fbpx

Coluna Vitor Vogas

A gravação explosiva que compromete vereadores da Serra acusados de corrupção

Conversa a portas fechadas gravada secretamente por outro vereador foi usada como prova principal da investigação do MPES. No diálogo incriminador, parlamentares falam em recebimento de vantagens, como valores e até terreno, em troca de aprovação de projeto. Aqui, as transcrições

Publicado

em

No sentido da leitura: Cleber Serrinha, Wellington Alemão, Saulinho da Academia e Teilton Valim: acusados pelo MPES

No sentido da leitura: Cleber Serrinha, Wellington Alemão, Saulinho da Academia e Teilton Valim: acusados pelo MPES

O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) denunciou à Justiça o ex-deputado estadual Luiz Carlos Moreira (MDB), por corrupção ativa, e quatro vereadores da Serra, por corrupção passiva. A denúncia atinge os vereadores Saulinho da Academia (PDT), Teilton Valim (PDT), Wellington Alemão (Rede) e Cleber Serrinha (MDB). O MPES também pede, liminarmente, o afastamento cautelar dos quatro acusados, pelo tempo que durar o processo, para preservar a ordem pública e evitar e reincidência nas práticas delitivas a eles atribuídas.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

O processo criminal não está em segredo de Justiça e tramita no 1º grau, sob a responsabilidade da 2ª Vara Criminal. A denúncia foi ajuizada na quarta-feira (13) pela promotora de Justiça Giselle de Albernaz Meira. O juízo da Serra só deve decidir na próxima semana sobre o pedido liminar de afastamento dos quatro parlamentares.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do Vítor Vogas.

De acordo com o Código Penal, o crime de corrupção passiva (art. 317) consiste em “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. A pena pode chegar a 12 anos de prisão, além de multa.

Para o MPES, foi exatamente o que fizeram os quatro acusados. Eles teriam negociado e aceitado promessas de vantagem indevida, em troca da aprovação do Projeto de Lei n° 69/2024. Trata-se de um polêmico projeto enviado à Câmara Municipal, no primeiro semestre de 2024, pelo então prefeito da Serra, Sérgio Vidigal (PDT), e destrinchado aqui. O projeto visava instituir uma política pública municipal de regularização de imóveis urbanos de propriedade do município da Serra, mas ocupados e utilizados por particulares.

A iniciativa de lei envolvia muitos interesses privados de agentes que poderiam se beneficiar das novas regras para regularização fundiária dos imóveis. Um deles seria Luiz Carlos Moreira. Segundo as investigações do MPES, o ex-vereador e ex-deputado estadual tinha interesse pessoal na aprovação e na sanção da matéria, a ponto de o projeto ser informalmente referido, nos bastidores da Câmara da Serra, como o “Projeto do Moreira”. O então prefeito também teria interesse direto na aprovação, segundo o MPES.

“Segundo apurado, tal Projeto de Lei envolvia interesse de várias pessoas, inclusive do então prefeito e de Luiz Carlos Moreira (co-denunciado ao lado dos requeridos), a ponto de ficar conhecido, na Câmara de Vereadores, como ‘Projeto do Prefeito’ ou ‘Projeto do Moreira’, vez que poderia regularizar diversos imóveis neste município, dentre eles aqueles de interesse de ambos.”

Inicialmente, foi enviado à Câmara de Vereadores apenas o projeto de lei em questão. Contudo, perto do dia da votação, o vereador Wellington Alemão apresentou emenda ao texto original. Alguns vereadores assinaram a emenda de forma eletrônica, de seus gabinetes, sem perceberem do que se tratava. A iniciativa de Wellington levou outros vereadores a buscarem uma reunião de emergência com ele, no dia em que estava marcada a votação do projeto em plenário. Entre eles, os outros três parlamentares acusados.

