Coluna Vitor Vogas
A vitória da ignorância e do pensamento pequeno no 2º turno na Serra
Independentemente do resultado nas urnas no próximo domingo (27), eleição para a Prefeitura da Serra já tem um incontestável vencedor
Independentemente do resultado no próximo domingo (27), essa eleição à Prefeitura da Serra já está marcada pela vitória da ignorância e do obscurantismo sobre as luzes da consciência.
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Não creio que a discussão citada abaixo será o que determinará o desfecho da disputa entre Weverson Meireles (PDT) e Pablo Muribeca (Republicanos). Há de ter influência mínima. Este texto tampouco terá o menor poder de influir no desempenho eleitoral de qualquer candidato, nem é essa, por evidente, a intenção ou a pretensão deste signatário.
Mas é que tem coisas que, simplesmente, não podem deixar de ser registradas.
É lamentável e profundamente triste que aliados de Pablo Muribeca (Republicanos) tenham buscado promover, desde o início do segundo turno, uma discussão tão rasa, pueril e pequena, distorcendo propostas do plano de governo de Weverson e acusando-o, enganosamente, de “defender ideologia de gênero”… e coisas do gênero. Para ficar em um exemplo, a vice de Muribeca, Pastora Magda Novaes (Republicanos), sugeriu, em um grande evento da campanha na última terça-feira (22), que o adversário defende essa pauta e, ainda, a “liberação das drogas” (???).
Ainda mais triste e lamentável foi ver Weverson se curvar, como se curvou, a pressões promovidas sobre ele por pretensos aliados ultraconservadores, pastores inclusos, baseadas exclusivamente em preconceito e ignorância na dupla acepção do termo. Homofobia em estado puro. Pensamento pequeno.
Ao agir como agiu, ao dobrar-se como se dobrou à chantagem movida por discriminação e desconhecimento, para não perder votos de parcela do eleitorado evangélico, Weverson se ajoelhou perante líderes “xiitas”, radicais religiosos, não para orar nem para ser abençoado por eles. O candidato entregou-lhes a cabeça. Provou que, em seu possível mandato, o prefeito estará suscetível a todo tipo de pressão dos mesmos grupos.
Ao ceder, como cedeu, à chantagem explícita de grupos religiosos movida por desconhecimento e homofobia que beira a paranoia, Weverson, mesmo triunfante nas urnas, concedeu uma inegável vitória àqueles que injustamente o acusaram e distorceram suas propostas. Mesmo que venha a ganhar, deixou-se derrotar por uma agenda ideológica descabida que passa longe das questões prioritárias do dia a dia da cidade, mas que acabou sequestrando o debate eleitoral no 2º turno.
Passemos, pois, aos fatos:
Assim como seu oponente, Weverson é evangélico (e registro esse fato apenas por sua pertinência ao contexto, pois não tem, ou ao menos não deveria ter, relevância alguma numa campanha eleitoral e no exercício do poder público).
A Assembleia de Deus, denominação pentecostal, é uma das maiores, mais antigas e mais tradicionais igrejas de matriz protestante no Brasil e no Espírito Santo. Essa igreja se organiza politicamente em entidades como a Convenção das Assembleias de Deus no Estado do Espírito Santo e Outros (Cadeeso). No 1º turno, a Cadeeso declarou apoio ao candidato do PDT na Serra.
No dia 6 de outubro, passaram para o 2º turno Weverson, em primeiro lugar, com 39,66% dos votos válidos, e Muribeca, em segundo, com 25,21%.
A campanha no 2º turno tem três semanas de duração. Logo na primeira, aliados de Muribeca começaram a difundir pelas redes sociais e grupos de Whatsapp informações deturpadas e falaciosas (desinformação), associando Weverson à defesa da chamada “ideologia de gênero”.
A base das alegações distorcidas foram trechos do programa de governo de Weverson apresentado à Justiça Eleitoral, propondo algumas políticas públicas específicas para a comunidade LGBTI+. Assim registrada no programa original do candidato, a sigla significa “lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer e intersexuais”. O símbolo de “+” reconhece as demais orientações sexuais e identidades de gênero.
Nos primeiros dias do 2º turno, a Cadeeso ameaçou retirar o apoio a Weverson. O motivo maior da hesitação: as (poucas) propostas especificamente voltadas para a população LGBTI+ no plano de governo do candidato.
No dia 14 de outubro, diante da ameaça de retirada do apoio de lideranças religiosas, Weverson reuniu-se, segundo sua assessoria, com centenas de pastores. Na ocasião, para reter o apoio desses líderes que atuam como cabos eleitorais junto a seus rebanhos de fiéis, o candidato lhes fez uma primeira grande concessão: assinou uma carta redigida pela Associação dos Pastores Evangélicos da Serra (APES), assumindo perante eles o compromisso de não apoiar “ideologia de gênero nas escolas” e “liberação das DROGAS” (assim mesmo, em letras garrafais), além de se declarar “categoricamente contrário ao aborto e qualquer outra pauta que contraria a palavra de Deus”.
Como se fosse pouco, no dia seguinte (15), em reunião com os representantes da Cadeeso, o pedetista, segundo sua assessoria, fez uma segunda grande concessão: para conter a fuga da entidade, firmou outra carta do gênero (com trocadilho), “comprometendo-se a não apoiar as seguintes pautas: 1 – ideologia de gênero, 2 – legalização das drogas, 3 – legalização do aborto, 4 – linguagem neutra”.
Mas isso não foi suficiente.
