Plural
Porque sou poeta
O jornalista Felipe Bezerra divaga e escreve sobre ser poeta e as razões e sentimentos em torno da poesia

Porque sou poeta. Foto: Freepik
Acaso o baiano vendedor de melado de cana por mel de abelha (pior que o sujeito é gente-boa) me perguntasse se vi um passarinho verde nesta manhã, eu lhe responderia, feliz, que sim. No sentido literal – e literário.
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Era um filhote de beija-flor: a esperança a abrir a gira desta crônica, firmada na linha dos caboclos flecheiros, na quinta-feira. Beija-flor da cor das matas onde moram Seu Sete Flechas e Jurema.
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No mais, como eu queria escrever que, finalmente, comecei a aprender a decifrar o que as chuvas finas de agosto urgem dizer a quem nelas crê (sábias, gotejavam nas poças d’águas feito odus a caírem no opelê).
Contudo, embora eu tenha prometido ao meu fiel felino Jiló que, nesta atual temporada da série “Bezerra, o penúltimo dos cronistas”, não me enveredaria por pautas factuais, não resisto ao novo álbum “Xande canta Caetano”, lançado pouco depois do alvorecer deste mês.
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Daí, então, sinto vontade de trajar terno branco, gravata vermelha e chapéu panamá e, com o galanteio que ora me cabe, convidá-la a dançar comigo, em mais esta simplória narrativa de hoje, a faixa “O amor”.
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Vale registrar que a canção, composta por Caetano e Ney Costa Santos, é inspirada no poema de um tal de Maiakovski, xará do meu saudoso Vô Vladimir, o velho Brahama, que também trazia Veloso e música em seu sobrenome.
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Porém, a bordo da voz de Xande de Pilares e do arranjo de Pretinho da Serrinha, “O amor” sobrevoa o mesmo céu de luz neon de “Saigon” – foi Milton Cunha quem o rastreou primeiro – e, por entre o tamborim suburbano e o acordeon portenho, desembarca num bar vazio do Irajá. Ou do Aquidaban.
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“Ressuscita-me/ Ainda/ Que mais não seja/ Porque sou poeta…” Não por acaso, na última segunda-feira, a preta-velha me perguntou: “Ressuscitou, mizifio?”. No que respondi à vovó que sim. No sentido literal – e literário.
Janela de Cristal (Que Me Faz Sonhar)
Aos fins de semana, “a janela lateral do quarto de dormir” é uma bola de cristal. Ali, debruçado, antevejo nosso futuro.
Seja no casal a passear de mãos dadas no pátio, com seu cão, sob as bênçãos da cumplicidade, que, vou te dizer, somente as manhãs de domingo têm. Seja na criançada a entardecer no campinho, todas alumiadas por um céu brincante e dourado (“…sobe, filha; vem fazer o dever de português”).
Se eu pudesse, escolheria não ser sonhador. Entretanto, no cabo de guerra entre a fé e o ceticismo, a primeira sempre me vence.
*Felipe Bezerra é jornalista, escritor, letrista e, com muito orgulho, macumbeiro. Natural do subúrbio do Rio de Janeiro, Bezerra vive em Cachoeiro de Itapemirim, no ES. É autor do livro “Deu Bezerra no Milhar!” (Cachoeiro Cult, 2016) e um dos 34 coautores da antologia de crônicas “O meu lugar” (Mórula, 2015), em ocasião dos 450 anos do RJ. Atualmente, mantém a coluna semanal “Chuva Fina”, no jornal Espírito Santo de Fato.
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