Coluna Vitor Vogas
Vereadores da Serra aprovam aumento do próprio salário e querem ampliar número de vagas na Câmara
Como parte de um pacote de bondades em benefício próprio, vereadores aprovaram o direito a reajuste anual para si mesmos e criação de mais duas vagas no plenário da Casa a partir de 2025. A segunda mudança ainda precisa ser votada em 2º turno
Em um exemplo de oneração dos cofres públicos e de legislação em causa própria, os vereadores da Serra aprovaram nesta quarta-feira (16) o direito a reajuste anual do próprio salário, vinculando o aumento dos seus subsídios à revisão geral anual a que têm direito os servidores públicos da Serra.
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Por meio da Proposta de Emenda à Lei Orgânica 04/2022, aprovada em 2º turno na sessão plenária desta quarta, os vereadores, o prefeito, o vice-prefeito e os secretários municipais passarão a receber o “mesmo índice de reajustamento dos servidores municipais”. A mudança tem efeito imediato, ou seja, no próximo aumento para o funcionalismo, o mesmo percentual será aplicado aos contracheques dos parlamentares e das autoridades do Executivo da Serra.
Na mesma sessão, os vereadores serranos também aprovaram, mas em 1º turno, outro projeto polêmico: o que amplia o número de vagas na Câmara da Serra de 23 para 25 parlamentares na próxima legislatura (a partir de 2025).
Como o projeto também emenda a Lei Orgânica Municipal, ainda precisa ser aprovado em 2° turno no plenário, respeitando-se um intervalo de no mínimo 10 dias entre as duas votações. Como o primeiro escrutínio foi realizado nesta quarta, dia 16 de novembro, a matéria só pode voltar a ser pautada pela Mesa Diretora, para a votação em 2° turno, do dia 26 em diante.
Nos dois casos, as duas propostas foram aprovadas em plenário nesta quarta contra o voto de apenas três vereadores: Adriano Galinhão (PSB), Anderson Muniz (Podemos) e Professor Rurdiney (PSB).
Por se tratar de emendas à Lei Orgânica, uma vez aprovados em dois turnos pela Câmara, os projetos são promulgados pela Mesa Diretora. Não precisam seguir para sanção do prefeito.
A concessão de reajustes anuais dos parlamentares para si mesmos e a iminente ampliação da quantidade de assentos no plenário fazem parte de um pacote de bondades em benefício próprio que os vereadores da Serra vêm votando desde o mês passado.
No fim de outubro, vereadores protocolaram um projeto de lei que visava instituir o pagamento de 13º salário para eles próprios todo mês de dezembro (na mesma data do pagamento dos servidores da Câmara) e outro que estendeu, também para eles mesmos, o direito ao recebimento do tíquete-alimentação mensal pago aos servidores da Casa desde 2012.
Ambos os projetos foram apresentados por 10 vereadores. No dia 31 de outubro – “ressaca” do 2º turno das eleições para governador e presidente –, o do auxílio-alimentação foi aprovado em votação relâmpago, com 12 votos favoráveis e nenhum contrário. O projeto ainda aguarda sanção ou veto do prefeito Sérgio Vidigal (PDT). Já o do 13º acabou rejeitado em plenário no dia 7 de novembro, com 12 votos contrários e três abstenções.
Abaixo, explico melhor cada um desses projetos que fizeram o Papai Noel chegar antes na Câmara da Serra.
REAJUSTE SALARIAL
Originalmente, o texto da Lei Orgânica da Serra determinava que os vereadores deviam fixar os próprios salários de uma legislatura para a outra. Assim, supondo que os atuais vereadores aprovassem hoje um aumento do próprio salário, estabelecendo um novo valor X, este só passaria a ser pago a partir do início do próximo mandato (2025-2028), perdurando por toda a duração do mesmo.
É exatamente isso que os vereadores acabaram de alterar, por meio da Proposta de Emenda à Lei Orgânica 04/2022.
Assinada por nove vereadores, inclusive o presidente, Rodrigo Caldeira (PSDB), a proposta estabelece uma nova lógica para a fixação dos salários dos parlamentares da Serra: a da correção anual. Pelo texto do projeto, que altera o artigo 68 da Lei Orgânica, os reajustes dos subsídios dos vereadores (e também os do prefeito, vice-prefeito e secretários municipais) deverão acompanhar os dos servidores municipais:
“Os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais deverão ser fixados, antes da eleição, pela Câmara Municipal, em cada legislatura, para vigorar na subsequente, e serão atualizados na hipótese de revisão geral anual prevista no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, aplicando-se aos Edis o mesmo índice de reajustamento dos servidores municipais.”
Assim, toda vez que o prefeito da Serra conceder um aumento salarial aos funcionários do município, os 23 (em breve, 25) vereadores terão direito automaticamente ao mesmo reajuste.
Na prática, eles estão se igualando à condição de servidores municipais, vinculando suas reposições salariais às do funcionalismo.
Hoje, um vereador da Serra recebe R$ 9.208,33 brutos por mês – lembrando que o exercício da vereança não exige “dedicação exclusiva”, de modo que o vereador pode manter paralelamente outras atividades profissionais e fontes de renda (o que é muito comum).
Ainda não é possível dizer o valor do próximo salário, pois isso dependerá do próximo percentual do reajuste a ser concedido pelo prefeito Sérgio Vidigal ao funcionalismo municipal.
