Coluna Vitor Vogas
Serra 40 Graus: administração de Vidigal declara guerra a Muribeca
“Sine” ou “cine”, você pode escolher: a pronúncia é a mesma, e os dois termos se aplicam ao episódio que elevou ainda mais a tensão política no município da Serra, na última sexta-feira (17). Em ação cinematográfica amplamente filmada (com celulares), forte repercussão midiática e certa espetacularização nas respectivas redes sociais, o deputado estadual Pablo Muribeca e os vereadores Anderson Muniz (Podemos), Darcy Júnior (Patriota) e Professor Artur (Solidariedade) levaram ao público uma denúncia gravíssima: a de que o subsecretário de Trabalho e Renda da Serra, Renato Ribeiro, representante da administração do prefeito Sérgio Vidigal (PDT), viria favorecendo apadrinhados políticos na distribuição das vagas de emprego ofertadas pelo Sine na Serra, ou seja, viria se valendo de sua posição privilegiada para fazer uso político e eleitoreiro da agência pública de empregos – em favor, é claro, da administração e da permanência do grupo do prefeito no poder.
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Os quatro parlamentares – todos opositores de Vidigal – não ficaram só na denúncia. Os quatro estiveram in loco no Sine da Serra na última sexta. De lá, segundo a assessoria de Muribeca, o deputado acionou o Ciodes. Policiais militares rapidamente chegaram ao Sine para verificar a denúncia e cumprir diligências no local, naquilo que foi batizado, pelos próprios parlamentares envolvidos, de “Operação Peixada”.
Na versão de Muribeca e dos vereadores, Renato Ribeiro foi “conduzido” à delegacia de polícia. A Prefeitura da Serra afirma que o subsecretário acompanhou os policiais espontaneamente. Seja como for, Ribeiro prestou depoimento à Polícia Civil (PC)… e logo depois foi liberado.
A nota oficial da PC atenua bastante, em primeira análise, o barulho e o nível de comoção criado em torno da ocorrência – ou da “operação policial”. Na versão da Prefeitura da Serra, não houve nem uma coisa nem outra. Segundo o procurador-geral do município, Edinaldo Loureiro Ferraz, o que houve na realidade foi “uma ação política, eleitoreira e policialesca” por parte dos parlamentares, que teriam extrapolado em muito suas prerrogativas e seu poder de fiscalização.
O que se seguiu desde então foi mais cinema. Em cartaz, clássicos estrelados por Sylvester Stallone. Poderia ser um dos vários longas protagonizados pelo Rocky Balboa, em “Temperatura Máxima”: após ser encurralado nas cordas e muito duramente golpeado, o lutador beija a lona e quase vai a nocaute, mas, de repente, volta à luta renovado e “possuído”, partindo para cima do adversário com uma inesperada sequência de golpes ainda mais potentes que os apenas recebidos.
Poderia ainda ser um filme de guerra da franquia “Rambo”, exibido em “Tela Quente”.
De fato, a nota enviada à imprensa pela Prefeitura da Serra equivale a uma declaração de guerra contra os vereadores de oposição envolvidos no episódio – notadamente, contra Muribeca. Foi uma reação pesadíssima e incomum até para quem cobre política.
Recentemente, na crônica política local, a presente reação de Vidigal só guarda paralelo com a igualmente fortíssima contraofensiva do governo Casagrande em face de Lorenzo Pazolini naquele sábado de maio de 2022 em que o prefeito de Vitória acusou de público, num evento em Jardim Camburi, um suposto esquema de fraudes em licitações mantido dentro do Palácio Anchieta (jamais comprovado).
Chamando a atenção não só pelo tom como principalmente pelo teor, a nota da Prefeitura da Serra chega a ser embasbacante. Não é mera “nota de repúdio”, condenando a ação dos parlamentares; não é um burocrático “estamos analisando as medidas cabíveis”; não é um “estamos estudando a adoção de providências legais”. A nota equivale a um “não mediremos esforços para fazê-los pagar em todas as esferas possíveis”.