“No dia da votação, na Câmara de Vereadores de Serra, alguns vereadores, dentre eles os requeridos Cleber [Cleber Serrinha], Valteilton [Teilton] e Saulo Mariano [Saulinho], este último então presidente da Casa de Leis, foram saber do requerido Wellington o que estava por trás da emenda por ele apresentada e se houve o pagamento ou a promessa de recebimento de vantagem”, relata o MPES.

O conteúdo dessa reunião foi gravado, em áudio, por um quinto vereador, e enviado à Promotoria de Justiça Criminal da Serra. Apuramos que o autor da denúncia foi o então vereador Anderson Muniz. Foi ele quem gravou a conversa, secretamente, sem que os outros o soubessem. Periciada pela Polícia Civil, essa gravação foi o estopim da investigação e é a principal prova que dá sustentação à denúncia do MPES. Para a Promotoria, seu teor é altamente incriminador.

“Vereadores, mais veementemente os requeridos Cleber, Valteilton e Saulo Mariano, questionam o requerido Wellington sobre o recebimento de vantagem indevida”, relata a promotora de Justiça, na peça ajuizada. A fala de Clebinho para Wellington, transcrita na denúncia e reproduzida abaixo, resume, segundo o MPES, o que pretendiam os vereadores:

SAULO MARIANO: Negócio é o seguinte. Aqui a galera sabe que você anda devagar, mas sempre anda na frente. (Risos) Ninguém é bobo. Você chegou com uma emendazinha aí, e a gente tá sabendo o seguinte, e esse mesmo cara que você conversou, que iria dar uma situação para a galera aí, o cara recuou e você meteu uma emenda. Aí a gente quer saber o que que tem nessa emenda aí pros vereador votar não ter problema, mas é o miguelai cair pra todo mundo.

“A partir daí”, prossegue o MPES, “o áudio revela que o que os vereadores, em especial os requeridos Cleber, Saulo Mariano e Valteilton, pretendiam que todos recebessem de forma igual e preferencialmente em dinheiro vantagem ilícita. O requerido Valteilton, inclusive, chegou a falar que os vereadores não deveriam votar o projeto de lei e a respectiva emenda naquela data, pois o valor oferecido era muito pouco para um projeto ‘daquele tamanho’, o que foi seguido pelo requerido Cleber”.

Sempre de acordo com o que consta na denúncia, Wellington Alemão, então, passou a falar especificamente em valores oferecidos por terceiros, a título de propina, em troca da aprovação do projeto. Ele mencionou explicitamente a quantia de R$ 100 mil e até um terreno no bairro Balneário Carapebus, o qual seria ainda mais valioso.

“De outro lado, o requerido Wellington, ‘porta-voz’ de quem oferecia a vantagem ilícita, explicou aos demais que a referida vantagem era, inicialmente, R$ 100.000,00 (cem mil reais), mas que, depois, foi oferecido um terreno de 6.000 (seis mil) metros quadrados, em Balneário Carapebus, que, de acordo com ele (requerido Wellington), valeria mais do que os R$ 100.000,00 (cem mil reais) antes ofertados”.

A proposta do imóvel como forma de pagamento dividiu o grupo, descontentando os outros três, que preferiam receber o “pagamento” em dinheiro mesmo. Nos termos da denúncia: “[…] a mudança da vantagem ilícita oferecida (o terreno pelo dinheiro) não agradou aos requeridos Cleber, Saulo Mariano e Valteilton, que pressionaram o requerido Wellington”. Este, segundo o MPES, afirmou:

– Não vou mentir pra ninguém, o cara conversou comigo ontem à noite. E conversou hoje de manhã… se vocês não quiserem votar hoje e quiser que dá em dinheiro eu vou atrás do cara também, entendeu?

Durante o procedimento investigativo criminal conduzido pelo MPES, os quatro vereadores agora denunciados admitiram, em depoimento, que as vozes na gravação são mesmo deles.

