra ele mesmo?

É algo que desafia qualquer noção de estratégia política. Ou tem um motivo muito misterioso, intangível para qualquer um de nós, ou simplesmente carece de explicação lógica.

O conjunto da obra de Do Val pode lhe render complicações jurídicas, mas também de natureza política. A maior delas: o autoisolamento.

No cenário polarizado ao extremo que emergiu das urnas em 2022, refletido no novo Senado, Do Val conseguiu a façanha de isolar a si mesmo ainda mais, pois fez inimigos de todos os lados.

Se as eleições de outubro provaram algo a todos nós é que não há espaço, hoje, na política brasileira em geral e em especial no Congresso, para quem não se posiciona claramente nesse quadro de total dicotomia: ou você está do lado do governo Lula – mesmo não sendo lulopetista – ou está na oposição ao governo e mais próximo ao bolsonarismo – ainda que não de todo identificado com o ex-presidente e sua ideologia de extrema direita.

Nas urnas, visivelmente, os eleitores brasileiros priorizaram candidatos com esse perfil, insuspeitamente alinhados com um dos dois lados em disputa. Postulantes a cargos legislativos com posição mais moderada, situados entre os dois extremos político-ideológicos e donos de discurso crítico a ambos, não tiveram a mínima chance. Foram desprezados pelos eleitores e muito maltratados pelas urnas, sucumbindo a essa polarização.

O centro foi engolido no processo e, momentaneamente, respira com dificuldades. Na política brasileira atual, inclusive no Congresso – aliás, sobretudo ali –, é preciso escolher um lado.

> Análise: Marcos do Val e sua irresistível vocação para a autossabotagem

A de Do Val era óbvia, né?

No caso de Do Val, a escolha parecia mais que óbvia – até porque, na verdade, por mais que ele relute em admitir, já estava e sempre esteve feita.

Não havia a menor condição de ele, logo ele, de repente surgir como aliado e membro da base do governo Lula no Senado.

O senador é um notório antagonista e inveterado crítico não só do PT, mas da esquerda em geral e de pautas associadas a esse campo ideológico, como a do desarmamento civil.

Uma rápida percorrida em suas redes sociais não deixa dúvida. Basta descer a barra de rolagem para deparar com posts criticando, atacando ou fazendo provocações a Lula, alguns dos quais contendo desinformação.

Mais que um crítico, Do Val é um militante de direita antipetista e anti-Lula, convicto e atuante – além do óbvio ululante: é um armamentista praticante. Podemos marcar a casinha “bolsonarista” então, né?

Aí é que tá.

Num caso para análise no divã, de conflito de identidade (ou esquizofrenia política), o senador insiste em negar o óbvio para o público – e, ao que parece, para si mesmo. E, como ensina Sun Tzu, é preciso antes de tudo conhecer a si mesmo.

Ele nega ser bolsonarista, mas suas posições e declarações afirmam o contrário. Aliás, gritam-no.

Ao longo de todo o governo Bolsonaro, em seus primeiros quatro anos no Senado, Do Val defendeu com paixão e afinco algumas das bandeiras mais caras ao governo e ao bolsonarismo, como o armamento civil (“é escancarar a qüestão”, diria o Jair) e a cloroquina – só faltou o nióbio.

O senador que nega ser bolsonarista chegou a Brasília em 2019 erigindo-se praticamente em porta-estandarte da política armamentista que foi carro abre-alas da campanha de Bolsonaro à Presidência em 2018 e do governo do capitão da reserva.

> Análise: por que do Val complicou Bolsonaro (e a si mesmo) como nunca antes? 

Durante a CPI da Pandemia, na condição de membro suplente, foi um dos mais ardorosos defensores do uso da hidroxicloroquina contra a Covid-19. Isso sem mencionar uma série de posts defendendo a droga ineficaz para a doença, com direito a testemunho pessoal, além de participações em lives com médicos, promovidas pelo empresário Carlos Wizard. Chegou a dizer que “tratamento precoce salva vidas”.

Como se tudo isso fosse pouco, há os ataques ao STF desferidos pelo senador que agora arvora-se em grande democrata e muito próximo a Moraes. Quem o afirma é o mesmo senador que, em 2019, chegou a assinar pedido de impeachment em face de Moraes e do também ministro do STF Dias Toffoli. Em outubro de 2019, ele chegou a publicar no Instagram que o STF é o “departamento jurídico do crime” no Brasil, em postagem depois apagada.

Nem é preciso dizer que atacar o STF e tratar seus integrantes, notadamente Moraes, como inimigos públicos da nação, é o esporte número um de Bolsonaro e dos bolsonaristas, culminando com a depredação da sede do Supremo no dia 8 de janeiro.

