Coluna Vitor Vogas
Análise: Debate da Rede Vitória vira quase vale-tudo entre Casagrande e Manato
Crime organizado, suspeitas de corrupção no governo e autoria da greve da PMES em 2017 deram a tônica de um debate realizado em um clima beligerante que só tende a se agravar nestes últimos e decisivos dias de campanha. Confira a nossa resenha e as principais frases de cada um
Foi pura “trocação”. Realizado pela Rede Vitória na noite desta quinta-feira (20), a dez dias da votação final, o primeiro debate entre Manato (PL) e Casagrande (PSB) no 2º turno foi um duelo extremamente tenso, marcado por ataques, provocações e acusações relacionadas a corrupção, envolvimento com o crime organizado (a tônica do debate), autoria da greve da PMES em 2017 e até agressões contra mulheres. O encontro ditou o clima beligerante que só tende a se intensificar nos próximos dias: os derradeiros e decisivos dias da campanha ao governo.
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Como vem fazendo desde a apuração dos votos no dia 2 de outubro, Casagrande tomou a iniciativa de atacar Manato, que não perdeu nenhuma chance de contra-atacar. O atual governador abriu sua caixa de munição e gastou boa parte do arsenal que ele tem contra o adversário (mas não a caixa toda, como sinalizou em alguns momentos).
Sob o discurso de que tem a obrigação de “alertar” e “advertir” a sociedade capixaba sobre quem realmente é seu adversário, Casagrande reiterou o fato de que Manato chegou a ser filiado à Scuderie Detective Le Cocq, grupo de extermínio extinto em 2006 e que teria cometido mais de 1,5 mil assassinatos no Espírito Santo nos anos 1980 e 1990.
“Estou aqui para advertir, para alertar que a sua história é uma história de conluio e convivência amistosa com o crime organizado. Se você nunca cometeu um crime direto, você conviveu, você se sentou à mesa amistosamente, você se enfastiou”, afirmou Casagrande, acusando Manato de conivência com o crime e omissão. “Tenho a tarefa de advertir a população. Não é minha carreira que está em jogo, mas o futuro do Espírito Santo. […] Sempre o candidato opositor tem uma coisa mal resolvida, mal colocada.”
Em sua defesa, Manato citou incansavelmente o depoimento gravado para a sua campanha pelo ex-secretário estadual de Segurança Pública e ex-procurador-chefe do Ministério Público Federal no Espírito Santo, Henrique Herkenhoff, no qual o jurista, autor da ação que dissolveu a Le Cocq, atesta que Manato nunca foi nem sequer suspeito de participar de nenhuma “atividade ilegal” da organização. O candidato convidou o público, várias vezes, a pesquisar o depoimento na internet (“Dá um Google!” foi praticamente seu bordão ao longo do debate).
O confronto nesse campo esburacado já era esperado, mas Casagrande também atacou em outras frentes.
De um modo que sua campanha ainda não tinha feito até agora, o candidato da situação acusou frontalmente Manato de ter sido não um apoiador, nem um incentivador, mas nada menos que “o coordenador” da greve da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) em fevereiro de 2017. Para isso, usou como gancho uma entrevista concedida na véspera ao jornal A Tribuna por Izabella Renata Andrade da Costa, assessora parlamentar de Manato por ocasião da greve e chegou a ser presa por participação no movimento.
Além de dizer (sem apresentar provas) que recebia sem trabalhar no gabinete de Manato, em um suposto esquema de rachid (ou rachadinha), a ex-funcionária acusou o então deputado de ter liderado o movimento, sem aparecer. “Quem de fato prejudicou e matou os comerciantes foi a greve da PMES que meu opositor coordenou. Foram 22 dias de comércio fechado, gente morrendo, lojas sendo saqueadas.”
Manato respondeu a Casagrande que não teve nada a ver com a greve e que tudo o que fez foi apresentar, logo depois do movimento, um projeto de lei na Câmara para anistiar criminalmente todos os participantes, o qual ainda tramita.
Casagrande ainda procurou expor Manato como um candidato sem currículo e sem credenciais para assumir o cargo a que almeja. Para embasar a alegada incompetência do opositor, o governador citou diversas vezes que Manato teria passado 16 anos no Congresso sem fazer nada pelo Brasil e pelo Espírito Santo (“Sua presença ou sua ausência não fazia a menor diferença”); que foi exonerado de cargo comissionado na Casa Civil em menos de cinco meses, no início do governo Bolsonaro (“Até o presidente Bolsonaro, que ele se esconde atrás dele, o demitiu por incompetência”); e que foi retirado do conselho administrativo do Sebrae-ES.
