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O acolhimento transitório no cuidado às pessoas que sofrem com álcool e outras drogas

Carlos Lopes é sociólogo, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Ufes e subsecretário de Estado de Políticas sobre Drogas

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Recentemente, uma reportagem exibida em rede nacional mostrou cenas de horror e violência ocorridas em comunidades terapêuticas localizadas em São Paulo. Não foi a primeira vez, entretanto, que diversas violações de direito foram registradas nesses espaços. Denúncias e inspeções realizadas por diferentes órgãos já revelaram cenário semelhante.

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As comunidades terapêuticas passaram a integrar a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em 2011, por meio da Portaria 3.088, do Ministério da Saúde e foram regulamentadas como equipamento de acolhimento pela Resolução 1, de agosto de 2015, do Conselho Nacional sobre Drogas (Conad). São definidas como entidades que realizam o acolhimento voluntário de pessoas com problemas associados ao uso de substâncias psicoativas. A normativa também enfatiza que o ambiente deve ser residencial e de caráter transitório, propício à formação de vínculos por meio da convivência entre os pares. É notório, portanto, que todos esses conceitos foram negligenciados e negados nas instituições denunciadas na referida reportagem.

Em um debate sobre a problemática das drogas, é fundamental salientar que a atenção voltada para pessoas com problemas decorrentes do uso de álcool e outras substâncias psicoativas deve ser integrada e intersetorial. Isso porque elas apresentam necessidades de ordens sociais, de saúde, de cidadania, entre outras.

Muitas vezes, é necessário que o indivíduo precise se afastar do meio em que vive, por diferentes razões. Esse afastamento, no entanto, deve ser precedido de uma avaliação de saúde e não pode, em hipótese alguma, ocorrer de maneira involuntária, nem tampouco pretender-se definitivo ou de longo prazo. O termo transitório lança luz justamente sobre a importância de que o afastamento seja apenas uma etapa de reorganização para o retorno ao território.

É nesse momento que as comunidades terapêuticas acolhedoras podem exercer papel relevante na atenção às pessoas. Mas, para que sejam efetivas, é fundamental que o respeito aos direitos humanos seja inegociável e que se observe a voluntariedade, a transitoriedade e a individualidade de cada pessoa atendida.

Importante ressaltar que toda comunidade terapêutica deve possuir alvará sanitário e do Corpo de Bombeiros autorizando seu funcionamento. O alvará sanitário é emitido pela vigilância sanitária local, de acordo com as regras da Resolução 29, de 2011, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A vistoria avalia aspectos como infraestrutura, regularidade da documentação e processo de trabalho. Em caso de irregularidades, a autoridade sanitária pode aplicar sanções que vão desde advertências até a interdição. Além disso, o Ministério Público pode realizar fiscalizações em caso de denúncias e outros órgãos também podem ser acionados dentro de seu âmbito de competência.

Atualmente, cinco comunidades terapêuticas são credenciadas ao Programa Estadual de Ações Integradas sobre Drogas (Rede Abraço), do Governo do Estado do Espírito Santo. Os encaminhamentos para esses equipamentos são realizados após constatação de necessidade pelas equipes que atuam nos Centros de Atenção Integral Sobre Drogas (CAADs) em Vitória, Cachoeiro de Itapemirim e Linhares e também por alguns Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que possuem parceria com o programa.

As instituições de acolhimento que desejam se vincular ao Programa Rede Abraço precisam se adequar às regras de edital público de credenciamento para serviços de acolhimento a pessoas com necessidades decorrentes do uso de substâncias psicoativas. Após o credenciamento, as entidades são submetidas a um rigoroso e permanente processo fiscalizatório, que inclui análise de documentação, visitas periódicas in loco e entrevistas individuais às pessoas acolhidas. Além disso, cada equipamento deve ter afixado o número de telefone e e-mail da Ouvidoria Geral do Estado em local visível e de fácil acesso. O intuito é possibilitar que o acolhido ou sua família possam registrar denúncias ou reclamações, se assim o desejarem.

Com critérios públicos e rígidos de seleção e credenciamento de instituições, acompanhamento permanente e mecanismos transparentes de governança e accountability, acreditamos ser possível separar “o joio do trigo”. Assim, poderemos garantir acolhimento e abrigo para as pessoas que realmente precisam dessa opção como uma etapa do cuidado e tratamento para os transtornos decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas.


*Carlos Augusto Lopes é sociólogo, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Ufes, subsecretário de Estado de Políticas sobre Drogas e presidente do Conselho Estadual sobre Drogas (Coesad)

 

 

 

 

 

 


Plural. Foto: Freepik

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