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Coluna Vitor Vogas

Cais das Artes: conheça os detalhes do acordo para retomada da obra

Saiba por que o governo Casagrande decidiu retomar o contrato com o consórcio, quando a obra será reiniciada, quando será entregue e quanto custará

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Projeção de como deve ficar o Cais das Artes depois de concluído (oxalá!). Foto: Divulgação

Agora vai! Transformada em monumento de desperdício do dinheiro público no Espírito Santo, a obra do Cais das Artes será enfim retomada. A previsão do governo Casagrande é que em no máximo 60 dias a população já possa voltar a ver trabalhadores no canteiro de obras, localizado na Enseada do Suá. Isso será possível graças a um acordo extrajudicial celebrado entre as duas partes que vinham litigando na Justiça há anos: o Governo do Estado e o Consórcio Andrade Valladares, responsável pela execução do equipamento cultural.

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O acordo de conciliação foi homologado nesta terça-feira (20) pela Justiça Estadual – precisamente, pelo juiz Mário Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal de Vitória. Com isso, o Departamento de Edificações e Rodovias do Espírito Santo (DER-ES) e o Consórcio Andrade Valladares renunciam a todos os processos judiciais movidos entre as duas partes relativos a valores que cada uma acreditava ter direito a receber da outra (havia quatro ações, ao todo).

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“Esse acordo encerra todas as pendências no âmbito da Justiça. Coloca fim a discussões relativas a fatos pretéritos envolvendo o Cais das Artes”, explica o procurador-geral do Estado, Jasson Hibner Amaral, que participou pessoalmente das negociações com o consórcio.

Além do acordo extrajudicial firmado “mediante concessões mútuas”, o DER-ES e o consórcio estão prestes a firmar um termo aditivo do contrato, para assinatura da ordem de serviço e retomada efetiva da obra, o que pode ocorrer em até dois meses, segundo a projeção do governo.

A partir da assinatura da ordem de serviço, a previsão, colocada por escrito no aditivo, é que o Cais das Artes seja enfim entregue aos capixabas em um prazo de 30 meses, a um custo adicional de R$ 163.559.665,12 para os cofres estaduais (em valores referentes a setembro de 2022, quando o cálculo foi efetuado). Vale dizer: para que a obra seja concluída, o Governo do Estado concorda em pagar R$ 163,5 milhões ao consórcio de Minas Gerais.

O acordo e o aditivo não mexem um milímetro no objeto do primeiro contrato, ou seja, a empreiteira deverá executar exatamente o que prevê o projeto arquitetônico original, assinado pelo já falecido Paulo Mendes da Rocha.

“Será um equipamento ligado à Secult [Secretaria de Estado da Cultura], que terá um museu e um teatro, respeitando o projeto original”, assevera o procurador-geral do Estado. “É uma obra que tem potencial de nos colocar no cenário cultural internacional.”

Os detalhes do acordo

Antes de sacramentar o acordo, o governo Casagrande trabalhava com duas opções para enfim desenterrar a cabeça de burro do canteiro de obras. A alternativa ao acordo era lançar edital para nova licitação da obra, enquanto seguia litigando com a Andrade Valladares na Justiça em razão do passivo do passado.

Jasson explica por que o governo optou pela solução conciliatória, com a retirada dos quatro processos de parte a parte e o fim das querelas jurídicas entre Estado e empresa:

“Para o Estado, além da previsibilidade, há a questão da economia. Chegamos a discutir outros cenários, mas concluímos que uma nova licitação sairia mais cara para o Estado que esse acordo.”

A obra do Cais das Artes foi licitada pela primeira vez em 2009, no segundo governo de Paulo Hartung (então no PMDB). A vencedora do certame foi a empresa Santa Bárbara, que começou a executar a obra, mas faliu no meio do caminho. A obra, então, foi relicitada e assumida pelo Consórcio Andrade Valladares.

Em 2015, por decisão judicial, a obra foi suspensa. A partir daí, deflagraram-se os conflitos na Justiça entre Estado e empresa. Cada parte entendia ter valores a receber da outra: o governo reivindicava créditos a receber da empresa, alegando ter antecipado pagamentos por serviços que não foram efetivamente realizados; por sua vez, a empresa cobrava do Estado o ressarcimento por serviços efetivamente prestados, mas jamais pagos pelo governo.

Nesse cabo de guerra, a verdade, admite Jasson, é que as duas partes tinham lá a sua razão e valores a receber uma da outra. Caso clássico em que os dois litigantes têm um pedaço de razão, mas ninguém está inteiramente certo.

Como produzir um consenso, nesse caso? “A partir de um encontro de contas”, explica o procurador-geral do Estado. “Em um desses quatro processos, foi realizada uma perícia judicial. Usamos as conclusões dessa perícia para iniciar as negociações com a empresa. Realmente havia entregas feitas pela empresa que não foram pagas, como também havia o adiantamento de pagamentos do Estado por serviços não entregues pela empresa. Isso nos trouxe um encontro de contas.”

A princípio, nesse encontro de contas, o Estado é que teria um pequeno saldo devedor, próximo a R$ 5 milhões. Significa dizer: caberia ao Estado pagar essa quantia ao consórcio para os dois “zerarem o passivo” e poderem retomar o contrato.

