Coluna Vitor Vogas
Justiça em Números: os dados que provam o atraso tecnológico do TJES
Seja em processos eletrônicos novos, pendentes ou baixados, Corte do ES ocupa o último lugar entre os 27 tribunais estaduais. Confira o detalhamento
Elaborado anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o relatório “Justiça em Números” é um trabalho monumental, que impressiona pelo grau de detalhamento dos dados estatísticos, análises e conclusões. Tudo para medir, comparar e estimular a eficiência dos órgãos jurisdicionais do país. A edição mais recente do anuário, publicada em 2022, com os números relativos ao ano anterior, traz um conjunto de indicadores de desempenho preocupantes no que se refere à eficiência da Justiça Estadual do Espírito Santo.
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Alguns deles evidenciam algo que se estabeleceu na última década como uma deficiência crônica do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES): o seu atraso significativo, na comparação com outros tribunais estaduais – inclusive os de mesmo porte –, com relação à digitalização de processos, à implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe) e ao uso de tecnologias da informação.
O atraso na transição da era analógica (processos físicos) para a digital (processos eletrônicos) é tamanho que levou o atual presidente do TJES, desembargador Fabio Clem, a pedir um empréstimo de US$ 35,3 milhões ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por intermédio do Governo do Estado. Também o levou a afirmar categoricamente, em recente entrevista a este espaço, que o TJES “parou no tempo” e “não pode continuar no lugar em que está”.
O lugar, no caso, é o último entre os 27 tribunais estaduais em termos de digitalização. Não “um dos últimos”. É o último colocado mesmo, com folga. Vamos aos números que o provam.
Os índices do Justiça em Números
Para promover comparações mais justas e equilibradas, o CNJ divide os 27 tribunais estaduais em três categorias de acordo com o tamanho de cada um: pequeno, médio e grande porte. O TJES é classificado como um dos dez tribunais de médio porte. Isso nos permite avaliar seus resultados no contexto geral, mas também compará-los com os dos outros nove tribunais de mesmo porte (BA, CE, DF, GO, MA, MT, PA, PE e SC).
No relatório “Justiça em Números 2022”, o CNJ pela primeira vez publicou um capítulo específico sobre os índices relacionados a processos eletrônicos. Além do indicador do percentual de processos já ingressados eletronicamente, o relatório apresenta os percentuais de processos pendentes e baixados em sistemas de tramitação processual eletrônicos (principalmente no PJe).
O percentual de processos eletrônicos em relação ao total de processos existentes nos permite inferir o nível de informatização dos tribunais.
Muito bem, em todos os indicadores dessa seção, o TJES vai terrivelmente mal.
CASOS NOVOS ELETRÔNICOS
De modo geral, no Brasil, o percentual de processos que ingressa eletronicamente no Poder Judiciário tem crescido sem interrupções, em curva acentuada, desde 2012.
Nos últimos anos, como mostra o gráfico acima, houve considerável aceleração nesse trabalho de virtualização dos novos processos no Poder Judiciário brasileiro… Mas essa aceleração não se aplica ao TJES.
A conclusão do CNJ é inapelável: “[…] a Justiça Estadual apresenta 96% de processos eletrônicos novos, sendo que somente os Tribunais de Justiça do Espírito Santo e Minas Gerais apresentaram indicador inferior a 90%, com, respectivamente, 60% e 84,2% de processos ingressados eletronicamente.”
Entenderam o tamanho do abismo?
Dos 27 tribunais estaduais, 12 já dão entrada em todos os processos novos no formato eletrônico (100%); em 22 deles, pelo menos 98% dos novos processos já ingressam assim no sistema; em 25 deles, o índice supera 94%. No de Minas Gerais, fica em 84,2%.
E então, em último lugar, muito longe do penúltimo colocado e ainda mais distante dos demais, vem o TJES, com apenas 60%… isolado na rabeira.
Se o texto do relatório é “inapelável” para o TJES, o que dizer do gráfico que o acompanha? Em azul, estão os tribunais de grande porte; em verde, os de médio porte (entre os quais o TJES); em laranja, os de pequeno porte.
Repare que, não fossem o TJMG e sobretudo o TJES, o gráfico formaria praticamente um bloco simétrico. A diferença numérica é gritante até do ponto de vista visual.
Já o gráfico seguinte discrimina os resultados por jurisdição (1º e 2º grau).
Além de reforçar os resultados ruins do TJES, totalmente destoantes do conjunto, esse gráfico segmentado revela outra conclusão incontornável (e que deve ser enfrentada pela direção do TJES): sim, a Justiça Estadual do Espírito Santo tem um problema a resolver no 1º grau. Mas grave, grave mesmo, para não dizer abismante, é a situação verificada no 2º grau (isto é, no próprio TJES), em termos de digitalização de novos processos.
No gráfico, do lado esquerdo, em cores mais foscas, temos os resultados de cada tribunal no 2º grau, separadamente; do lado direito, em cores mais vivas, os resultados no 1º grau.
No 1º grau, com 65% de novos processos ingressados no sistema por meio eletrônico, o TJES fica bem isolado na última posição. O penúltimo colocado, TJMG, tem 85%. Todos os outros superam 90%, sendo que 17 já atingiram 100%.
Já no 2º grau, o TJES fica em último lugar, mas com o inacreditável índice de 24%. A penúltima posição é ocupada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), que tem 80% (um índice de dar inveja ao Espírito Santo). Vinte e quatro tribunais ficam acima de 90%, sendo que 20 deles já alcançaram 100%.