A propósito, a não comprovada tese de que haveria adversários de Bolsonaro infiltrados entre os terroristas chegou a ser alimentada por Do Val.

Como cereja do bolo, o senador jura que estava prestes a ingressar no PL, o partido de… Bolsonaro… “mesmo não sendo bolsonarista”.

Em suma, não cabia a menor dúvida quanto ao lado de Do Val nesse tabuleiro político. Era o lado que lhe restava, o único que lhe cabia, o lado em que ele deveria ter se agarrado e se aprofundado para salvar sua carreira política.

Mas eis que o senador…

Eis que o senador, contra todas as expectativas – após ter ajudado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) a reeleger-se presidente do Senado e ser atacado pelo MBL como “traidor” – surpreende o país inteiro ao colocar o próprio Bolsonaro em uma fogueira sem precedentes, a maior em que o ex-presidente já esteve antes, durante e depois do seu governo: em live com o próprio MBL na calada da madrugada, dá a declaração que parou o Brasil.

Primeiro, desabafa: “Eu ficava puto quando me chamavam de ‘bolsonarista’!”

Aí, para “provar” de uma vez por todas que “não é bolsonarista”, dispara a ogiva: “Eu vou soltar uma bomba aqui pra vocês: sexta-feira vai sair na Veja a tentativa do Bolsonaro de me coagir para dar um golpe de Estado junto com ele”.

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De fato, na dita entrevista à Veja, Do Val comprometeu ainda mais o ex-presidente. Antecipando para quinta a publicação, a revista trouxe declarações do senador – transcrições e até áudios originais – em que ele implica diretamente Bolsonaro no malfadado plano golpista, como protagonista e autor da ordem.

Bolsonaro, na reunião com ele e com Silveira, teria sido a pessoa que lhe apresentou o plano e lhe ditou a “missão” – grampear Moraes para derrubá-lo –, da qual ele “declinaria” poucos dias depois.

A operação “abafa” foi rápida. Já na manhã de quinta, após receber contatos de Flávio e Eduardo Bolsonaro – os filhos 01 e 03 do ex-presidente –, Do Val começou a alterar a sua versão, principalmente em um ponto central: o grau e a natureza da participação de Bolsonaro na tramoia.

Ao longo do dia, em uma série de entrevistas e em depoimento à Polícia Federal, foi atenuando paulatinamente o envolvimento do então presidente. Por qualquer que tenha sido o motivo, se de caso pensado ou por “pressão” do clã Bolsonaro (para dizer o mínimo), o fato é que ele tratou de reduzir, ao menos parcialmente, os danos ao ex-presidente.

Mas o estrago já estava feito.

Já estava feito por ele mesmo, por livre e espontânea vontade. Ninguém o obrigou a dar a entrevista à Veja. Ninguém o forçou a fazer a live e falar o que falou na internet, para o mundo inteiro. Diante disso, uma pergunta se impõe:

Por quê?!?

Por que um senador anti-Lula até o último fio do bigode, alinhado com pautas bolsonaristas e cuja única esperança de se manter minimamente relevante na cena política em Brasília era colar ainda mais no bolsonarismo, por que esse senador resolve, do nada, lançar uma “bomba” (palavra dele) no peito do próprio Bolsonaro, com potencial de ferir de morte politicamente o ex-presidente?

Não dá para entender. A jogada de Do Val soa ainda mais absurda, ilógica, incoerente, se acrescentamos um detalhe trazido a público também por ele mesmo: o de que ele havia sido convidado pelo próprio Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, para ingressar no partido de Bolsonaro.

Então acresça-se: por que um senador anti-Lula até o último fio de bigode etc. etc. e ainda por cima com um pé no PL, na iminência de se filiar ao partido do ex-presidente e de entrar oficialmente na bancada bolsonarista, dá espontaneamente esse tiro de canhão em Bolsonaro? Ele não viu que as duas coisas eram inteiramente incompatíveis?!?

Não é possível…

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Se ele estava prestes a se filiar ao PL, essa porta possivelmente foi fechada agora para ele… por ele mesmo.

Como desistiu de desistir do mandato, Do Val há de permanecer no Senado nos próximos tempos… Mas corre o altíssimo risco de cair no limbo, virar um pária político. Talvez responda a um processo por quebra de decoro na Comissão de Ética do Senado.

Enquanto isso ficará por ali, esmagado de um lado pela bancada governista e do outro pela bolsonarista (como aquela cena do Indiana Jones, das paredes que se fecham por todos os lados). Vai ser tipo isso a sua vida.

Conseguiu ficar malvisto e malquisto por todos e despertar a confiança geral. Nisso, gerou consenso entre lulistas e bolsonaristas… o que, justiça seja feita, não é para qualquer um.

É preciso reconhecer-lhe a proeza.


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