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A sociedade que envelhece e a fraude do INSS
Previdência Social acumula rombo bilionário e denúncias de fraudes, expondo a fragilidade de um modelo já pressionado pelo envelhecimento da população

O déficit crescente e as fraudes bilionárias mostram que a Previdência Social brasileira enfrenta um esgotamento estrutural que ameaça sua sustentabilidade a longo prazo. Foto: Reprodução
O cenário previdenciário brasileiro parece, a cada novo dado revelado, menos sustentável e mais alarmante. A previdência social, tal como instituída no Brasil, opera por um sistema de repartição simples: os trabalhadores da ativa financiam os aposentados de hoje. Trata-se de uma lógica que pressupõe equilíbrio demográfico (mais contribuintes do que beneficiários), algo que, na prática, está ruindo diante dos olhos de todos. Nesse cenário já fadado ao fracasso, os muitos escândalos de fraudes elevam as previsões de que o modelo estrutural está exausto.
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O sistema previdenciário brasileiro enfrenta um cenário de crescente desequilíbrio e desafios profundos. Contudo, o envelhecimento acelerado da população e a queda contínua da taxa de natalidade comprometem a sustentabilidade desse arranjo. Com isso, percebe-se que se terá cada vez mais idosos para receber benefícios e menos jovens para contribuir, o que compromete seriamente o equilíbrio do sistema.
A população em idade ativa (entre 16 e 59 anos) já encolheu quase 20% desde 2010, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, e a tendência é de retração contínua. Não se trata de uma questão de opinião, mas sim matemática. Dados do Tesouro Nacional revelam que o déficit previdenciário tem aumentado progressivamente nos últimos anos. Em 2022, por exemplo, o rombo nas contas da Previdência alcançou aproximadamente R$ 267 bilhões, evidenciando de forma inequívoca que o sistema atual já não se sustenta apenas com as contribuições arrecadadas dos trabalhadores da ativa.
Diante desse contexto demográfico adverso, o sistema torna-se cada vez mais vulnerável, exigindo reformas periódicas para preservar sua viabilidade financeira e evitar um colapso no longo prazo. Porém, nem mesmo a Reforma da Previdência de 2019, que instituiu novas idades mínimas para aposentadoria e regras mais rígidas de transição, conseguiu conter essa curva ascendente de gastos.
Dados noticiados pelo Governo projetam que o déficit da Previdência Social deve saltar dos atuais 2,58% do PIB para 11,59% até 2100. A estimativa leva em conta, entre outros fatores, o envelhecimento populacional. A pirâmide etária brasileira foi virada de cabeça para baixo: há mais brasileiros com 40 anos ou mais do que crianças de até 4 anos. Segundo o IBGE, são 12,7 milhões de crianças pequenas contra mais de 36% da população com 40 anos ou mais.
Soma-se a esse cenário já desanimador, os constantes esquemas de fraudes com os quais os pensionista e aposentados convivem. A recente descoberta de mais uma dessas falcatruas envolvendo o INSS reacendeu a discussão sobre a fragilidade do sistema.
Em abril, a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) revelaram que sindicatos e entidades associativas descontaram sem autorização valores no contracheque de aposentados e pensionistas. O esquema, que abrange valores aproximados de R$ 6,3 bilhões, teria se iniciado há anos, e, em linhas gerais, ocorreu com a concessão irregular de benefícios previdenciários, como aposentadorias e auxílios, por meio de documentos falsos, cadastros fraudulentos ou simulações de vínculos empregatícios. Envolvia, muitas vezes, a participação de servidores públicos, intermediadores e beneficiários que, em conluio, burlavam os sistemas de controle para obter vantagens indevidas, gerando prejuízos bilionários aos cofres públicos.
Desde 2022, aposentados e pensionistas começaram a sofrer descontos indevidos em seus benefícios do INSS, feitos por associações e sindicatos aos quais nunca se filiaram ou autorizaram desconto. Para efetivar a fraude, era necessário que o INSS autorizasse os abatimentos na folha. As investigações, de acordo com a CGU, começaram em 2023, após técnicos da entidade detectarem um aumento significativo no número de pensionistas e aposentados com descontos em seus benefícios, além do aumento no volume de reclamações sobre essa prática ilegal. Em 2024, o próprio INSS revelou que mais de 1,1 milhão de beneficiários pediram o cancelamento desses descontos. A CGU entrevistou 1,3 mil beneficiários como amostra e investigou 29 entidades, constatando que 97% dos entrevistados não reconheciam ter autorizado esses descontos.
Em meio, então, a toda crise fiscal enfrentada pelo país, o impacto desses desvios e a deflagração do esquema extrapola o orçamento da autarquia e afeta diretamente a confiança da população, comprometendo ainda mais um modelo já sobrecarregado.
Uma solução real demandará coragem política. Especialistas apontam que as mudanças devem avançar ao maior estímulo à previdência complementar e à capitalização individual. Porém, a transição para um sistema baseado na capitalização individual fatalmente encontrará barreiras sociais sobretudo porque parte expressiva da população enxerga tais propostas como uma transferência de responsabilidade do Estado para o indivíduo, o que gera rejeição.
O Brasil ainda não enfrentou com a seriedade necessária o debate sobre o modelo previdenciário. Enquanto o sistema continuar sendo sustentado unicamente pela contribuição dos ativos, e não por uma lógica de capitalização, ele estará refém de demografia, informalidade e má gestão.
Por isso, quando o contribuinte médio ouve que “não vai se aposentar”, não se trata de alarmismo. É sim, infelizmente, um aviso fundamentado. Não há dinheiro novo entrando na proporção necessária e há dinheiro escapando pelas brechas do sistema. E quando o Estado não consegue nem proteger o sistema de fraudes básicas, resta ao cidadão comum o temor: estarei pagando hoje por algo que não existirá quando eu precisar?
É inegável que o sistema previdenciário brasileiro se encontra em estado crítico, não apenas por questões demográficas ou econômicas, mas por falhas graves de governança e fiscalização. A verdade é que o rombo estrutural do INSS é agravado diariamente pela negligência, pelas fraudes e pelo modelo arcaico.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.
*Teuller Pimenta é Advogado, Especialista em Direito e Processo Tributário, membro do Núcleo de Tributação Empresarial do IBEF-ES e do IBEF Academy.
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