CRIAÇÃO DE MAIS DUAS VAGAS
Aqui a discussão é boa! Como reza o texto atual da Lei Orgânica Municipal, a Câmara da Serra é composta por 23 vereadores.
Neste debate, a primeira coisa a se entender é que o número de parlamentares que cada Câmara Municipal país afora pode ter é delimitado pelo artigo 29, inciso IV da Constituição Federal.
O referido inciso estabelece uma espécie de “tabela”, com um número limite de vereadores para cada faixa demográfica. Assim, a quantidade máxima de vagas em determinada Câmara Municipal é definida em função do número de habitantes do município em questão.
Com isso, o que o legislador pretendeu é que o número de vereadores de cada cidade brasileira seja proporcional ao tamanho da sua população, de modo a garantir uma representatividade adequada dos munícipes (nem mais nem menos que o necessário).
No caso específico da Serra, a cidade mais populosa do Espírito Santo já possui cerca de 536,7 mil habitantes, de acordo com estimativa do IBGE para 2021. Portanto, o município hoje se encaixa na alínea “i” do inciso citado acima: a dos municípios que possuem entre 450 mil e 600 mil habitantes. Desde 2009, estes podem ter até 25 vereadores, de acordo com o texto dado pela Emenda nº 58 à Constituição Federal.
A Câmara da Serra, assim, realmente tem direito a elevar seu número de cadeiras das atuais 23 para 25. Isso do ponto de vista legal. E é exatamente esse o principal argumento aludido pelos dez signatários na justificativa oficial da Proposta de Emenda à Lei Orgânica nº 05/2022:
“Nesse contexto, levando-se em consideração que a representatividade de seus munícipes representa tarefa árdua atribuída aos membros que compõem o Parlamento, faz-se necessária a edição do presente projeto […], em estrito cumprimento ao que preconiza o artigo 29, inciso IV, alínea ‘i’ da Constituição Federal.”
Mas a discussão vai além disso, adentrando outros campos, como o eleitoral e o financeiro.
Eleitoralmente, é óbvio que criar mais vagas aumenta as chances de renovação do mandato, na eleição municipal de 2024, para quem já é vereador.
Já do ponto de vista financeiro, é igualmente elementar que esse aumento vai gerar um impacto para o contribuinte serrano.
O texto do projeto não apresenta o impacto financeiro a ser gerado pela criação das vagas. Mas podemos fazer uma conta simples.
Hoje, cada vereador da Serra pode manter até 15 assessores de gabinete. Contando o tíquete-alimentação, cada gabinete conta com uma verba mensal de até R$ 50 mil para pagar salários e benefícios dos assessores.
Em números atuais, dois novos vereadores na Casa a partir de 2025 podem representar a contratação de mais 30 assessores, que por sua vez podem representar um gasto adicional de R$ 100 mil por mês, totalizando R$ 1,2 milhão por ano. Isso se a Câmara abrigasse mais dois vereadores hoje. Com as reposições inflacionárias esperadas até 2025, o impacto deverá ser maior.
E haverá, é claro, os gastos adicionais relativos aos próprios vereadores, incluindo os salários pagos aos dois novos edis.
Hoje, como dito acima, um vereador da Serra recebe R$ 9.208,33 brutos por mês. Se esse salário fosse mantido até 2025, o pagamento para mais dois vereadores significaria um acréscimo anual de R$ 221 mil na folha da Câmara (sem contar férias).
E tem mais: em primeiro lugar, esse salário, como vimos, não será mantido; em segundo lugar, essa projeção não leva em conta o benefício que os vereadores acabam de aprovar para si mesmos, no finzinho de outubro, e que pode virar lei… o que nos leva ao próximo ponto:
TÍQUETE-ALIMENTAÇÃO
No dia 31 de outubro, os vereadores aprovaram a inclusão deles mesmos como beneficiários do auxílio-alimentação concedido aos servidores da Câmara. Atualmente, o valor mensal do benefício é de R$ 807,00.
Como exercício matemático, considerando o número atual de 23 vereadores, isso significa um gasto extra de R$ 18.561,00 por mês. Isso, é claro, se o projeto for sancionado pelo prefeito. Caso a matéria vire lei e não haja reajuste no valor do benefício no ano que vem, a despesa extra será de R$ 222.732,00 em 2023.
O mesmo projeto também dispõe que, se houver disponibilidade orçamentária (dinheiro sobrando em caixa), a Câmara concederá, em dezembro, uma 13ª parcela do auxílio-alimentação para os servidores efetivos e comissionados.
A justificativa do projeto aprovado chama a atenção porque, no argumento central, os seus autores alegam tratar-se de uma questão de justiça, isto é, da correção de uma injustiça:
“[…] o presente projeto de lei visa assegurar aos referidos agentes políticos os mesmos direitos sociais contemplados pela Constituição Cidadã aos demais trabalhadores (independentemente do regime a que estão submetidos), dentre os quais figura o direito ao auxílio-alimentação (alimentação digna), enquanto estiverem comprovadamente no exercício do mister público”, argumentam os proponentes.
VOZ CONTRÁRIA
O vereador Anderson Muniz votou contra as propostas de reajuste anual para os vereadores e de criação de mais duas vagas na Casa. Ele justifica: “Votei contra porque sei que esse não é o interesse nem a prioridade da população. Na campanha eleitoral preguei contra o aumento do gasto público. Por que agora eu seria a favor?”
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