“Nesse sentido”, conclui a Promotoria Criminal da Serra, “oferecida a denúncia, observa-se a existência de indícios de autoria e materialidade do delito imputado aos requeridos”

“Isso sempre foi feito”

O afastamento de cargo ou mandato eletivo pode ser determinado pela Justiça se reconhecido o risco de utilização da função pública para a prática de infrações penais. Para a promotora de Justiça que assina a petição do MPES, isso já vem ocorrendo há algum tempo no caso concreto.

Isso porque, como se extrai do diálogo gravado por Anderson Muniz (o mesmo que embasou a denúncia), os vereadores acusados já viriam exercitando o mesmo modus operandi em relação a outros projetos de elevada importância que dependem do aval do Poder Legislativo Municipal: aproveitar tais oportunidades para negociar e obter vantagens indevidas em troca da aprovação. No diálogo grampeado, eles fazem referência direta, por exemplo, ao Plano Diretor Municipal (PDM).

“No caso em tela, o que [se] constata é que os requeridos já utilizaram de sua função pública para cometer crime (aquele narrado na denúncia em apenso). Outrossim, o áudio gravado da reunião dos vereadores aborda outro projeto de lei que foi julgado pelo Legislativo Municipal, suscetível de negociatas – o Plano Diretor Municipal (PDM) –, já que tratou de interesses diversos. Quando se discutiu se a ‘vantagem’ seria dinheiro ou terreno, os requeridos fizeram referência ao PDM:”

WELLINGTON: Sim… Não… O cara propôs a seguinte situação: dá a área de 6.000 mil metros quadrados…

SAULO: Eu vou ser sincero pra vocês, nós passamos o que passamos no PDM (…) até hoje nada do (…) claro que não temos que aceitar o que vem na hora. (…) Se quiser derrubar a emenda, pode derrubar a emenda… (…) Wellington, conclui o que você estava falando…

WELLINGTON: Na mesma área de 6.000 pegava 1.000 metros quadrados que acho que vale muito mais que 100 mil, em Balneário Carapebus, vale muito mais que 100 mil…

SAULO: Mas pra quando? O PDM até hoje sem dinheiro! (…)

ISAAC: Em algum momento, eu participei das conversas a pedido do presidente, o que que acontece na situação da emenda específica. A emenda só tá permitindo que o cara tenha o direito de requerer na prefeitura. Nesse momento, ninguém tá dando área pra ninguém. Aí o cara encarar lá Claudio Denicoli, toda aquela turma, pra depois chegar no cartório de registro. Então assim… Não sou especialista, não é minha área, mas isso aí é coisa pra daqui a muito tempo.

TEILTON: Mas o que eu estou falando é o seguinte. Um projeto desse tamanho (…) hein, um projeto desse tamanho, ir para o Plenário por 5.000? Porque não senta em cima dele e segura essa porra aí, que se foda! Ué, já que tem um monte de coisa no projeto, se fosse uma coisa específica do Moreira… ué! Fala, ahhh, prefeito… (…) Aí tinha, né? Não tinha mais coisa? (…) Hoje sem querer eu fui no Executivo ele falou de outra área que foram atrás. Tem mais coisa… Não tem só Moreira, não…

WILLIAM MIRANDA: Rapaz, isso virou um mini PDM!

SAULO: Então todo mundo tem que ir atrás então.

WELLINGTON: Concordo. Sim… Isso sempre foi feito… mas isso aí o que se diz que todas as áreas com mais de 5.000 metros quadrados que tiver nessa situação vai ser regularizada.”

Para o MPES, “o trecho antes transcrito revela que os vereadores, dentre eles os requeridos, de alguma forma, ‘negociaram’ vantagens na votação do Plano Diretor Urbano, a ponto de o vereador William Miranda comparar o projeto de lei e a emenda que seriam votados ao PDM (‘… isso virou um mini PDM’)”.

