Coluna Vitor Vogas
Uso de paletó e gravata agora é obrigatório na Assembleia
Após embate nada terno entre Marcelo Santos e Meneguelli, plenário aprovou projeto que obriga deputados a usar traje passeio completo em plenário

Sérgio Meneguelli e Marcelo Santos. Fotos: Lucas S. Costa
Não adiantou reclamar. Apesar dos intensos protestos de Sérgio Meneguelli (Republicanos) e de seus inconformados apelos dirigidos ao presidente Marcelo Santos (Podemos), a Assembleia Legislativa aprovou, na tarde desta segunda-feira (15), o uso obrigatório de paletó e gravata em plenário a partir de agora.
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A nova regra, que preenche um caso até então omisso no Regimento Interno, vale para deputados do sexo masculino ou homens transgêneros (biologicamente nascidos com o sexo feminino, mas que se identificam como homens).
Além de paletó e gravata, eles deverão vestir camisa social, calça e “calçado adequado”. O traje passeio completo passa a ser obrigatório nas sessões ordinárias, extraordinárias e solenes, bem como nas reuniões das comissões permanentes e temporárias.
Quem não cumprir a exigência, além de ter o ponto cortado e não poder participar da sessão, ficará sujeito a responder a processo por quebra de decoro parlamentar e às consequentes sanções, que podem ir de uma simples advertência até a perda do mandato, passando por censura e suspensão por 30 dias.
A obrigatoriedade do traje foi introduzida no Regimento Interno por projeto de resolução apresentado pela Mesa Diretora, presidida por Marcelo Santos. O projeto foi aprovado em sessão extraordinária, convocada por Marcelo e realizada após a aprovação de requerimento de urgência para esse projeto.
O regime de urgência também foi proposto pelo presidente, que queria liquidar logo a questão. A aprovação se deu rapidamente, por votação simbólica, diante de um indignado Meneguelli. Após a aprovação, o deputado de Colatina permaneceu por minutos prostrado em seu assento, olhando fixamente “para o nada”.
Antes disso, porém, durante a votação do requerimento de urgência, ele e Marcelo tiveram em plenário um embate nada terno (com licença para o trocadilho).
O contexto
Desde que assumiu o mandato na Assembleia, Meneguelli até hoje não usou terno e gravata em nenhuma ocasião. Em meados de janeiro, ele passou por uma delicada cirurgia de diverticulite. No dia da posse, em 1º de fevereiro, compareceu à Assembleia em cadeira de rodas e vestindo uma camiseta branca. Assim foi empossado e participou da eleição da nova Mesa Diretora, encabeçada por Marcelo Santos, em quem votou.
Já nos primeiros dias de mandato, o ex-prefeito de Colatina pediu ao presidente da Casa para ser dispensado do uso de terno em plenário, devido à sua condição de saúde. Atendendo ao pedido de Meneguelli, Marcelo lhe fez a concessão por ato da presidência, deixando claro em plenário, porém, que a dispensa era extraordinária por motivo médico e temporária: só valeria enquanto o colega estivesse se recuperando da cirurgia.
Assim, desde o início do mandato, Meneguelli frequenta as sessões usando trajes informais. Seu “uniforme” básico inclui uma camiseta branca, por cima da qual sempre veste uma jaqueta jeans; calça jeans e um par de tênis da marca All Star.
Com o passar do tempo, conforme se recuperava da cirurgia, Meneguelli foi dando mostras de que na verdade não tinha a menor intenção de abandonar o seu estilo informal, independentemente de sua condição de saúde. Portanto, para o próprio Meneguelli, a questão sempre foi muito além de motivações médicas. O direito de manter sua vestimenta em plenário desbordou para uma questão política, tonando-se bandeira do seu mandato. Tanto que ele chegou a apresentar projeto com esse objetivo.
Marcelo Santos, no entanto, sempre teve entendimento bem diverso. Há algum tempo, não disfarçava o incômodo nos bastidores com a “dilatação”, ou “abuso” mesmo, que Meneguelli deu à concessão feita por ele no início de fevereiro, em caráter excepcionalíssimo e exclusivamente por motivo de saúde. O projeto de Marcelo, então, veio para pôr um fim de vez à história e disciplinar a questão da indumentária de uma vez por todas no Regimento Interno.
