Coluna Vitor Vogas
Afinal, por que a pasta de Turismo perderá tantos recursos no Estado?
As múltiplas respostas emitidas por agentes do governo Casagrande desde a apresentação do Orçamento 2024 e a explicação definitiva da Setur; a resolução da Assembleia de “corrigir essa distorção”

Governador Renato Casagrande (ao centro) durante o ato de entrega da obra de “engordamento” da orla de Meaípe, em Guarapari. Bem atrás dele, o secretário estadual de Turismo, Weverson Meireles. Crédito: Rodrigo Zaca/Governo-ES (02/09/2023)
Destacado em primeira mão pela coluna durante a apresentação do orçamento estadual para 2024, no dia 29 de setembro, um dos dados que mais chama a atenção na proposta do governo Casagrande (PSB) é a forte retração da verba destinada à Secretaria de Turismo (Setur) de um ano para o outro.
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No Orçamento 2023, aprovado no ano passado e executado este ano, o quinhão da Setur é de R$ 34,2 milhões. Já para o próximo ano, o governo só reservou R$ 16,8 milhões para a pasta. Isso corresponde a uma redução de mais da metade do valor. Proporcionalmente, a queda de 50,9% é, de longe, a mais elevada dentro do orçamento de uma mesma pasta.
O decréscimo acendeu um alerta, pois, em primeira análise, contradiz completamente o discurso oficial do Governo do Estado. O próprio governador sempre destaca a necessidade de o Espírito Santo desenvolver o turismo como atividade econômica e fonte de divisas para ajudar o Estado a compensar a possível perda de receitas decorrente da reforma tributária nos próximos anos.
O discurso é ecoado por aliados do Palácio Anchieta. Nessa terça-feira (10), em entrevista ao EStúdio 360, o prefeito de Ibatiba, Luciano Pingo (sem partido), presidente da Associação dos Municípios do Espírito Santo (Amunes), concluiu assim a resposta a uma pergunta nossa sobre a reforma tributária:
“Uma das bandeiras que a Amunes tem defendido com o Governo do Estado é incentivar o turismo no Espírito Santo, para que a gente possa criar outras oportunidades após o impacto da reforma tributária.”
Notem bem: a pergunta foi mais genérica, acerca da reforma tributária, mas o prefeito mencionou a atividade turística de maneira espontânea e específica.
Desde a divulgação da peça orçamentária, a repercussão do “corte” tem sido tamanha que, em coletiva de imprensa realizada na última segunda-feira (9), o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (Podemos), anunciou que a Casa pretende corrigir essa “distorção” (palavra dele), elevando o orçamento da Setur em 2024, no mínimo, ao patamar do atual exercício: pelo menos, R$ 34,2 milhões.
Para isso, mais de R$ 17 milhões terão de ser remanejados de outras áreas na peça.
Marcelo entende, porém, que se trata de uma questão de “justiça com o próprio Espírito Santo”, já que a atividade turística desponta como um meio de aumentar a arrecadação estadual nos próximos anos com o ICMS recolhido sobre serviços no destino, compensando parcialmente as perdas esperadas para o Estado com a reforma tributária.
“É o papel da Assembleia. Estamos dando foco ao turismo no Espírito Santo como uma fonte que vai equilibrar ou tentar amenizar os prejuízos que vamos sofrer com a reforma tributária. Temos que dar atenção e potencializar essa área. Por mais que haja algumas secretarias que já exercem alguma atividade complementar à Secretaria de Turismo, como obras que vão potencializar o turismo do Espírito Santo, não podemos deixar que o orçamento da Secretaria de Turismo fique esvaziado. Ela tem que ter a capacidade ainda maior diante desse cenário negativo com a reforma tributária”, defendeu o presidente do Legislativo.
Ele completou:
“No meu entendimento, a reforma é importante para o Brasil, mas nós, capixabas, sairemos perdendo num primeiro momento. E o próprio governador fez uma manifestação, apoiada pela Assembleia, de que o turismo seria uma grande fonte de compensação. Nesse caso, temos que corrigir essa distorção na peça orçamentária, ampliando os investimentos na Setur, para que possamos garantir que o turismo tenha uma força inclusive para promover o crescimento da arrecadação, para compensar o que possivelmente vamos perder com essa reforma.”
Simbolicamente, o presidente da Comissão de Turismo, Coronel Weliton (PTB), compôs a mesa da coletiva de imprensa, ao lado de Marcelo e do presidente da Comissão de Finanças, Tyago Hoffmann (PSB).
AFINAL, O QUE EXPLICA A TESOURADA?