O candidato do PSB ainda lançou nas entrelinhas, em tom maledicente, uma suspeita relacionada à saída do adversário da direção do Hospital Metropolitano: “E deveriam perguntar por que foi retirado da diretoria do Metropolitano”, disse o governador, só mostrando parcialmente outra arma que pode ter guardado para disparar contra o adversário nos próximos dias (ou isso ou,, simplesmente blefou). Até nas considerações finais, Casagrande chamou Manato de oportunista: “Temos que dar oportunidade para todos, menos para os oportunistas. Os oportunistas roubam as oportunidades dos outros.”
Manato, por sua vez, não perdeu uma oportunidade de contragolpear, buscando virar a mesa a seu favor: “Quem é do crime organizado é o senhor! Quem comanda o crime organizado neste estado é o senhor!”
Para isso, sem se aprofundar, nem citar nomes ou ser muito específico, o candidato do PL mencionou alguns casos de graves suspeitas de corrupção envolvendo pessoas que já passaram pelos altos escalões da equipe de Casagrande e que estão sob investigação, como Vasco Cunha Gonçalves, preso um dia após tomar posse como diretor-presidente do Banestes, por sua atuação pregressa como diretor-presidente do Banco de Brasília (BRB); Rodrigo Vaccari, que sofreu busca e apreensão como suspeito de ter desviado dinheiro do Estado em compra superfaturada de álcool em gel; e Rogélio Pegoretti, preso por supostamente ter recebido propina para favorecer os interesses de quadrilha de comerciantes de vinho que teria sonegado mais de R$ 100 milhões em impostos.
“Dá um Google!”, dizia Manato para cada acusação – como fez, aliás, Bolsonaro em um momento do debate da Band com Lula no último domingo (16). Pode ter sido inspiração.
Também para tentar provocar ou desestabilizar Casagrande, Manato chamou-o inúmeras vezes, de maneira um tanto debochada, de “Centroavante”. Foi a primeira palavra dita por ele no debate, no começo de sua primeira pergunta ao adversário. Em momento algum ele explicou ao público a forma nada cordial de tratamento (“Dá um Google!”).
Trata-se do codinome, em alusão ao ex-jogador de futebol Walter Casagrande Jr., pelo qual o governador era identificado em uma planilha de supostos beneficiários de doações irregulares de campanha feitas pela empreiteira Odebrecht. A lista foi descoberta durante as investigações da Lava Jato. Casagrande não mordeu a isca. Apenas, em dado momento, cobrou respeito ao adversário. Na época em que a planilha veio à tona, antes de seu retorno ao Palácio Anchieta, ele negou relações espúrias com a Odebrecht.
Lula e Bolsonaro
Nem Lula nem Bolsonaro apareceram muito no debate. Diferentemente do que tem feito massivamente em sua propaganda eleitoral, Manato não foi para o estúdio da TV Vitória com a estratégia de nacionalizar a disputa. Curiosamente, quem mais mencionou Bolsonaro foi Casagrande, acusando o oponente de usar o presidente para se esconder. “É hora de o candidato sair da moita, sair de trás do presidente da República…”
Somente nas considerações finais, Manato ameaçou sublinhar seu vínculo político e pessoal com Bolsonaro. Mas acabou quebrando as expectativas. “Manato eleito vai trazer Bolsonaro muito mais aqui. Mas não quero falar de Bolsonaro e de voto agora, não”. Em vez disso, falou sobre a campanha do Outubro Rosa, de prevenção ao câncer de mama. É um possível aceno para as mulheres, segmento em que, de acordo com pesquisa publicada nesta quinta também pela Rede Vitória, Manato está perdendo para Casagrande.
Somente em um único momento Manato relacionou Casagrande a Lula. Foi ao ironizar que ele parecia não saber de nenhum caso de corrupção sob suas barbas no governo estadual. “Está igual ao presidente Lula: não sabe de nada…”
Confira abaixo as principais frases de cada um sobre os principais temas suscitados no debate:
LE COCQ
Casagrande
“Você sempre esteve ao lado da parte pior da política neste estado. E de fato você se filiou à Le Cocq, que foi o braço armado do crime organizado neste estado e matou mais de 1.500 pessoas. Enquanto eu trabalhei para combater o crime, o candidato estava amistosamente sentado à mesa e convivendo com o crime organizado. Quem é cristão sabe: você peca por ação ou por omissão.”
“Estou participando da reorganização deste estado. O Espírito Santo era um estado desmoralizado. Agora é um estado respeitado no Brasil inteiro. Nunca vi o opositor ajudando na reorganização deste estado.”
“Ele está aqui nervoso, incomodado, por a gente estar aqui debatendo sobre o crime organizado. Aqui no Espírito Santo, o crime organizado é combatido com veemência. Fui um dos responsáveis por combater o crime organizado, com as igrejas, a OAB e diversas outras lideranças políticas, menos o candidato, que já era político naquela época.”
Manato
“O senhor conhece o Henrique Herkenhoff? Foi ele quem acabou com a Le Cocq. Ele mesmo disse que Manato não tem nem citação, muito menos indiciamento. É só dar um Google! […] Vocês procurem a entrevista do Henrique Herkenhoff. Tem pessoas que faziam filantropia, e eu era um.”