Numa terceira e gigantesca concessão, na última sexta-feira (18), Weverson protocolou um novo documento junto à Justiça Eleitoral. O arquivo não pode ser considerado um novo plano de governo, mas uma “retificação” do original, com mudanças mínimas e específicas, feitas sob medida para calar a grita dos pastores e “segurar” de vez o apoio deles. A informação foi descoberta e publicada em primeira mão, na noite de segunda-feira (21), pela colunista de política do site A Gazeta, Letícia Gonçalves.
O plano original de Weverson continha cinco referências diretas à comunidade LGBTI+. É um plano robusto, um dos mais encorpados apresentados por todos os candidatos a prefeito da Grande Vitória. Traça um diagnóstico social, econômico e demográfico da Serra e relaciona centenas de propostas, divididas por 15 eixos e distribuídas ao longo de 80 caudalosas páginas.
As poucas linhas dedicadas à referida minoria social, literalmente, não correspondiam a 0,1% da totalidade do plano. Vou repetir: não representavam um milésimo do documento. E foram exatamente essas parcas linhas que foram removidas.
As cinco menções à comunidade LGBTI+, constantes no plano original, já não se leem lá. E o referido segmento social, antes timidamente representado no plano de governo, agora é sumariamente ignorado na “versão revista” do documento.
> A cartada dos pastores e a “disputa espiritual” na eleição da Serra
As mudanças específicas
No pilar “Direitos Humanos e Cidadania”, numa descrição do “cenário atual” para introduzir as propostas específicas, constava a informação de que, na administração de Sergio Vidigal (PDT), patrono da candidatura de Weverson, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania “fortaleceu o Conselho de Direitos Humanos, o Conselho da Juventude e o Fórum LGBTI+”.
Na nova versão, cortou-se a frase pela metade, removendo-se “e o Fórum LGBTI+”. Vejam, isso nem proposta é, mas tão somente um registro factual. Os fatos foram reescritos, porém: o Fórum LGBTI+ foi fortalecido pela Secretaria de Direitos Humanos na atual gestão, mas isso agora não pode ser dito.
No plano original, também constava um dado objetivo do IBGE: “dez por cento da população se reconhece como LGBTI+”. De novo: nem sequer se trata de proposta, mas de um número frio e oficial. Mesmo assim, a informação foi removida.
As três menções seguintes, aí sim, correspondiam a propostas:
. Implantar o Tripé da Cidadania LGBTI+ com a criação do Conselho, Cargo Representativo na Gestão Municipal e o Plano Municipal;
. Projeto “Esse é meu nome”: Realizar campanhas de sensibilização e combate à LGBTfobia, promovendo o respeito à diversidade sexual e de gênero;
. Fomentar o diálogo e a colaboração com organizações LGBT+ dentro dos territórios para identificar e atender às necessidades específicas da comunidade.
As três propostas foram sumariamente apagadas do documento. No lugar delas, incluiu-se outra, bem mais genérica:
. Realizar campanhas de sensibilização e combate à qualque (sic) tipo de discriminação, promovendo o respeito e promovendo a cultura da Paz;
A julgar pelo erro ortográfico na palavra “qualquer” e pela repetição desnecessária da palavra “promovendo”, a emenda foi feita tão às pressas que nem mesmo passou por revisão.
Por fim, na descrição de um projeto de conscientização, suprimiu-se a palavra “diversidade”. A proposta original era esta:
. Projeto Cidadania nas Escolas e nas Comunidades: Ampliar, promover e abordar temas como igualdade, diversidade, não discriminação, assédio, respeito mútuo, entre outros;
Revisada, ficou assim:
. Projeto Cidadania nas Escolas e nas Comunidades: Ampliar, promover e abordar temas como igualdade, não discriminação, assédio, respeito mútuo, entre outros;
Na fria letra do novo plano, o tema “diversidade”, incômodo para alguns pastores, não poderá ser abordado em eventual governo de Weverson.
Conclusão: “Cidade do Abraço”?
Na última sexta-feira (18), mesmo dia em que a nova versão do programa de governo de Weverson foi entregue à Justiça Eleitoral, o candidato foi sabatinado por veículos da Rede Vitória e questionado especificamente, pela colunista de política Fabi Tostes, sobre as cartas assinadas por ele a pedido de pastores, comprometendo-se a não contrariar a “palavra de Deus” – conceito altamente subjetivo, que pode variar profundamente a depender da religião ou de quem a interpreta.
Weverson respondeu com a sua concepção pessoal: “A Palavra de Deus é acolher a todos. A Palavra de Deus é o respeito. A Palavra de Deus é o amor. A Palavra de Deus é a empatia. Isso é a Palavra de Deus”.
As três propostas limadas do plano de Weverson para os LGBTQI+ constavam do Eixo “Direitos Humanos, Políticas Públicas para Mulheres, Cidadania e Habitação – Cidade do Abraço”.
Vou frisar: “Cidade do Abraço”.
Jesus Cristo, como bem lembrou Weverson, acolhia e abraçava a todos, sem distinção, da prostituta ao leproso, como dão testemunho os evangelistas no Novo Testamento. “Isso é a Palavra de Deus.”
O mesmo não se pode dizer agora do plano de governo do pedetista, muito menos dessa “Serra Prometida”.
A “Cidade do Abraço” não acolhe cidadãos que diferem da visão de mundo de alguns apoiadores do candidato.
Já não estão incluídos nesse abraço.
Adendo
Por fim, quero só registrar que, do ponto de vista pragmático, dos ditames dos estrategistas políticos e de marketing eleitoral, a decisão e o cálculo do candidato até fazem sentido. Provavelmente, com isso, ele ganhará mais votos do que perderá (é só comparar o tamanho da comunidade evangélica com a da minoria em questão…). Quando nada, deixará de perder votos.
Nosso prisma de análise não é esse.
É que tem coisas, como dissemos lá no início, que simplesmente não podem deixar de ser ditas.
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