Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto | A realidade e seus contrários
A nova ordem mundial em construção: entre a assertividade de Trump, o poderio chinês e a fragilidade das instituições globais, o futuro geopolético se desenha entre riscos e possíveis equilíbrios

Nova ordem mundial. Foto: Reprodução
A publicação regular de artigos semanais, como venho fazendo há alguns anos, possibilita a interlocução com os leitores sobre os temas abordados, facilitada pelos aplicativos de mensagens, como o WhatsApp. Muitos são os amigos com os quais perdemos a convivência diária. Um deles, amigo há muitos anos, – desde que almoçávamos, nos fins de semana, em um grupo sempre animado no Restaurante Pirão, na Praia do Canto – é Júlio César. Formávamos uma mesa animada, “a diretoria”.
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Quando discutimos os meus artigos, nossas opiniões não obrigatoriamente convergem, mas sempre me enriquecem e colaboram na construção de novas abordagens. As conversas que tenho tido com ele e com outras pessoas que gostam do intercâmbio de informação estimulam as trocas de opiniões, sempre muito positivas.
Em uma dessas conversas recentes dialogamos sobre o início do segundo governo de Donald Trump. Eu havia registrado minha perplexidade sobre a sua postura agressiva, como personalidade política e como o dirigente mais poderoso do mundo, em relação aos mecanismos e instituições que regulam as relações internacionais. O argumento que havia desenvolvido no artigo sobre o qual falávamos dizia respeito às reações às medidas tomadas por seu governo, que vão se organizando em todo o mundo. Ou seja, muito do que vai passar a acontecer não ocorrerá obrigatoriamente como foi pensado pelo presidente dos Estados Unidos, e nem poderia ser, já que cada governo tem a sua reação.
Como dizia o filósofo político Cornelius Castoriadis, os atores não dominam os processos que iniciam, e assim vai sendo gerada uma nova ordem mundial, um novo arranjo de articulação das relações entre os países. Quando a primeira guerra mundial acabou, não se acreditava que fosse possível haver uma outra que envolvesse os países europeus. A segunda grande guerra mundial, porém, foi ainda mais avassaladora, envolveu um maior número de países em vários continentes e deixou mais de 60 milhões de mortos, além de uma devastação generalizada. Somente o lançamento das duas bombas atômicas sobre cidades japonesas já seria, em si mesmo, uma tragédia.
Os grandes líderes e dirigentes do mundo que saiu da guerra, na segunda metade dos anos 1940, construíram instituições e normas que garantiram quase 80 anos de paz entre os países mais importantes do globo. No final dos anos 1980 falava-se do “fim da história”. Afirmava-se que o sistema democrático e liberal baniria as guerras e que o futuro das nações seria muito parecido. Entre as instituições que garantiram a paz estavam a ONU, a OTAN e um vasto número de acordos com base em noções de direito internacional que foram enraizados e praticados com naturalidade.
Entretanto, essa estabilidade mostrou-se mais frágil do que parecia, pois ao longo do tempo algumas fontes de desiquilíbrio foram se instalando. Entre elas chama a atenção a força que a China adquiriu. O país é hoje uma espécie de fábrica de todo o mundo, com enormes reservas financeiras e uma capacidade de influenciar decisões que sequer seria sonhada quando segunda guerra mundial acabou. A China é um país totalmente imerso no capitalismo global, mas não se trata de uma democracia. É uma ditadura comandada por um rigoroso partido comunista. Essa direção autoritária pode impor aos chineses estilos de vida que dão enorme vantagem competitiva ao país, mesmo que à custa da liberdade individual de grande parte de sua enorme população, gerando grande produção e baixo consumo.
Esse novo entrante no ciclo privilegiado das grandes nações do planeta desequilibrou muito o jogo, mas não se trata apenas disso. Estou sendo muito simplista para dar uma visão mais genérica do que está acontecendo. É a busca por um novo arranjo internacional, que levou o eleitorado estadunidense a escolher Donald Trump como presidente, o qual já começou seu mandato embaralhando tudo. Dono de um estilo teatral, espalhafatoso e prepotente, ele faz ameaças às economias que representam qualquer risco à dominação que os Estados Unidos vinham exercendo há quase um século.
Aqui é que entram os meus diálogos com Júlio César, nas consequências reais desse rearranjo das forças do planeta em torno de uma nova ordem internacional. Pode ser que nem todas sejam negativas. Um exemplo poderia ser a necessidade de a América Latina se organizar em torno do desejo de um grande número de países diferentes entre si. Outro seria a união dos vizinhos da Palestina, como o Egito e outros países do mudo árabe, para elaborarem uma alternativa de reconstrução da Faixa de Gaza, longe da proposta do resort de Trump. Pode-se ainda citar a expectativa de a Europa puxar uma nova organização de instituições que exclua os Estados Unidos.
Acredito que existam as condições hoje para um confronto armado entre EUA e China, que passe a envolver também inúmeros países. Uma nova guerra mundial. Pode ser ainda que, dentro de uma perspectiva tensa e cheia de perigos, surja um novo equilíbrio. Só o futuro dirá.
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