A primeira resposta de Duboc
Quando buscamos apurar e entender o porquê de tamanha redução, têm surgido alguns ruídos. Desde o dia 29 de setembro, fontes governistas transmitiram versões diferentes que, se não são conflitantes, são complementares – mas, no segundo caso, a resposta foi chegando aos pedaços.
Logo na coletiva para a apresentação do Orçamento 2024, ante o primeiro questionamento da coluna, o secretário estadual de Economia e Planejamento, Álvaro Duboc, respondeu que sua equipe decidiu cortar o orçamento da Setur ao concluir que a pasta não conseguiu executar uma série de ações de infraestrutura previstas para este ano – especificamente, estradas no interior chamadas “Caminhos do Turismo”.
“No orçamento deste ano, tínhamos a previsão de fazer várias rotas do turismo, que seriam o ‘Caminhos do Campo’, só que na verdade eles chamam de ‘Caminhos do Turismo’. Só que a Setur acabou não conseguindo executar isso neste ano de 2023. Então a nossa equipe, analisando a capacidade de execução, reduziu esse valor de investimento. Para o próximo ano, temos a previsão de fazer dois trechos, que estão contemplados na proposta orçamentária”, justificou o secretário.
“Não tem redução de orçamento em promoção do turismo. Tem redução de orçamento com relação aos investimentos de infraestrutura que a pasta tinha previsto para este ano e não realizou. Quando alocamos o orçamento, olhamos também como as secretarias estão executando o orçamento dentro de 2023. Não adianta eu cristalizar um orçamento para o próximo ano e ela continuar não executando, como não executou neste ano.”
As palavras do secretário deixaram a primeira impressão de que a programação de investimentos para a Setur não fluiu ao longo deste ano. Algo teria travado.
A segunda resposta de Duboc
Já em entrevista ao telejornal EStúdio 360 exibida na última segunda-feira (9), o mesmo Duboc destacou a não consumação de uma operação de crédito com o BID da ordem de R$ 10 milhões para a implantação de um programa chamado Prodetur (Programa de Desenvolvimento do Turismo).
“Na Lei Orçamentária de 2023, tinha uma previsão de captação de recursos junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, um Projeto chamado Prodetur, em torno de R$ 10 milhões. Então esse valor estava lá no orçamento do Turismo, mas não se concretizou, não se materializou. Essa operação de crédito não é uma atividade que depende somente da Secretaria de Turismo. Depende do próprio BID e da tramitação junto ao Governo Federal.”
O Governo Estadual esperava assinar esse contrato em 2023, mas a expectativa não se confirmou. “Então tiramos isso no orçamento de 2024 e colocamos um valor menor. Tinha previsão de R$ 10 milhões e colocamos uma previsão de apenas R$ 1 milhão. É evidente que, se esse contrato for assinado com o BID, esse orçamento será suplementado a partir do ingresso desses recursos nos cofres do Estado”, afiançou Duboc.
A resposta de Tyago Hoffmann
Também na última segunda (9), na já citada coletiva de imprensa na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Tyago Hoffmann, relator do Orçamento 2024 na Comissão de Finanças, destacou, como Duboc, a frustração do financiamento previsto junto ao BID:
“No Orçamento 2023, foram previstos R$ 10 milhões de captação de recursos. No Projeto de Lei Orçamentária de 2024, a rubrica captação de recursos foi mantida, mas só tem R$ 1 milhão previsto. Depois, caso capte recursos, o governo pode encaminhar para cá um pedido de autorização para suplementar o orçamento. Só nessa rubrica, diminuiu R$ 9 milhões.”
As ressalvas de ambos
Com discurso visivelmente alinhado após o ruído inicial, tanto Duboc como Hoffmann fizeram as mesmas ressalvas nas respectivas entrevistas: o turismo é “atividade transversal”, pode-se investir em turismo usando-se recursos de outras pastas e não se pode confundir “investimento em turismo” com “orçamento da Setur”.
“Não são somente os investimentos que estão na Secretaria de Turismo que geram desenvolvimento e potencializam o turismo no Espírito Santo”, ponderou Duboc no EStúdio 360, citando alguns exemplos:
“Nós fizemos um investimento, através do DER-ES, no engordamento da Praia de Meaípe. Isso efetivamente é uma atividade para o turismo. Quando nós implantamos o aquaviário em Vitória, essa é uma atividade que melhora a mobilidade urbana, mas também é uma atividade turística. Nesta semana, o governador deu uma ordem de serviço de um trecho do contorno do Parque do Caparaó. Também é investimento no turismo.”