Entretanto, “o jogo virou” em favor do Estado, a partir de uma instrução técnica realizada em 2017 que também levou em conta o estoque de equipamentos já pagos pelo Estado no canteiro de obras. Com as contas refeitas, as conclusões foram as seguintes:

O DER-ES tinha um crédito de R$ 23.365.228,93 a receber da empresa, enquanto esta tinha um crédito de R$ 18.825.454,63 a receber do DER-ES. No saldo, a empresa deveria pagar ao Estado, em valores da época, R$ 3.390.371,51.

Em valores corrigidos tendo por data-base setembro de 2022, a Andrade Valladares deve ao Estado, precisamente, R$ 6.832.954,74. E concordou com esse débito.

Nos termos do acordo, essa dívida será deduzida (isto é, descontada) do valor a ser pago pelo Estado ao consórcio, a partir da retomada das obras. “Vamos diluir esse montante à medida que as medições forem realizadas. Esse valor será abatido desse crédito em favor do Estado”, explica Jasson. E vida que segue.

A questão que fica e que dirigi ao procurador-geral do Estado é a seguinte:

A vantajosidade do acordo para o Estado é evidente. Mas e do ponto de vista da Andrade Valladares? Qual é o benefício para o próprio consórcio, uma vez que ele já entra nessa nova fase, de retomada do contrato, devendo R$ 6,8 milhões ao Estado?

O procurador responde:

“O acordo para a retomada gera previsibilidade, estabilidade e segurança. Nem a empresa nem o Estado teriam condições de antever quando esses quatro processos se finalizariam e qual seria o desfecho. Acredito que seja vantajoso para todos ter um problema dessa envergadura solucionado.”

Deterioração e recuperação

O acordo e o termo aditivo do contrato preveem ainda uma “matriz de compartilhamento de risco”. O que isso significa?

Com a obra paralisada há tanto tempo, praticamente oito anos, é natural que muito do que já havia sido construído tenha se deteriorado no canteiro. Por isso, a primeira fase da retomada será justamente a de restauro e recuperação do que já havia sido executado, se constatada a necessidade.

Para isso, o acordo prevê um teto de R$ 20.622.193,83 (além daqueles R$ 163,5 milhões para conclusão da obra) que o Estado aceita pagar para cobrir as obras de recuperação que se provarem necessárias. O que eventualmente ultrapassar esse teto é a empresa quem vai assumir.

“Uma preocupação que a gente tinha era de colocar números bem definidos para a sociedade, a fim de evitar que houvesse alteração ao longo do tempo. O que passar de R$ 20,6 milhões para recuperação não será custeado pelo Estado. Então essa recuperação, nessa primeira fase, pode custar ao Estado até R$ 20,6 milhões”, explana o procurador Luiz Henrique Pavan, que também participou das negociações.

Sem aditivos nem adiantamentos

Há outros dois itens importantíssimos no aditivo do contrato.

O primeiro é que fica excluída, de saída, qualquer possibilidade de acréscimos no novo valor contratual.

O segundo é que o governo não fará, em hipótese alguma, antecipação de pagamento (o que é chamado, tecnicamente, pelo termo “eventograma”).

Foram precisamente os tais “eventogramas” que renderam muita contestação e que levaram o Tribunal de Contas do Estado (TCES) a apurar possíveis irregularidades em pagamentos antecipados do Iopes (fundido ao DER-ES em 2019) à Andrade Valladares. O processo sobre os possíveis pagamentos indevidos ainda não foi julgado no TCES. Mas essa hipótese foi riscada do novo contrato.

“Proibimos qualquer antecipação de pagamento de agora em diante. Há uma cláusula no aditivo proibindo expressamente isso. Todos os pagamentos serão feitos após medição, atestação e entrega do serviço pela empresa ao DER-ES”, afiança Jasson Amaral.

“Diante de discussões sobre o tema, achamos melhor evitar o retorno dessa regra ao contrato. Isso já foi objeto de discussões e questionamentos, então decidimos tirar isso para que não haja mais questionamentos”, completa Luiz Henrique Pavan.

É importante destacar que o acordo firmado na esfera judicial não anula nem interfere em nada nas apurações sobre possíveis pagamentos indevidos em curso no TCES, na Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont) e, eventualmente, em outros órgãos. O próprio procurador-geral do Estado frisa este ponto:

“O acordo encerra o litígio entre o DER-ES e o consórcio na Justiça. Não anula o que está tramitando no TCES nem na Secont. Da nossa perspectiva, o acordo visa à entrega da obra ao menor custo possível e no menor tempo possível. Questões de responsabilidade e questões que eventualmente não tocam isso são tratadas pelos órgãos de competência.”

O que o governo já pagou

Em valores da época, a estimativa da PGE é que, desde o início da novela, em 2009, o governo já tenha executado e pago aproximadamente R$ 132 milhões pela obra do Cais das Artes, sendo pouco mais de R$ 50 milhões para a primeira empreiteira, Santa Bárbara, e pouco mais de R$ 70 milhões para a Andrade Valladares. Isso em valores não corrigidos, da época em que os pagamentos foram efetuados.

Consideração final

Permitindo-me um adendo, creio ser mais prudente substituir a exclamação com que abri esta coluna por um ponto de interrogação: será mesmo que “agora vai”?


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