SUSPEITAS DE CORRUPÇÃO NO GOVERNO
Manato
“Você já ouviu falar de uma pessoa que era do BRB e o senhor era do conselho do banco? Isso é crime organizado. E o secretário que comandava o Fundo Soberano e esteve envolvido em R$ 120 milhões [em desvios], lá dentro do Palácio? Vocês ouviram falar do pendrive do Detran? Isso é crime organizado!”
“Vocês viram quantos ônibus queimados em Vitória? Isso é o crime organizado que ele combateu? Vocês viram os dois policiais que foram mortos? E o caso de Santa Leopoldina? Tudo acontecendo, pegando fogo, e ele lá fazendo política.”
Casagrande
“Não tenho compromisso com o erro. Todos os casos de suspeição foi o próprio governo que descobriu.”
GREVE DA PMES
Casagrande
“Quer uma prova maior que essa? Você coordenou, comandou a greve da PMES em 2017.
Walter Matias, Capitão Assumção, Tenente Assis estão todos juntos e vocês comandaram a greve de 2017. É impressionante como você está envolvido com esse tipo de ação desde lá de trás. Quatro mandatos de deputado federal e já envolvido com esse tipo de crime.”
“Veja quantas pessoas perderam suas famílias e tiveram prejuízos em 2017. Você, que se diz defensor da vida, você deixou 225 pessoas morrerem. Isso é de um nível de irresponsabilidade sem tamanho.”
“Todo mundo sabe que você participou desse movimento. Ainda fazia rachadinha e pegava salário da sua ex-assessora.”
“Em 2017 você fez uma manobra de coordenação da greve da polícia para tentar sair como salvador da pátria e ser candidato a governador em 2018, causando tanto prejuízo ao comércio e à vida das pessoas. Temos que advertir a sociedade capixaba.”
“[Aumentei os salários dos policiais] depois de pegar as polícias desmoralizadas devido à greve de 2017 que meu opositor coordenou.”
Manato
“Quando a greve da PMES começou, eu estava em Brasília. Junto com Alberto Fraga fiz um projeto de anistia. Não tenho nada com 2017. Não participei. Não estava lá.”
“Foi o lockdown que o senhor fez que acabou com o estado do Espírito Santo. O senhor matou CNPJs, acabou com o emprego das pessoas e ainda mandava a polícia ir lá em cima do comerciante que estava com uma portinha aberta, e obrigava as prefeituras a fazer isso.”
“O senhor conhece o Euclério Sampaio? É o coordenador da sua campanha em Cariacica. Essa [minha ex-assessora] foi nomeada por Euclério em 2021 e exonerada há três dias. Em 2019, ela foi condenada a pagar R$ 50 mil por fake news contra Luciano Rezende. Que fake news!”
CURRÍCULO DE MANATO
Casagrande
“Este segundo turno tem sido revelador, candidato. Você foi contratado pelo governo do presidente Bolsonaro e foi demitido quatro meses depois. Foi exonerado por incapacidade e incompetência de cumprir um trabalho de articulação com o Parlamento. Passou 16 anos no Congresso e não vimos trabalho nenhum. Foi retirado do conselho do Sebrae… E deveriam perguntar por que foi retirado da diretoria do Metropolitano. Até o presidente Bolsonaro, que ele se esconde atrás dele, o demitiu por incompetência.”
“Sua presença ou sua ausência na Câmara não fazia a menor diferença.”
“Não sei o que aconteceu no Hospital Metropolitano…”
Manato
“É só pegar o DIO [Diário Oficial da União]. Dê um Google aí. Minha exoneração foi a pedido. Faltavam dois meses
para eu me aposentar. Eu não estava muito satisfeito com o salário.”
“Foi o senhor quem me tirou do Sebrae-ES.”
VIOLÊNCIA CONTRAS AS MULHERES
“Você teve a capacidade de usar mulheres e crianças para ficarem defronte aos batalhões de polícia durante a greve. Walter Matias, seu assessor, é um agressor de mulheres. Você já viu a Isabela machucada e você nunca tomou providências. O mínimo que deveria ter feito era denunciar a pessoa agressora.”
Manato
“Você está mal informado. Walter Matias bateu na mulher, foi preso, respondeu por isso. A relação dele com a mulher dele é problema dele, não é meu.”
RESPEITO X DESRESPEITO
Casagrande
“Se o senhor não respeita o governador do Espírito Santo, você vai respeitar quem? Me respeite!”
Manato
“O senhor, para pedir respeito, tem que dar o respeito. O senhor está desrespeitando as famílias capixabas. O senhor fez tanto de 2011 a 2014 que perdeu a eleição para o Paulo Hartung. E o senhor começou a perder a eleição quando começou a ofender a família do Paulo Hartung.”
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