Por sua vez, Hoffmann ressalvou que “uma parte significativa do orçamento do turismo não está dentro do orçamento da Secretaria de Turismo”. E usou rigorosamente o mesmo exemplo dado por Duboc (a obra do engordamento da praia de Meaípe, feita com o orçamento do DER-ES), em mais uma evidência de que houve alinhamento de discurso entre aliados do governo – terá sido tema de reunião ou, no mínimo, assunto no grupo do Palácio Anchieta no zap.
O deputado citou, ainda, o calçamento de rotas turísticas no interior, com verba do orçamento da Secretaria de Agricultura.
A foto que abre esta coluna retrata exatamente o ato de entrega da obra de engordamento da orla de Maruípe, no dia 2 de setembro. Ao redor de Casagrande, veem-se Tyago Hoffmann; o prefeito de Guarapari, Edson Magalhães; o secretário estadual de Turismo, Weverson Meireles; a primeira-dama, Virgínia Casagrande; e o diretor-presidente do DER-ES, Eustáquio de Freitas.
A resposta oficial da Setur
Para obter uma explicação definitiva, a coluna pediu um posicionamento oficial por parte da própria Setur, comandada desde o início do ano pelo presidente estadual do PDT, Weverson Meireles, indicado pelo prefeito da Serra, Sérgio Vidigal (PDT).
A resposta veio por meio de uma nota bem completa, que pode ser condensada em três pontos:
1) Confirma a versão de frustração no empréstimo do BID esperado para 2023 para desenvolvimento do Prodetur;
2) Reitera que atividade turística é “transversal”, valendo-se de recursos alocados em outras secretarias e órgãos no orçamento estadual;
3) Fornece um dado novo: o orçamento específico da Setur em 2024 ainda será acrescido das emendas individuais apostas por deputados estaduais que sejam direcionadas para a área. A princípio, cada um dos 30 terá a prerrogativa de alocar R$ 1,5 milhão no orçamento em emendas. Só no Orçamento 2023, o valor de tais emendas para a Setur chegou a R$ 5,2 milhões.
Matematicamente, de fato faz sentido: R$ 16,8 milhões (previsto em 2024) + R$ 9 milhões (empréstimo que não veio em 2023) + R$ 5,2 milhões (emendas não acrescidas) = R$ 31 milhões. Fica bem perto dos R$ 34,2 milhões da Setur no Orçamento 2023.
A NOTA DA SETUR NA ÍNTEGRA
O Governo do Estado, por meio da Secretaria do Turismo, esclarece que a diferença na dotação orçamentária para a pasta entre o Orçamento 2023 e o Projeto da Lei Orçamentária (PLOA) 2024 se deve, em grande medida, à redução da receita de operação de crédito prevista.
Isso porque a peça orçamentária 2023 previa a captação de R$ 10 milhões em recursos junto a organismos multilaterais para o Programa Nacional de Desenvolvimento e Estruturação do Turismo (PRODETUR). Já no PLOA 2024, o valor previsto para operação de crédito para a pasta é de apenas R$ 1 milhão. Destaca-se que se trata de expectativas de captação de recursos e não de recursos do Tesouro.
É necessário considerar ainda que o Orçamento 2023 já engloba os recursos de emendas parlamentares, cujo valor chegou a R$ 5,2 milhões destinados exclusivamente ao Turismo. A definição deste recurso, porém, será resultado da discussão que acontece atualmente na Assembleia Legislativa no que diz respeito à apreciação do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2024, tendo sua definição apenas após a devida aprovação da peça.
A Setur destaca ainda que a atividade turística é transversal, não sendo de exclusiva execução por parte da secretaria. Obras e diversos projetos executadas por outros órgãos do Governo do Estado compõem e robustecem as ações e recursos destinados ao aprimoramento das condições turísticas do Estado, de forma que as dotações orçamentárias de tais projetos estão alocadas nas pastas executoras.
Entre estes projetos podemos citar: o engordamento da Praia de Meaípe, em Guarapari, cujos benefícios refletem-se sobretudo no turismo local; a construção da Ciclovia da Vida e a retomada do Aquaviário, ações vinculadas à mobilidade urbana e cujas entregas proporcionam novos pontos de atração turística na Região Metropolitana; a Estrada Parque do Caparaó; investimentos em gestão ambiental e turística de parques estaduais; entre outros.
Ademais, a secretaria esclarece que o Turismo permanece entre as áreas estratégicas de atuação do Governo do Estado do Espírito Santo, com projetos que compõem a carteira prioritária e contam com acompanhamento e monitoramento exercidos diretamente pelo governador Renato Casagrande.
