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Coluna Vitor Vogas

A alfinetada de Paulo Hartung em Casagrande em rede nacional

A volta do ex-governador ao cenário político local pode representar também o retorno de algo que os capixabas se cansaram de ver e ouvir de 2014 a 2018: a troca de farpas entre ele e o governador Renato Casagrande

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Paulo Hartung de um lado; Casagrande e Ricardo Ferraço do outro

Paulo Hartung de um lado; Casagrande e Ricardo Ferraço do outro

O ex-governador Paulo Hartung vai se filiar ao PSD em abril e, ao que tudo indica, pretende voltar à atividade política. Pode ser candidato a senador no próximo ano. A volta de Hartung ao cenário político local pode representar também o retorno de algo que os capixabas se cansaram de ver e ouvir de 2014 a 2018: a troca de farpas entre ele e o governador Renato Casagrande (PSB).

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No último dia 14, Hartung fez uma declaração que pode ser perfeitamente entendida como uma indireta alvejando Casagrande:

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“No meu estado, alguns exemplos históricos de desorganização das contas públicas foram punidos pelo eleitor. O eleitor não levou essas lideranças de novo para cargos eletivos. Acho que essa é a maior punição”, afirmou o governador, em entrevista ao telejornal Times Brasil, conduzida pela jornalista Christiane Pelajo.

Na fatídica disputa pelo cargo de governador em 2014, a gestão fiscal do governo Casagrande esteve no cerne do discurso de campanha de Hartung desde o lançamento de sua pré-candidatura. O marco zero foi a publicação, no jornal A Gazeta, de um estudo elaborado por três economistas – entre eles, Ana Paula Vescovi, que viria a ser secretária da Fazenda do governo de Hartung entre 2015 e 2016 e que, por ironia, colaborava àquela altura com o então senador Ricardo Ferraço.

Como o estudo demonstrou e Hartung repetiu incansavelmente nos anos seguintes, sob a administração de Casagrande entre 2011 e 2014, o Governo do Estado vinha aumentando seu gasto com pessoal, reduzindo sua capacidade de investimentos com recursos próprios, ficando mais dependente de receitas dos royalties de petróleo e de empréstimos para fazer investimentos, aumentando assim seu endividamento.

De modo geral, o que Hartung fez, com relativo êxito, foi tratar de associar a Casagrande a pecha da irresponsabilidade e do desequilíbrio fiscal. Numa eleição polarizada entre os dois e com um 2º turno antecipado no 1º, Hartung derrotou Casagrande e voltou ao Palácio Anchieta.

Nos anos seguintes, os capixabas ouviram muito o seu governador, eleito em 2014, dizer que “o cobertor estava curto”, que “a receita subia de escada, enquanto a despesa subia de elevador”, que era preciso “colocar o Espírito Santo de volta nos trilhos” para “atravessar um nevoeiro espesso” – isso para citar só alguns dos clássicos da retórica hartunguiana.

O ajuste fiscal implementado então por Hartung desde o dia 1 de governo, focado sobretudo na despesa (contenção de gastos públicos), foi a marca dessa sua terceira passagem pelo Palácio Anchieta. Em 2015, primeiro ano do governo, a CPI dos Empenhos na Assembleia confirmou que, nos últimos meses do governo anterior, a Secretaria da Saúde efetuara despesas sem empenho (sem dinheiro previamente assegurado para cobrir os gastos), e Casagrande precisara remanejar recursos de outras áreas para tapar esse buraco.

É importante dizer que Casagrande jamais vestiu a carapuça colocada nele pelo adversário e que sempre rebateu com argumentos a pecha de “descontrole fiscal”. O principal deles: desde 2012, segundo ano do primeiro governo dele, o Espírito Santo recebe sucessivamente nota A na avaliação realizada anualmente pela Secretaria do Tesouro Nacional. Isso equivale a um “selo de bom pagador”, um atestado de qualidade na gestão das finanças públicas estaduais, concedido pelo órgão do Ministério da Fazenda.