No cômputo geral, a média dos 27 tribunais estaduais é de 96%; o TJES fica em 60%.
Considerando só o 1º grau, o índice médio é de 96%; o do TJES, 65%.
Considerando só o 2º grau, a média é de 95%; o TJES não passa de 24%.
Se isolamos os dez tribunais considerados médios, para comparar o TJES com outros do mesmo porte, a situação não melhora.
Dentro dessa categoria, quatro tribunais (TJDFT, TJSC, TJCE e TJMT) já chegaram a 100%, considerando os dois graus. Nove deles superam 95%. Já o TJES, como visto, fica em 60%.
Dito de outro modo, o TJES, em último lugar, tem 60%. Os outros nove tribunais de médio porte têm pelo menos 95%. Bem acima do TJES, o penúltimo (TJPE) atinge 95,7%.
Assim, mesmo dentro da própria categoria, o TJES também se destaca negativamente.
PROCESSOS ELETRÔNICOS PENDENTES
A Resolução CNJ nº 420, de 29 de setembro de 2021, estabeleceu um cronograma para que todos os órgãos do Poder Judiciário digitalizem o acervo processual físico, de modo que passem a tramitar em sistemas eletrônicos. A norma também vedou o ingresso de novos casos a partir de março de 2022.
Por isso, o “Justiça em Números 2021” calculou a taxa de processos eletrônicos pendentes em cada tribunal. De novo, o TJES é citado negativamente no próprio texto do relatório:
“A Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho se destacam por apresentarem diversos tribunais com 100% de processos eletrônicos tanto no primeiro, como no segundo grau. Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (34,6%) e o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (34,5%) apresentaram os menores percentuais de informatização.”
O gráfico seguinte também prova isso. A média dos tribunais estaduais é de 78,8% de processos já digitalizados no próprio acervo. O penúltimo lugar geral (TJMG) tem índice de 58%. Entre os dez tribunais de médio porte, o penúltimo (TJPE) tem 80,4%. Muito, muito atrás, o último lugar geral é do TJES, com apenas 34,6%.
Na discriminação dos resultados por jurisdição, o índice médio dos tribunais estaduais, no 1º grau, é de 79%. Na lanterna, o TJES não passa de 35%.
Já no 2º grau, a média dos tribunais é de 80%. O TJES não foi além de 28%.
Tudo isso é muito ruim para a prestação judicial do Espírito Santo, pois, comprovadamente, processos eletrônicos tramitam bem mais rapidamente que processos físicos. Como observa o relatório do CNJ, “mesmo em órgãos com maior proporção de processos físicos, são notórias as diferenças nos tempos de tramitação, como em […] TJES (físico – 4 anos e 10 meses – e eletrônico – 1 ano e 9 meses)”.
De acordo com resolução do CNJ, por ostentar acervo físico superior a 40% do total de processos em tramitação, o TJES tem até 31 de dezembro de 2025 para digitalizar tudo.
PROCESSOS ELETRÔNICOS BAIXADOS
Por fim, o “Justiça em Números 2022” apresenta uma seção específica sobre processos eletrônicos baixados, na qual o TJES recebe outra menção nada abonadora: “Apesar da Justiça Estadual apresentar 85% de processos baixados eletronicamente, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo apresentou indicador de somente 3,5% no segundo grau e de 35,7% no primeiro grau.”
Nem é preciso dizer que nosso tribunal também figura na lanterna desse ranking, conforme se vê no gráfico abaixo.
A média de processos baixados nos tribunais estaduais é de 85%. O penúltimo lugar geral (TJMG) fica com 60,4%. No grupo de tribunais de médio porte, o penúltimo (TJPA) tem 68,2%. Na última colocação geral, o TJES registra apenas 32,2%.
Na discriminação dos resultados por jurisdição, o índice médio de processos eletrônicos baixados dos tribunais estaduais, no 1º grau, é de 84%. Na lanterna, o TJES não vai além de 36%.
Já no 2º grau, a média dos tribunais é de 92%. Aqui, pasmem, o TJES só tem 3%. O penúltimo colocado (TJMG) chegou a 68%. Tem algo muito errado aí.
GASTOS COM INFORMÁTICA
Um último dado revelador é que, em 2021, proporcionalmente, o TJES foi o segundo tribunal estadual do país que menos gastou com informática – à frente apenas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN).
Dos R$ 225 milhões gastos pelo TJES naquele ano (sem contar despesas com pessoal), só R$ 9,1 milhões foram despesas com a área de informática, o equivalente a 4,1%.
Para efeito de comparação, no mesmo ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) gastou metade do seu orçamento de custeio com informática.
É obviamente um contrassenso, já que esse é justamente, há muitos anos, o calcanhar de Aquiles do TJES. De um tribunal que precisa com urgência se digitalizar, seria de esperar um investimento maior, precisamente, em informática.
Talvez isso corrobore algo também dito à coluna pelo atual presidente do tribunal, Fabio Clem, que assumiu o cargo em dezembro de 2021 (não tendo executado, portanto, o orçamento do TJES naquele ano):
“Penso que faltava uma expansão de raciocínio político para se enxergar aonde o TJES chegou e termos de atraso tecnológico, o buraco em que estávamos chegando.”
Chegaram mesmo.
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