Coluna Vitor Vogas
Justiça Eleitoral cassa mandato de prefeito do interior do ES
Juiz também convocou nova eleição na cidade. Prefeito e vice-prefeito podem se manter nos cargos enquanto recorrem ao TRE-ES

Santa Maria de Jetibá
Santa Maria de Jetibá, município mais populoso da Região Serrana, foi palco de uma das disputas eleitorais mais acirradas do ano passado no Espírito Santo. O prefeito eleito, Ronan Zocoloto (PL), venceu com uma vantagem de apenas 63 votos sobre o segundo colocado, Hans Dettmann Junior (Republicanos). Em votos válidos, Ronan teve 37,74%, contra 37,48% do adversário.
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No dia 6 de outubro, data da eleição municipal, pessoas ligadas ao PL e ao próprio Ronan disseminaram entre eleitores da cidade, por grupos de Whatsapp, uma pesquisa eleitoral fraudulenta que dava a vitória para o candidato do PL, cujo nome de urna foi Ronan Fisioterapeuta.
Na verdade, tratava-se de uma montagem em vídeo, na qual uma reportagem veiculada pela Rede Gazeta, sobre pesquisa para a Prefeitura de Vitória, teve os nomes dos candidatos trocados, levando eleitores a acreditar que se tratava de uma sondagem relativa à disputa para prefeito de Santa Maria.
Entendendo que essa fake news, com divulgação de pesquisa falsa em pleno dia da votação, exerceu influência decisiva na escolha de muitos eleitores – e, portanto, no próprio resultado de um pleito tão apertado –, o Ministério Público Eleitoral moveu ação de investigação judicial eleitoral em face do prefeito e do vice-prefeito, Rafael Pimentel (também do PL), eleito na mesma chapa. O mesmo foi feito pela coligação Um Novo Tempo Para Santa Maria de Jetibá, do segundo colocado, Hans Dettmann.
As ações foram movidas por suposta utilização indevida dos meios de comunicação social e abuso de poder econômico durante o processo eleitoral.
Nesta semana, o juiz eleitoral Carlos Ernesto Campostrini Machado, da Zona Eleitoral de Santa Leopoldina, cidade vizinha, deu ganho de causa para os autores das duas ações, apensadas e julgadas juntas, por tratarem de tema conexo.
Na decisão, o juiz de 1º grau cassou os diplomas e os mandatos do prefeito e do vice-prefeito. Complementarmente, determinou a realização de um novo pleito municipal, para a escolha do prefeito e do vice-prefeito da cidade da Região Serrana.
Além disso, Ronan e Rafael foram condenados à inelegibilidade por oito anos, até 2032.
“Tendo em vista todos os elementos expostos, resta demonstrada a gravidade da conduta praticada pelos investigados, seja pela disseminação em massa de fake news, seja por sua conduta omissiva deliberada, que perpetuou os efeitos da desinformação em benefício de suas candidaturas”, anotou o magistrado.
Os advogados dos réus, Altamiro Thadeu e Felipe Osório dos Santos, confirmaram à coluna que recorrerão da decisão. O recurso deverá ser apresentado ao Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES).
Ronan e Rafael podem recorrer nos cargos, enquanto aguardam o julgamento no TRE-ES. A decisão, portanto, não tem efeitos imediatos.
Conforme consta nos autos, prefeito e vice-prefeito alegam a inexistência de qualquer ilícito eleitoral que pudesse justificar sanção.
Curiosidade: chegou, decidiu
Autor da decisão, o juiz eleitoral de Santa Leopoldina, Carlos Ernesto Campostrini Machado, acaba de ser designado para o cargo, por resolução do TRE-ES publicada no Diário da Justiça Eletrônico na última segunda-feira (7). Ao se assentar na nova função e tomar pé do acervo processual, deparou-se com as duas ações, pendentes de julgamento. E deu uma sentença célere, em menos de 48 horas.
As razões do MP
Alguns trechos da argumentação do promotor eleitoral nos autos relatam como a fraude teria sido perpetrada no dia da eleição em Santa Maria de Jetibá:
“Na data de 06/10/2024, dia da eleição municipal, em Santa Maria de Jetibá/ES, vários correligionários do representado, de maneira intencional, divulgaram, por meio de aplicativo de mensagem Whatsapp, uma pesquisa de intenção de votos referente ao pleito eleitoral, a qual não foi registrada perante a Justiça Eleitoral nos moldes previstos na legislação. A pesquisa mencionada, conforme documentos em anexo, apresenta dados que não foram registrados na Justiça Eleitoral, inverídicos, sendo uma montagem efetuada utilizando-se, possivelmente, de uma pesquisa para candidatos a prefeito de Vitória-ES, prejudicando de forma direta o processo democrático e induzindo os eleitores ao erro”.
O promotor está convencido de que houve uma ação orquestrada por correligionários do candidato vitorioso:
“A pesquisa foi na verdade uma montagem, feita para influenciar os eleitores a entenderem que o representado era líder na disputa eleitoral e que ganharia o pleito com larga vantagem. Ressalte-se que os disparos da pesquisa fraudulenta foram realizados no mesmo dia da eleição, em vários grupos de Whatsapp, por várias pessoas ligadas ao Partido Liberal, partido do candidato eleito, ora representado, e de forma síncrona, demonstrando que foi orquestrado pelos apoiadores do candidato”.
