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Coluna Inovação

Sobre ideologias e tecnologias

Discussões sobre o valor do trabalho e o papel do empresário ganham novos contornos diante dos avanços tecnológicos

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Na era da inteligência artificial, o conceito tradicional de trabalho passa por uma transformação irreversível. Foto: Freepik

Na era da inteligência artificial, o conceito tradicional de trabalho passa por uma transformação irreversível. Foto: Freepik

O indivíduo pode ter vários chapéus na sociedade: cidadão, eleitor, consumidor, trabalhador e empresário. No marxismo, o trabalhador é figura central, é quem cria valor e quem é explorado na produção capitalista. As várias gradações de tendências socialistas vindas do marxismo costumam entender muito pouco dois desses chapéus: o consumidor e o empresário. Por exemplo: o que é mais importante, restringir o trabalho e o atendimento ao consumidor a apenas 8 horas por dia em horário comercial para privilegiar o trabalhador ou arranjar um jeito de atender o consumidor a qualquer hora em todos os dias? A tecnologia está oferecendo uma resposta. Os bancos, companhias aéreas, supermercados e muitos outros serviços já operam assim ou estão caminhando para isso. Robôs e IA vão permitir resolver qualquer coisa a qualquer hora e os sindicatos não vão conseguir fazer nada contra isso. O marxismo acredita que o trabalho é a fonte de todo valor na sociedade capitalista, sendo o trabalhador a classe que efetivamente cria esse valor através da produção de bens e serviços. O Presidente Lula reafirmou isso recentemente. Será que ainda vale?

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Quando o “Manifesto Comunista” foi publicado em 1848, Karl Marx tinha 29 anos e Friedrich Engels tinha 27 anos. Pregaram a extinção da propriedade privada dos meios de produção.

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Isso faz sentido nos dias de hoje, quase 200 anos depois?

E o chapéu de empresário? Não existe empresário no Manifesto, existe capitalista, alguém que explora o trabalhador se apropriando da mais valia, do valor que seria criado por ele. Nessa época de revolução industrial não havia ainda trabalhos sobre produtividade, liderança, treinamento, logística, processos, gestão empresarial e todas essas ferramentas que foram aos poucos criadas pela economia de mercado, pela competição que ajudou a criar as maravilhas de tecnologia que temos hoje. A China entendeu. Tirou quase 800 milhões da pobreza com uma economia capitalista de competição acirrada e criou 516 bilionários. “Ficar rico é glorioso” disse Deng Xiaoping.

Por aqui, alguém que assume risco de empreender, com toda a insegurança, é pouco valorizado e rebaixado a explorador de trabalhador. A empresa privada é apenas tolerada, no que se observa no pensamento de várias correntes de esquerda. O empresário é aceito como um mal necessário, mas que deve ser controlado para não poder lucrar mais do que um valor que alguém considere como razoável. Se pretender ficar rico é abominado. O risco que corre para pagar salários no final do mês, enfrentar uma justiça trabalhista adversária do empresário, encarar impostos crescentes, disputar mercado sem garantia de sucesso, se submeter a uma burocracia alucinada não vale nada. Os críticos são muitas vezes funcionários públicos que recebem seu salário no final do mês sem riscos de demissão. Muita gente hoje sonha em ficar rico, jogando na Mega Sena, apostando em bets, patrocinados também por governos de esquerda, ou montando uma startup, que é uma forma mais saudável de tentar. Ou pretendem ter a liberdade ilusória de tentar algo próprio no iFood ou Uber. Difícil para a esquerda entender alguém que não quer ser trabalhador assalariado e sindicalizado. Aliás, não entende nem mais o eleitor, desde que campanhas eleitorais migraram da praça pública para as redes sociais.

O Presidente Lula reclamou recentemente da Vale, que modernamente se transformou em uma corporation, sem um dono. Fica difícil influir politicamente em uma empresa que não tem um dono, um capitalista para ser responsabilizado, alguém para ser usado em políticas de governo. Melhor assim, dadas todas as mazelas criadas por governos, tentando que as empresas sigam sua política. A alternativa é ser estatal? Em qualquer conta que se faça, empresas privatizadas são muito mais produtivas e geram muito mais impostos. A origem desse pensamento é a mesma: qualquer empresário estaria se apropriando da mais valia do trabalhador. Melhor que o patrão seja o Estado que, apenas em tese, pertence a todos.

A ver como fica isso quando a IA e a robótica sinalizam a possibilidade de empresas sem empregados ou com “empregados digitais”, agentes de IA.

Tem muita coisa para reciclar na visão da esquerda sobre consumidores, trabalhadores, empresários e eleitores. E, sem dúvida, também na visão da direita, sobre muitos aspectos, inclusive de alimentar anacrônicos golpismos militares e rupturas democráticas. Como bem dizia Millôr Fernandes: “As ideologias ficam velhinhas e vêm morar no Brasil”.

Evandro Milet

Evandro Milet é consultor, palestrante e articulista sobre tendências e estratégias para negócios inovadores. Possui Mestrado em Informática(PUC/RJ) e MBA em Administração(FGV/RJ). É Conselheiro de Administração pelo IBGC, Membro da Academia Brasileira da Qualidade-ABQ, Membro do Conselho de Curadores do Ibef/ES e membro do Conselho de Política Industrial e Inovação da Findes. Foi Presidente da Dataprev, Diretor da Finep e do Sebrae/ES, Conselheiro do Serpro e Banestes. Tem extensa atuação como empresário, executivo e consultor em inovação, estratégia, gestão e qualidade, além de investidor e mentor de startups, principalmente deeptechs. Tem participação em programas de rádio e TV sobre inovação. É atualmente Presidente do Cdmec-Centro Capixaba de Desenvolvimento Metal-Mecânico.

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