Plural
Entre a Cruz e a Espada: os desafios de crescimento no Brasil
O especialista Andre P. da Motta levanta uma discussão sobre a necessidade de juros altos no Brasil mesmo com a inflação normalizada
Até a pandemia, o Brasil vivia um momento único em sua história, com juros em patamares impensáveis no passado e com inflação controlada. Chegamos ao ponto em que o presidente do Banco Central escreveu uma carta justificando uma inflação abaixo da meta. O mundo era desinflacionário, com juros reais nas economias desenvolvidas negativos, e o teto dos gastos dava tranquilidade de que as contas públicas seguiriam em ordem, sem a necessidade de inflação para financiar o Governo.
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A pandemia veio e deu uma chacoalhada no mundo. A demanda sumiu com todos isolados em casa, e aqui no Brasil, o Copom reduziu os juros para 2% adotando uma postura muito benigna em relação à inflação. Infelizmente, isso não durou muito. A forte injeção de recursos por meio dos benefícios distribuídos pelos Governos funcionou, e a demanda se recuperou, enquanto a oferta enfrentava restrições com as cadeias de suprimentos quebradas. Como resultado, a inflação voltou a incomodar e, posteriormente, a surpreender pela sua força.
Testemunhamos os juros no Brasil saltarem rapidamente de 2% para 13,75%, algo inesperado e que surpreendeu a todos. Os efeitos ainda são sentidos por várias empresas que tomaram financiamentos para projetos na época dos juros baixos e agora estão sufocadas, com todo o seu resultado operacional sendo direcionado para o pagamento de dívidas. Com os juros altos, falta dinheiro para os investimentos, e a taxa de retorno requerida para estes passa a ser maior, reduzindo suas viabilidades, ou seja, sem investimento, o país cresce menos.
A grande questão hoje é se o Brasil precisa de juros tão altos. A inflação, quando comparada com nosso histórico, está em patamares normais. No entanto, temos uma meta mais audaciosa, que estabelece 3% como alvo desde a pandemia, demandando um esforço maior para o seu cumprimento, e os juros altos são a ferramenta do Banco Central para isso.
Por outro lado, não temos mais o teto dos gastos, que começou a ruir com a pandemia e foi substituído pelo “novo arcabouço fiscal” que tem hoje sua credibilidade em xeque, visto que o Presidente não o defende e boa parte de seu partido o ataca. O Governo gasta bastante e busca um aumento de receitas para equilibrar as contas. No entanto, nossa carga tributária já é muito alta, e as condições políticas para o seu aumento são difíceis. A solução seria conter gastos, mas o Presidente Lula não se mostra nada disposto a isso, o que torna o trabalho da política monetária mais difícil.
Nos Estados Unidos, que começou seu ciclo de alta dos juros um pouco mais tarde, a inflação mostra-se resiliente e o crescimento robusto, o que indica a manutenção de juros mais altos lá por mais tempo. À medida que o Copom reduz os juros aqui, nosso diferencial fica menor, tornando nossa renda fixa menos atrativa e, como consequência, o fluxo de dólares para o país menos favorável. Um dólar mais alto alimenta a inflação e seria um problema a mais. Assim, o Copom perde graus de liberdade para reduzir os juros mais rápido.
Vivemos então um momento em que a inflação brasileira está relativamente acomodada, mas os gastos públicos preocupam, e os juros americanos incomodam, trazendo incertezas e dificultando a decisão do COPOM em relação aos juros praticados por aqui. O crescimento do PIB não vem se mostrando ruim, e o desemprego está baixo, a foto está bonita, mas o filme preocupa bastante.
Sem investimento, inibido pelos juros altos e pelas incertezas tributárias, com o Governo escolhendo setores para onerar mais, a economia perde vigor, reduz oferta, contrata desemprego e inflação mais à frente. Juros muito elevados também tornam a trajetória de nossa dívida insustentável, visto que o país cresce pouco e não faz superávit. Logo, temos uma bomba-relógio armada. Em algum momento, o patamar da dívida vai gerar uma fuga de capitais, elevar o dólar e a inflação.
Temos uma equação a ser resolvida: uma dívida pública alta para um país emergente, um governo que não se dispõe a fazer superávit e um Banco Central que segue firme perseguindo 3% de meta de inflação, praticando juros reais altíssimos. Pode parecer que está tudo bem, mas não está. A manutenção desta situação por muito tempo poderá nos levar a nova crise num futuro não tão distante.
*Andre P. da Motta é sócio e especialista na Valor Investimentos
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