Além disso, se é verdade que o gasto com pessoal vinha crescendo até 2014, também é fato que ele, em nenhum momento, ultrapassou o limite legal. Quanto à dívida pública do Estado, nunca chegou a ser de fato preocupante.

Fato é que, em 2018, após cumprir seu terceiro mandato, Hartung preferiu não disputar uma difícil reeleição. Casagrande, então, voltou para o Palácio Anchieta. E, se em sua primeira passagem o tema “gestão fiscal” passava longe de ser enfatizado, desde 2019 virou uma espécie de mantra para Casagrande e seus colaboradores: a “nota A+ do Tesouro” é lembrada e celebrada a cada oportunidade. A “responsabilidade fiscal” é constantemente enaltecida, ao lado da “responsabilidade social”.

É difícil, muito difícil, dizer categoricamente que Casagrande tenha perdido por isso a eleição de 2014 para Hartung. Muitos fatores na certa concorreram, começando pela inegável força política que a imagem de Hartung e seu nome emanavam naquele momento, após ele de fato, em muitos aspectos, ter tirado o Espírito Santo de um buraco fundo quando assumiu em 2003, e após ter governado por oito anos seguidos, encerrando seu segundo mandato bem avaliado em 2010.

Agora, porém, não é pela gestão fiscal que Casagrande – ou Ricardo Ferraço ou qualquer um de seus colaboradores – perderá a próxima eleição a ser disputada, para qualquer cargo, em 2026. Isso é certo.

A renegociação das dívidas dos estados

A bem da verdade, o tema da entrevista do jornal Times Brasil com Paulo Hartung foi a Lei Complementar 212, sancionada na última terça-feira (14) pelo presidente Lula (PT), com vetos.

A lei, basicamente, facilita a renegociação das dívidas dos estados com a União, por meio de um novo programa chamado Propag. O autor do projeto foi ninguém menos que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que é senador por Minas Gerais, justamente um dos estados mais seriamente endividados e portanto beneficiados por essa medida. Entre outras facilidades, a lei reduz juros e alonga o prazo para parcelamento do pagamento em até 30 anos.

Questionado pelos entrevistadores, Hartung se disse expressamente contrário não só a essa nova lei, mas a qualquer medida que beneficie unidades federativas que simplesmente não fizeram o dever de casa, em prejuízo daquelas que o fizeram (acrescento: caso do Espírito Santo, seja com ele próprio, seja com Casagrande).

O raciocínio exposto por Hartung guarda absoluta coerência com alguns dos pressupostos defendidos por ele com veemência desde quando ainda era governador.

Em primeiro lugar, segundo ele, medidas como essa nova lei são muito ruins do ponto de vista pedagógico, na medida em que favorecem estados que se descuidaram da gestão fiscal e gastaram mais do que deviam. Ao conceder uma mão amiga atrás da outra, concessão atrás de concessão, colheres de chá regularmente, o Governo Federal passa a mensagem de que o desequilíbrio fiscal compensa. Depois Brasília te ajuda a resolver. Regime de Recuperação Fiscal, Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag)… e por aí vai!

Em segundo lugar, ao passo que facilita a vida dos estados que se enrolaram sozinhos, medidas como essa acabam prejudicando justamente os estados que “fizeram o dever de casa”. Ao aceitar renegociar o débito dos estados devedores, a União abre mão de receita que teria o direito de receber: R$ 106 bilhões em cinco anos, segundo estimativa divulgada nesta terça-feira (21) pelo Tesouro Nacional. Esse dinheiro, que deixará de ser recolhido, poderia ser revertido em repasses e investimentos para o Brasil inteiro. Em suma, os estados que são bons pagadores, como o Espírito Santo, acabam ajudando a pagar a conta dos outros estados.

