Coluna João Gualberto
Os evangélicos e o censo de 2022
O Censo de 2022 revela o impacto dos evangélicos na formação do eleitorado conservador e nas disputas de valores no país
Recentemente foram publicados os números do Censo de 2022. Faço aqui uma breve análise quanto aos dados apurados com relação aos evangélicos no Brasil. Já tratei do tema em artigos anteriores, com ênfase especial para o caso capixaba. No fundo, ninguém entende mais o Brasil sem levar em conta o mundo evangélico. Só mesmo a miopia dos setores médios e intelectualizados para menosprezar o papel desse segmento em nossa sociedade. Achar que são apenas pastores desonestos e uma população idiotizada é puro fruto de preconceito.
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Alguns elementos devem ser levados em conta. O primeiro é o fabuloso crescimento do segmento desde os primeiros anos do século XXI. Não que o crescimento anterior fosse menos importante, mas a velocidade foi extraordinária nos anos 2000. Afirmava-se mesmo que, na década seguinte, os evangélicos já seriam maioria dentre os brasileiros.
Outro elemento importante é, do ponto de vista eleitoral, a forma como constroem seus votos. Poucos são os eleitores coletivos no Brasil. Um católico, por exemplo, tem razões de voto mais pulverizadas. Costuma entrar na cabine eleitoral e decidir em quem votar com base em razões que podem ser territoriais, ideológicas ou mesmo por relações de amizade. Os evangélicos, ao contrário, votam por princípios e comportamentos partilhados por todo o grupo. Construíram uma lógica eleitoral que poucos possuem no Brasil e ocuparam de uma vez o espaço do voto conservador, que já foi católico.
Os embates sobre o aborto, os temas ligados ao divórcio e a questões de gênero passaram da esfera do catolicismo para o mundo evangélico. Em torno desses temas, lideranças importantes como Silas Malafaia, RR Soares, Edir Macedo ou Valdemiro Santiago passaram a exercer um papel fundamental de mobilização do conjunto dos fiéis. Os grandes embates da mídia, nos temas de comportamento, passaram a ter o peso e a influência dessas lideranças.
Uma grande sacada de Jair Bolsonaro, candidato à presidência em 2018, foi organizar e articular esse grande contingente de eleitores a partir de seus comportamentos mais conservadores, em termos morais. Esse foi o maior diferencial de Bolsonaro naquela eleição, além de constituir um legado seu ao processo político brasileiro: o protagonismo dos evangélicos. Basta ver que a Marcha para Jesus já existia desde os anos 1990, mas ele foi o único presidente da república que a prestigiou, comparecendo a todas. Casado com uma evangélica, batizou-se em águas. Ou seja, politizou seu comportamento, valorizou o povo de Deus e assim abarcou um enorme contingente para a arena eleitoral jogando a seu favor.
Com base nessas observações, a Persona – empresa que dirijo junto a Hélio Gualberto e Maria Vitória – fez investigações profundas de ordem quantitativa e qualitativa, entrevistando centenas de evangélicos na Grande Vitória, além de dezenas de formadores de opinião do setor em todo o Espírito Santo. Os resultados só fortaleceram a ideia de que os evangélicos são mesmo um grupo que vota baseado em princípios fundamentalmente ligados à questão das famílias, o epicentro de sua opção diante da vida. Eles as sentem ameaçadas pela brutalidade da recente urbanização brasileira, pelos perigos da rua onde moram: prostituição, tráfico de drogas, violência. Não nos esqueçamos de que são majoritariamente pobres, pretos, mulheres e periféricos. O mundo brasileiro não é fácil para essa população. A família costuma ser o único ponto de refúgio nesse estado de coisas em que só os ricos e as classes médias têm direito a privilégios. Isso ajuda muito a definir seus votos.
Entretanto, mesmo com tudo isso, seu crescimento desacelerou nos últimos anos, segundo o censo divulgado. A questão que se coloca, portanto, é: por que isso está acontecendo? Arrisco dizer que os mesmos fatores que produziram o crescimento acelerado podem estar contribuindo para reduzir a velocidade do processo. A politização parece que passou do ponto, as manifestações a favor de Jair Bolsonaro, organizadas pelos grandes líderes religiosos, não dizem mais respeito aos princípios do cristianismo conservador. São temas da velha politicagem brasileira, mais afeitas à sobrevivência do ex-presidente do que aos reais motivos que movem a massa.
As bases da igreja católica também se locomoveram em direção ao movimento conservador. Não falo aqui das cúpulas do vaticano nem dos vários países de base católica: falo mais das pequenas comunidades, das paróquias, das práticas cotidianas dos religiosos. As diferenças entre evangélicos e católicos parecem estar diminuindo. O dia a dia dos católicos aproximou-os das bandeiras mais conservadoras no plano moral.
Enfim, eis aí um pouco do que talvez possa explicar a desaceleração que o Censo de 2022 mostra: 26,9% da população brasileira é evangélica, um percentual expressivo, mas longe do majoritário.
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