A promotora também destaca a conclusão do presidente da Casa, Saulo Mariano, “de que ‘todo mundo tem que ir atrás então’, sugerindo que todos os vereadores deveriam exigir alguma vantagem, da mesma forma que estava sendo feita pelos requeridos. Não se pode ignorar, também, a concordância do requerido Wellington à fala do requerido Saulo Mariano de que todos os vereadores deveriam ‘correr atrás’, quando disse: ‘Isso sempre foi feito’”.

Em depoimento ao MPES, outro vereador participante da reunião – mas não incluído no rol de acusados – chegou a revelar o recebimento de uma “ajuda como se fosse um despachante” de terceiros, na época da votação do PDM, recebida por vereadores, numa “intermediação” feita entre prefeitura e o particular interessado. William Miranda não nominou nenhum colega, mas disse entender que não há nada ilegal nesse modo de agir.

Novo projeto: “instrumento” nas mãos dos vereadores

Ainda nos termos da denúncia, “para além do que já tinha sido feito e estava sendo feito, naquele momento, o mesmo áudio revela que os requeridos chegaram ao ponto de discutir ações delituosas futuras, sem o menor pudor, quando trataram de um projeto de lei que modifica o Plano Diretor Municipal já votado, ainda pendente de votação pela Câmara de Vereadores de Serra, chamado por eles de ‘instrumento’”.

O projeto assim chamado pelos acusados foi, originalmente, enviado pelo Executivo à Câmara Municipal em 2023 (gestão Vidigal). O atual prefeito, Weverson Meireles (PDT), reenviou o projeto de lei, que “institui instrumentos de aplicação de política de desenvolvimento urbano no Município da Serra”. Trata-se do PL n° 620/2025, de 10 de abril de 2025.

Segundo o MPES, como se verifica no mesmo áudio da comprometedora reunião, “o ‘instrumento’ é referenciado como uma forma de ‘moeda de troca’ em que os vereadores revogariam alguns artigos e poderiam receber alguma vantagem ilícita (‘Aí vai aparecer’)”:

SAULO: E outra coisa que eu já conversei com alguns vereadores, que nós tamos com instrumento aí. Eu tô propondo, né, Elcimara?

CLEBER: Aí sim… (…)

SAULO: Em cima desse instrumento a gente revogar várias situações ali, entendeu? Aí vai aparecer… (…)

WELLINGTON: Eu quero que aparece mesmo. Que comigo não vai aparecer nada. Eu não ganhei nada.

SAULO: Nós não ganhamos porra nenhuma! Deixa o pau quebrar.

TEILTON: Tem que revogar mesmo. (…)

JEFERSON: O que que nós vamos fazer, presidente? (…)

TEILTON: Tem que revogar mesmo…”

Para o MPES, o farto conjunto de elementos constitui uma “amostra” do que tais vereadores “são capazes” de fazer e da sua predisposição em seguir agindo assim futuramente: vendendo votos em troca de vantagens, criando dificuldades para colher facilidades.

Conforme salienta o MPES, com base no teor da reunião gravada, “existe ‘justo receio’, de forma concreta, de que os requeridos irão cometer outros delitos, considerando que, nas oportunidades que tiveram, já demonstraram do que são capazes. Ou seja, a disposição demonstrada pelos requeridos em ‘vender votos/ajuda’ por vantagens ilícitas somente está condicionada ao aparecimento de oportunidade. Tudo isso foi revelado pelo áudio gravado da ‘reunião’ que fora feita, podendo-se crer que se trata apenas de uma amostra do que já foi feito e está sendo feito”.

Conclui a Promotoria da Serra: “Os fatos que podem ser extraídos do áudio levados a conhecimento do Ministério Público são extremamente graves e colocam a ordem pública em cheque [sic], devendo, para protegê-la, afastar aqueles que possuem a intenção de feri-la de suas funções públicas”.

Outro lado

A coluna entrou em contato com todos os cinco denunciados e deixou-lhes mensagens via Whatsapp, pedindo um posicionamento das respectivas defesas. Até o momento desta publicação, não houve nenhum retorno. Caso haja, o texto será atualizado.