Meneguelli x Marcelo: bravatas e gravatas
Antes da votação do regime de urgência, Meneguelli subiu à tribuna. Começou dizendo que se sentiu diretamente atingido pelo projeto de Marcelo. “Estou me sentindo discriminado. […] É um privilégio que estão dando a outros parlamentares e a mim não. Isso é uma coisa que envergonha o Legislativo capixaba.”
O ex-prefeito de Colatina reclamou do pedido de urgência e rogou que o projeto fosse levado a discussão mais detida no Colégio de Líderes. Também afirmou que a Assembleia tem “tantos assuntos importantes” para tratar, mas estava mais preocupada em decidir “se o Sérgio Meneguelli pode ou não continuar vindo sem terno e gravata”.
E filosofou, citando equivocadamente Oscar Wilde e pronunciando mal o nome do escritor inglês. “Um projeto de lei para mudar o vestiário [sic] de um deputado, quando a gente sabe que a podridão de um homem não está nas suas vestes, está na sua alma, está nos seus atos, está no seu passado. Oscar Wilde já dizia que a moda é uma coisa tão supérflua que se renova de seis em seis meses.* […] Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, a gente tem que vir todo almofadinha.”
Mordido, Marcelo respondeu com algumas gravatas verbais.
“Não é esta a pauta principal da Assembleia. A pauta principal da Assembleia são os temas de interesse da sociedade”, começou, para em seguida alfinetar:
“O senhor era sabedor da obrigatoriedade de usar paletó e gravata, tanto que me atravessou um ofício pedindo a dispensa para não usá-lo enquanto estivesse enfermo. E eu de pronto deferi. Como Vossa Excelência não está mais necessitando, tendo em vista inclusive os vídeos que Vossa Excelência posta utilizando bicicleta, então não há mais necessidade.”
Pedindo a Meneguelli para não levar a questão para o lado pessoal, Marcelo citou alguns eventos em que viu o colega vestindo terno e gravata sem objeções, como a posse dele na Prefeitura de Colatina e seu encontro em Brasília com o então presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Então, na verdade, não é o terno que vai transformar o senhor em melhor ou pior e nem a mim e a nenhum colega deputado. É um respeito que estamos demonstrando, e isso faz parte da liturgia do cargo.”
O que diz a resolução
“Para a manutenção da ordem, respeito e solenidade inerente ao Parlamento”, os deputados deverão comparecer “adequadamente trajados” às sessões e às reuniões da Assembleia. Por “adequadamente trajados”, no caso dos homens, leia-se o que a resolução especifica: uso de “paletó, camisa social, gravata, calça e calçado adequado”.
Por razões médicas, um deputado pode ser dispensado da exigência, desde que apresente laudo que comprove a necessidade de dispensa: “O deputado que por motivo de doença, comorbidades ou qualquer limitação física ficar impedido de fazer o uso do traje exigido deverá comprovar por laudo médico a condição para ficar desobrigado de cumprir a exigência”.
Em outro parágrafo, que parece escrito sob medida para Capitão Assumção (PL), lê-se que deputados egressos de forças militares poderão fazer uso do fardamento de gala da respectiva instituição de origem, no lugar do terno civil. É assim que Assumção comparece em plenário desde seu primeiro dia na Assembleia, em fevereiro de 2019.
Já o parágrafo sobre as sanções estabelece que “o Deputado que se apresentar sem a formalidade estabelecida neste artigo não terá sua presença computada na sessão a que comparecer nem poderá se manifestar ou votar, além de se subsumir ao art. 293 deste Regimento”. É o artigo que trata de processos por quebra de decoro parlamentar.
Nas sessões especiais não relacionadas às comissões da Assembleia, o texto da resolução é mais subjetivo: expressamente, diz que apenas o presidente da sessão, se for homem, é obrigado a vestir “paletó, camisa social, gravata, calça e calçado adequado”, enquanto os demais “deverão comparecer adequadamente trajados”.
Para ingressar no plenário, servidores da Assembleia deverão obedecer a todas as mesmas disposições, “salvo se autorizado previamente pelo presidente da Assembleia Legislativa”.
* A frase certa de Oscar Wilde é: “A moda é uma variação tão intolerável de horror que tem de ser mudada a cada seis meses”.