O representante do Ministério Público sustenta que os autores da fraude eleitoral se aproveitaram da ingenuidade de uma população residente, predominantemente, na zona rural, não familiarizada com esse tipo de estratagema:
“Nota-se que a cidade de Santa Maria de Jetibá-ES tem a sua população residente, em sua maioria, na zona rural e não estão familiarizados com a manipulação que é feita nas redes sociais pelos crápulas e malfeitores, que, utilizando da boa-fé dos incautos e de I.A. são capazes de influenciar, como de fato influenciou, a vontade do eleitor.”
Ele não tem dúvidas de que o ardil foi decisivo para o resultado das urnas, em disputa definida com tão pequena margem:
“A eleição de Santa Maria de Jetibá/ES caracterizou-se por uma disputa acirrada, sendo que a fake news, ou seja, o vídeo manipulado e divulgado pelos representados influenciou a vontade do eleitor. […] A prova cabal dos efeitos da pesquisa falsa é que o candidato foi eleito com apenas 63 votos de vantagem do segundo candidato, ou seja, a pesquisa induziu os indecisos a votarem no candidato líder”.
“Efeito manada”
O promotor argumenta que a pesquisa falsa gerou o chamado “efeito manada”:
“Esse comportamento é estudado e comprovado, conhecido como ‘efeito bandwagon’ (ou efeito de manada). Esse fenômeno ocorre quando os eleitores, ao verem que um candidato está à frente nas pesquisas, tendem a apoiá-lo: para fazer parte do grupo vencedor, se sentir parte da ‘maioria’ ou do ‘lado vencedor’”.
A pesquisa falsa, segundo ele, também teria forjado uma “percepção de competência” sobre o candidato: “A liderança nas pesquisas pode ser vista como um sinal de que o candidato é competente e popular, reforçando a ideia de que mais pessoas confiam nele para assumir o cargo”.
O autor da ação também destaca o “efeito psicológico de conformidade”, quando “eleitores podem ser influenciados pela pressão social e tendem a seguir a maioria, mesmo que inicialmente não tivessem uma preferência clara”; e por fim, o típico discurso do “voto perdido”, “quando os eleitores percebem que seus candidatos preferidos estão com baixa popularidade nas pesquisas e optam por votar no líder, acreditando que seu voto original seria desperdiçado em um candidato sem chances de vitória”.
“Cegueira deliberada”
Finalmente, o promotor argumenta que o prefeito não pode alegar desconhecimento, uma vez que a pesquisa falsa foi divulgada num grupo que tinha ele mesmo como um dos administradores:
“Nota-se que, além de divulgar em vários grupos de fofoca a notícia falsa, a pesquisa foi divulgada no grupo Carreata PL 22, grupo este que tem o próprio representado Ronan como um dos administradores, ou seja, o representado não tem como alegar que desconhecia essa pesquisa, ou sequer tinha conhecimento, pois no grupo em que é administrador esse vídeo foi divulgado com a sua anuência”.
O juiz eleitoral concordou:
“No que se refere aos investigados Ronan Zocoloto Souza Dutra e Rafael Bozani Pimentel, há elemento relevante que não pode ser ignorado: ambos figuravam como administradores do grupo de WhatsApp denominado ‘Renova Santa Maria’, ambiente virtual em que também foi compartilhado o conteúdo fraudulento. Nessa condição, não é crível admitir que desconhecessem o teor das mensagens ali veiculadas, especialmente aquelas que, de forma evidente, favoreciam-lhes eleitoralmente”.
Ele caracteriza a “conduta omissiva” dos investigados como um exemplo da chamada Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine):
“Tal teoria busca responsabilizar o agente que se coloca intencionalmente em estado de ignorância diante de fatos sabidamente suspeitos, optando por não se inteirar dos detalhes para, posteriormente, se escusar da responsabilidade. Em outras palavras, pune-se aquele que deliberadamente escolhe ‘não ver’, apesar de dispor de elementos suficientes para perceber a ilicitude da conduta praticada em seu benefício”.
Tripudiou da Justiça Eleitoral
O promotor eleitoral que moveu uma das ações argumenta que os autores da fake news só agiram assim por desacreditar da capacidade fiscalizatória e punitiva da Justiça Eleitoral, o que precisaria ser respondido à altura.
“A divulgação [da pesquisa falsa] no domingo das eleições é acreditar que a Justiça Eleitoral não terá pulso para tomar providências, achando que a Justiça Eleitoral é um mero regulador e proibir santinhos e boca de urna. Sobre o tema a ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE, em discurso proferido no dia 24/09/2024, [disse que] a Justiça Eleitoral tem que ser célere e dar uma resposta firme, para que as fake news, verdadeiros atos de corrupção modernos, sejam combatidas com veemência”.
Ele cita a ministra textualmente: “A mentira espalhada pelos poderosos ecossistemas das plataformas é um desaforo tirânico contra a integridade das democracias. Um instrumento de covardes e egoístas”.
Comparação com Pablo Marçal
Em duas passagens da peça acusatória, o promotor faz menção (uma indireta e uma direta) ao coach Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo derrotado na última eleição, como exemplo de um concorrente que provou não respeitar limite algum para vencer uma disputa:
“Os inescrupulosos são capazes de juntar atestados falsos, alegando que o adversário é dependente de cocaína, e fazem a divulgação na cara dos juízes eleitorais”, escreveu o representante do Ministério Público.
Em outra passagem, ele se dirigiu ao prefeito de Santa Maria de Jetibá comparando-o a Marçal:
“Não me venha com assertivas de que foi um mero repassador, como por exemplo o candidato Marçal em São Paulo, que divulga atestado, imputando ao seu adversário que era dependente químico. O estrago já está feito”.
