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Alexandre Brito

A febre do Bebê Reborn: a linha tênue entre afeto e alienação

Com preços que ultrapassam R$ 50 mil e narrativas que oscilam entre cura e escapismo, os Bebês Reborn expõem uma situação complexa onde afeto e consumo colidem

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Os Bebês Reborn desafiam limites ao transformar bonecas em espelhos de desejos, traumas e saudades humanas. Foto: Reprodução da internet

Os Bebês Reborn desafiam limites ao transformar bonecas em espelhos de desejos, traumas e saudades humanas. Foto: Reprodução da internet

Atualmente temos visto a grande expansão dos bebês reborn, que são bonecas feitas com profunda riqueza de detalhes para simular um recém-nascido, apresentando aproximação minuciosa com características reais do corpo humano. Eles são cuidadosamente semelhantes a um bebê tanto em peso, pele, cabelo e feições. Apesar de ser uma novidade para muitos, eles não são surgem neste século.

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Ao que tudo indica, os bebês reborn começaram a ser produzidos como concebemos hoje principalmente ao final da Segunda Guerra Mundial, visando o público infantil que também estava devastado pelas marcas da guerra. As próprias indústrias estavam dedicadas apenas à produção bélica, sendo que os brinquedos praticamente não estavam sendo fabricados. Refazer as bonecas com aspectos humanos e semblantes alegres tinha um sentido naquela época: resistir e renascer!

Os bebês tinham um lugar simbólico para o luto advindo das mortes em guerra bem como um modo lúdico de cuidado com as crianças. Reborn, portanto, significa renascer. Um renascimento, inclusive, da arte! E como nada se perde, pois tudo se transforma, hoje em dia esses bebês não têm mais a mesma proposta de sua origem, sendo que seu público não se restringe apenas às crianças. Aliás, provavelmente o público infantil seja minoria nos tempos atuais.

Além disso, notamos que as mulheres estão muito mais envolvidas na “febre” dos bebês reborn do que os homens. Muitos são os fatores que configuram esta realidade das mulheres, como as exigências sociais pelo “cuidado” e pela maternidade. Não se trata apenas de um brincar de boneca, mas de algo que faça algum sentido na vida delas, ainda que seja a partir de alguma experiência afetiva ou traumática.

Os reborn começam a ser cada vez menos vistos como brinquedos e são colocados em um outro lugar, sendo comum sua coleção, que movimenta todo o comércio de roupas, fraldas, perfumes, acessórios e tudo o que envolve os bebês. Hoje sabemos que há quem colecione até mil deles dentro de casa. Eles exigem um alto investimento, pois o próprio bebê reborn apresenta um preço acima de outras bonecas convencionais, podendo chegar até dez mil dólares. À guisa de curiosidade, os bebês mais caros e raros também são chamados de “lamborghini”, em referência ao carro de luxo.

Além do investimento financeiro, há o investimento de tempo, espaço e, principalmente, o envolvimento afetivo. Esse último chama a nossa atenção quando não se trata apenas de colecionar como se faz com moedas ou figurinhas, mas quando há uma espécie de humanização e tratamento como se fosse um bebê vivo. Ainda que eles possam apresentar um grande potencial de simbolização, como é o caso do luto ou da ressignificação de experiências com recém-nascidos, eles também podem ocupar um lugar de alienação e prejudicar a saúde mental.

No caso da simbolização, há possibilidade de produção de novos sentidos, transformando experiências e exigências da vida com grande potencial terapêutico. Os bebês teriam seu lugar para a saúde mental, seja para elaborar um desejo (de ser mãe, por exemplo), um trauma (ressignificar uma experiência) ou uma falta (como é o caso do luto). E as pessoas que se identificam com outras que também tenham um reborn podem gerar um senso de comunidade entre elas e fortalecer trocas e relações sociais. Mas, nem tudo são flores, e os excessos nos testemunham isso.

Caso haja uma tendência de “adotar” o bebê reborn como uma tentativa de substituição ou interrupção radical com outros vínculos afetivos, a pessoa pode simplesmente se alienar e deslocar todas suas relações sociais para um laço exclusivo e isolado com o bebê. O reborn assumiria o duro papel de reparar o irreparável, numa visada sofrida e desesperada de preencher um vazio aberto. Porém, o sofrimento e o adoecimento parecem ser os destinos prováveis quando se busca, literalmente, humanizar objetos e objetificar as relações. Uma parte da indústria dedicada aos bebes reborn também pode incentivar o consumo desenfreado visando lucro sem nenhum cuidado com a saúde mental dos seus clientes, deixando-os na sensação de que sempre falta algo para si e seu bebê.

Enfim, tudo é uma questão do tipo de uso e do lugar ocupado pelo reborn! É prática comum encomendar bebês reborn que tenha sua imagem e semelhança, ou de algum ente querido ou falecido! Seria como ter a possibilidade de abraçar uma fotografia diante de uma saudade avassaladora? Isso pode ser de grande valor terapêutico para alguns, mas pode ser alienante para outros. A linha é tênue!

Sem contar que alguns deles possuem certidão de nascimento – ainda que seja improvável que tenham certidão de óbito! E isso demonstra que existem muitos fatores psicológicos delicados envolvidos nessa conjuntura reborn, com limites bem sutis entre ser algo saudável ou fora de controle – que buscam humanizar os bebês que não choram, não correspondem ao olhar e que jamais serão capazes de engasgar de tanto de rir.

Alexandre Brito

Alexandre Vieira Brito é psicólogo e mestre em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Possui especialização em Filosofia e Psicanálise pela Ufes, bem como em Políticas Públicas e Socioeducação pela Universidade de Brasília (UnB). Possui experiência em saúde mental, formação profissional, políticas públicas e socioeducação. Realiza atendimento clínico desde 2010. Também é professor universitário e palestrante, articulando a psicologia em suas interfaces com outros saberes. Colunista da BandNews FM todas as segundas-feiras 17h40, ao vivo, e participa de entrevistas no Estúdio 360 da TV Capixaba para falar de psicologia e comportamento.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.