Alexandre Brito
Divórcio grisalho: por que casais se separam após anos de casamento?
As mudanças culturais das últimas décadas incentivam cada vez mais a busca por felicidade. Permanecer em um casamento infeliz deixou de ser uma obrigação

Divórcio de idosos. Foto: FreePik
Dizer que “o mundo dá voltas” não é apenas uma expressão popular brasileira, mas quase um presságio: as coisas, inevitavelmente, vão mudar! Por mais que existam tentativas conservadoras de evitar o inevitável, tudo é transitório — afinal, “tudo muda o tempo todo no mundo”, como diria Lulu Santos.
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Essas mudanças atravessam gerações, transformando o que era tradicional em algo mais flexível ou, em alguns casos, ultrapassado. O casamento é um bom exemplo disso. Há poucos séculos, praticamente não havia liberdade para escolher com quem se relacionar. Os casamentos eram arranjos familiares, baseados em conveniências sociais e econômicas. Já pensou alguém escolher seu noivo ou noiva e exigir que vocês se casem e tenham filhos?
Com o tempo, as pessoas conquistaram o direito de decidir com quem querem se relacionar e se casar. Ainda assim, a tradição continuou a impor a ideia de um “felizes para sempre”, até que a morte os separe. No entanto, essa promessa nem sempre é possível de cumprir com alegria — afinal, “o para sempre, sempre acaba”, como diria Renato Russo.
Mas as pessoas nunca foram totalmente passivas diante desse modelo. Sempre houve resistência frente a essa ordem autoritária — e, em muitos casos, foi uma questão de sobrevivência emocional. Os arranjos familiares e os modos de se relacionar passaram por transformações profundas, mesmo que a liberdade plena só chegue na terceira idade. Assim, mesmo casais formados há décadas, em contextos cheios de regras morais e expectativas tradicionais, estão experimentando o sabor da liberdade: encerram ciclos e se separam.
É nesse contexto que surge o chamado divórcio grisalho, cada vez mais comum em diversas partes do mundo. O termo, originado do inglês gray divorce, refere-se ao divórcio entre pessoas com mais de 50 anos, geralmente após longos anos de casamento. Talvez o nome não seja o mais adequado, por associar pessoas acima dos 50 a uma imagem estereotipada e “grisalha”. Afinal, se hoje podemos escolher com quem casar (ou separar), isso também vale para o que fazer com o cabelo!
O que mantinha esses casais unidos por tanto tempo talvez tenha simplesmente deixado de funcionar. E é só no mundo contemporâneo que eles encontram espaço para colocar um ponto final no que antes parecia interminável. Vale lembrar que a expectativa de vida aumentou significativamente. As pessoas vivem mais, com mais saúde, autonomia e desejo de bem-estar. Isso significa que, aos 50 anos, muita gente ainda tem uma vida inteira pela frente — e não quer vivê-la em um relacionamento sem alegria, desejo ou afeto.
Além disso, as mudanças culturais das últimas décadas incentivam cada vez mais a busca por felicidade e liberdade emocional. Permanecer em um casamento infeliz deixou de ser uma obrigação social. Outro fator que impulsiona o chamado “divórcio grisalho” é o fim das responsabilidades parentais. Quando os filhos crescem e saem de casa, muitos casais percebem que, por anos, foram apenas pais e mães — e não um casal. O distanciamento, então, se torna evidente.
O tempo, antes ocupado com obrigações, passa a escancarar diferenças antes ignoradas. Soma-se a isso o fato de que muitas mulheres com mais de 50 anos hoje têm independência financeira, o que permite decidir se separar sem depender economicamente de um parceiro. Elas não precisam mais escolher entre liberdade e segurança — podem (e devem) ter ambas.
Em resumo, o divórcio acima dos 50 anos não é sinônimo de fracasso. Ao contrário: é uma nova forma de viver, com mais autonomia, respeito e coragem. Ficar onde não te cabe é uma forma de violência! Casais maduros não precisam mais se forçar a permanecer onde não há amor, carinho ou segurança. Se não há paz, desejo ou sentido, não há motivo para insistir em algo fadado ao sofrimento — independentemente da idade. É um movimento difícil, sim, mas que valoriza o desejo de viver e sentir a vida, em vez de apenas assisti-la passar.
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