Um dos entrevistadores do telejornal Times Brasil perguntou então a Paulo Hartung se não deveria ser o contrário, isto é, se não caberiam penalidades, em vez de ajuda, aos estados que não praticam a responsabilidade fiscal. Foi então que o ex-governador deu o que aqui interpretamos como alfinetada em Casagrande. Sem citar nomes, “para não fulanizar”, afirmou que a principal punição costuma ser dada pelos eleitores, como ocorreu, segundo ele, no Espírito Santo:

“Acho que a penalidade maior vem no voto. Isso aconteceu no meu estado. Eu não vou citar nomes, porque não gosto de fulanizar, acho que isso não ajuda no debate… Assim, no meu estado, alguns exemplos históricos de desorganização das contas públicas foram punidos pelo eleitor. O eleitor não levou essas lideranças de novo para cargos eletivos. Acho que essa é a maior punição”.

Hartung ainda afirmou, como já fazia em seu último governo, que é falsa a dicotomia entre a responsabilidade fiscal e a social:

“Essa necessidade da responsabilidade fiscal não é um dogma. É justamente para a gente construir a responsabilidade social, ter dinheiro para colocar na educação, no SUS, na segurança pública. […] Você não faz política social de longo curso sem responsabilidade fiscal”.

E a possível alfinetada de Ricardo em Hartung

No dia 9 de janeiro, cinco dias antes da entrevista de Paulo Hartung ao Times Brasil, o vice-governador Ricardo Ferraço, aliado de Casagrande e pré-candidato a governador, declarou o seguinte, ao discursar durante o anúncio do Corredor Metropolitano Sul – Expresso GV:

“Há governos que só se preocupam com a responsabilidade fiscal. E aí submetem a sociedade a um conjunto de dificuldades, porque reprimem os investimentos. Investimentos em segurança pública, por exemplo. E há governos que têm capacidade de combinar, de equilibrar a responsabilidade fiscal com os investimentos que são de fundamental importância para melhorar a vida das pessoas”.

Aí ficou parecendo que foi Ricardo quem mandou a indireta para Hartung.

O governo Paulo Hartung 3, como dissemos acima, foi marcado pelo ajuste fiscal. Foi um governo de investimentos tímidos. É preciso considerar, é claro, que Hartung governou, de 2015 a 2018, em meio a uma aguda crise econômica nacional. Mas para alguns ele exagerou na dose, e o ajuste virou arrocho, com medidas como a limitação do gasto com combustíveis em viaturas policiais.

Chamou ainda mais a atenção que Ricardo tenha citado exatamente, como exemplo, a falta de investimentos em segurança pública.

A greve da PMES, em fevereiro de 2017, deflagrada enquanto Hartung passava por cirurgia em São Paulo, obviamente não foi motivada só por isso, mas não se pode ignorar a insatisfação acumulada de policiais com a falta de investimentos, baixos salários e as condições de trabalho. (A greve, é sempre bom frisar, foi ilegal.)

Questionado pela coluna sobre uma possível indireta a Paulo Hartung, Ricardo negou solenemente e explicou assim o seu discurso:

“O que fiz ali não foi mandar recado para ninguém, pois, se tiver que mandar recado, eu falo diretamente. O que fiz foi fazer uma defesa de como nós governamos: numa ponta, com enorme responsabilidade fiscal, e, na outra ponta, fazendo os investimentos que são necessários, porque senão você vira um governo financista, um governo que tem prazer em acumular notas de boa gestão fiscal, mas não tem a sensibilidade ou a empatia para entender o sofrimento, a necessidade das pessoas nos mais diversos campos. Acho que essa combinação de responsabilidade fiscal com investimentos é uma marca de governo que estamos praticando no Espírito Santo”.

Conclusão

A responsabilidade fiscal como valor inegociável na administração pública e como pressuposto para o exercício da responsabilidade social; o entendimento de que cuidar bem das finanças é o que permite a um ente público fazer os investimentos públicos necessários para melhorar a vida da população.

Hartung, de um lado, e Casagrande & Ricardo, do outro… Diferenças políticas à parte, eles estão falando exatamente a mesma coisa hoje em dia.


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