IBEF Academy
Salomão e Barroso são as vozes do Judiciário que impulsionam a arbitragem
A arbitragem é, essencialmente, um método privado que oferece liberdade para que os envolvidos estabeleçam as regras do jogo

Ministro Luis Felipe Salomão. Foto: Reprodução
Na abertura da primeira Conferência Internacional de Arbitragem da FGV, no Rio de Janeiro, o ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, afirmou que a arbitragem no Brasil se tornou um “caso de sucesso”. Ele destacou que o instituto não apenas se consolidou como alternativa legítima ao Judiciário, mas também fortaleceu um princípio central das relações privadas: a autonomia da vontade. Para o ministro, permitir que as próprias partes definam o caminho para resolver suas divergências é um avanço que racionaliza o sistema de Justiça e promove maior eficiência na solução de conflitos.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
A arbitragem é, essencialmente, um método privado que oferece liberdade para que os envolvidos estabeleçam as regras do jogo. Ao contrário do rito rígido e pré-determinado dos tribunais estatais, aqui são as partes que decidem quem julgará, quais normas serão aplicadas e como o processo será conduzido. Esse desenho confere flexibilidade e personalização, atributos que explicam seu crescimento no país e no mundo.
Um exemplo lúdico se faz pertinente: imagine que duas pizzarias rivais participam de um campeonato gastronômico na cidade, cujo prêmio será dado à pizza de melhor sabor. No regulamento, elas concordam que, caso surja qualquer disputa sobre o resultado, a decisão ficará a cargo de um pizzaiolo renomado, amplamente elogiado por ambas, e não do juiz da cidade. As partes também estabelecem as regras da disputa: o especialista deverá considerar todo o processo de confecção da pizza, incluindo a preparação da massa, antes de anunciar o vencedor. Ao final do evento, surge uma polêmica: a segunda colocada alega que a vencedora usou ingredientes fora do padrão. Em vez de levar a questão ao fórum, as pizzarias seguem o combinado: convocam formalmente o pizzaiolo, apresentam suas provas e aguardam a análise. Depois de ouvir os dois lados, o especialista dá o veredito final, que é aceito sem possibilidade de recurso.
Embora regulada no Brasil desde 1996, a arbitragem só vem ganhando fôlego na última década, principalmente impulsionada pela adoção de grandes empresas que buscam soluções mais ágeis e especializadas para seus conflitos. Esse movimento ampliou a confiança no mecanismo e estimulou o crescimento do número de casos. Câmaras especializadas, como a Camarb, registram aumentos anuais expressivos, abrangendo desde demandas empresariais complexas até questões trabalhistas de grande relevância.
O tempo de tramitação é um dos fatores mais valorizados: procedimentos arbitrais costumam ser concluídos em poucos meses, contra anos de espera no Judiciário. Essa agilidade é vital em disputas comerciais, em que atrasos podem gerar perdas irreparáveis. Paralelamente, ao desafogar os tribunais, a arbitragem contribui para que o Poder Judiciário concentre esforços em casos que realmente exigem sua atuação.
Outro atrativo é a adaptação do procedimento à realidade das partes. Sem amarras processuais excessivas, é possível conduzir as sessões de forma menos burocrática, priorizando a análise do mérito. O sigilo também é relevante: diferentemente dos processos judiciais, cujos atos são públicos, a arbitragem pode ser totalmente confidencial, preservando informações estratégicas e a reputação dos envolvidos.
Em abril de 2025, a Petrobras autorizou um acordo com a Unigel para resolver disputas sobre duas usinas de fertilizantes (localizadas em Sergipe e Bahia), que haviam sido arrendadas desde 2019 e estavam inoperantes desde 2023 devido ao alto custo do gás natural. A arbitragem em curso envolve questões como o encerramento das operações, compromissos de investimento e termos de fornecimento de gás. Esse desfecho permitirá que a Petrobras retome o controle das plantas e possibilitará o reinício das operações, desde que aprovado internamente pela Unigel e cumpridas outras condições contratuais
A jurisprudência brasileira também reforça a confiança no procedimento. Em 6 de agosto de 2025, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a suspensão de uma ação contra uma seguradora, com base no princípio da prejudicialidade externa. O tribunal entendeu que o conteúdo da disputa judicial estava diretamente ligado a uma controvérsia já em curso no âmbito de uma arbitragem. Por esse motivo, decidiu que a solução do caso deveria ser priorizada no juízo arbitral, e não pelo Judiciário. Esse entendimento fortalece a prevalência da arbitragem quando as partes acordaram esse mecanismo para resolver seus conflitos. Uma demonstração clara de respeito à autonomia da vontade contratual.
Dessa forma, as palavras do ministro Luis Felipe Salomão reforçam o papel central da arbitragem no Brasil. Ao afirmar que “isso representa um reforço da autonomia da vontade, pois permite que os conflitos sejam resolvidos pelo meio escolhido pelas partes”, Salomão evidencia a importância de preservar essa liberdade como um valor jurídico essencial.
Em uníssono, o Supremo Tribunal Federal também vê com bons olhos a arbitragem. Nesse sentido, o ministro Luís Roberto Barroso declarou, no VI Congresso Internacional CBMA de Arbitragem, que o Brasil precisa, mais do que nunca, de meios alternativos de resolução de conflitos, sobretudo diante da transformação digital e do congestionamento das cortes. Barroso lembrou que hoje se vive em um “admirável mundo novo da tecnologia”, no qual a virtualização das relações e a desterritorialização das empresas tornam as disputas mais complexas e urgentes. Nesse cenário, a arbitragem se mostra capaz de oferecer a celeridade necessária para acompanhar as mudanças sociais e econômicas.
O ministro destacou que os quase 80 milhões de processos em tramitação no país, com duração média de cinco anos e meio, evidenciam o limite de atuação do Judiciário. A crescente demanda pela arbitragem, segundo ele, é “prova material” de seu sucesso no Brasil, apontando que cabe ao Judiciário incentivar, cooperar e exercer um controle modesto, apenas para verificar hipóteses legais de nulidade previstas no artigo 32 da Lei de Arbitragem, jamais revisando o mérito das decisões.
Por tudo isso, é possível concluir que, se o campeonato de pizzas fosse real e os participantes tivessem que aguardar o julgamento de um processo judicial tradicional, todo o estoque estragaria antes mesmo das partes serem citadas. Não haveria vencedor e muito menos motivos a se comemorar (como ocorre diariamente nos processos judiciais emperrados no judiciário). Por isso, a postura que o Judiciário tem adotado em incentivar e cooperar com a arbitragem é louvável. Ao intervir apenas quando a lei expressamente permitir, sem reavaliar o mérito das decisões, constrói-se um sistema autônomo mais forte e reconhecido.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.
*Teuller Pimenta é advogado, Especialista em Direito e Processo Tributário, membro do Núcleo de Tributação Empresarial do IBEF-ES e do IBEF Academy.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.