Assertiva e objetivamente, a Prefeitura lista, uma por uma, as medidas concretas que serão tomadas, a saber:
1. Ação judicial contra os quatro parlamentares por danos morais, abuso de poder e perturbação do normal funcionamento de serviço público;
2. Representação contra o deputado Pablo Muribeca na Corregedoria da Assembleia Legislativa, por quebra de decoro parlamentar e abuso de poder;
3. Representação contra os vereadores Anderson Muniz, Professor Artur e Darcy Júnior na Corregedoria da Câmara Municipal da Serra, por quebra de decoro parlamentar e abuso de poder;
4. Ação na Corregedoria da Polícia Militar contra os policiais militares que conduziram o servidor público municipal até a delegacia e apreenderam objetos, sem mandado judicial;
5. Denúncia contra os parlamentares (deputado e vereadores) ao Ministério Público Estadual, por abuso de poder político.
Daí a nossa analogia com a reação do Rocky Balboa, que, em todos os filmes da franquia, levanta-se da lona distribuindo golpes para todo lado.
E tem mais.
Como se o clima de beligerância instaurado entre prefeito e opositores fosse pouco, o procurador-geral da Prefeitura da Serra, Edinaldo Loureiro Ferraz, em entrevista concedida nessa segunda-feira (20) à coluna, tratou de subir ainda mais o tom:
“Onde já se viu isso? Um deputado foi fazer ‘apreensão de celular’… Isso não existe, é uma coisa inusitada! É tão absurdo que é difícil até a gente imaginar que um deputado, sendo uma pessoa esclarecida, faça uma loucura dessas, abrindo gaveteiro de uma repartição pública… […] Podem encontrar problemas no Sine? Podem. Mas após uma investigação. Esse fato requer uma investigação, e não uma ação politiqueira e policialesca que escapa à própria função sublime de um parlamentar. O que se viu foi uma espetacularização de uma politicagem. […] Teve quebra de decoro e abuso de poder. Abusaram de um poder de fiscalização que eles não têm na forma como foi exercida”, afirmou o procurador, confirmando cada uma das cinco medidas elencadas acima.
Opinião do colunista
De fato, a denúncia é gravíssima. Não se pode admitir, em hipótese alguma, possível uso eleitoreiro de um órgão como o Sine. Dar preferência a apadrinhados políticos e/ou potenciais eleitores ou trocar o preenchimento de vagas por expectativa de votos é abusar de uma posição privilegiada em uma agência que lida com muitas pessoas em vulnerabilidade financeira e emocional, passando por momentos de necessidade ou até de desespero. Seria algo baixo e imoral.
Como admite o próprio procurador de Vidigal, isso requer uma investigação profunda. E não passou despercebido pela coluna que, na entrevista que nos deu, Ferraz não tenha chegado a pôr a mão no fogo por Renato Ribeiro, preferindo não atestar sua inocência: “Não posso afirmar se tem ou não tem irregularidades [no Sine]. Esse não é meu papel”. E aí o filme em cartaz não pode ser “O Inocente”, mas, efetivamente, “O Suspeito”.
No entanto, qualquer olhar externo mais crítico (e é o nosso caso) vai perceber que a presença ostensiva de quatro parlamentares na alegada “cena do crime” realmente a “contamina” do ponto de vista político – mais ainda por serem os quatro de oposição declarada à atual administração.
Para se entender o que quero dizer, é sempre válido um exercício de substituição de papéis. Apenas para fins explanatórios, suponhamos que, em Vitória, o deputado João Coser (PT) – pré-candidato de oposição a Pazolini – chamasse policiais a um Sine para averiguar denúncia similar, e os PMs levassem um subsecretário municipal para prestar depoimento na Delegacia Regional. Na agência, antes mesmo da chegada dos policiais militares, já estavam concentrados os vereadores André Moreira (PSol), Karla Coser (PT) e Vinícius Simões (Cidadania), todos de oposição a Pazolini, para verificar in loco a denúncia de uma servidora. Quem é que não acharia esse procedimento estranho, no mínimo incomum? Alguém não conjecturaria a politização da “operação” por opositores?
Pois é.
Voltando à realidade da Serra, por mais que sejam graves as denúncias, por mais que eventualmente estejam bem fundamentadas, por mais que lá na frente se prove que de fato há algo muito errado ali, não se pode ignorar a sensação de que Muribeca e os três vereadores abusaram, se não do poder, do direito de “sensacionalizar” e explorar politicamente a situação.
De tão espetaculosa, a participação deles na autodenominada “Operação Peixada” pareceu mesmo indevida; a sua exploração, excessiva. Vale lembrar que, até onde se sabe, não há nem sequer inquérito instaurado por nenhuma autoridade competente, com poderes para investigar a grave denúncia feita por uma servidora do órgão. Estas, as autoridades competentes, devem mesmo fazê-lo. Não é o caso dos parlamentares.
Assim, a participação ostensiva dos parlamentares de oposição, paradoxalmente, também dá margem a especulações contrárias: pelo seu comportamento no caso, ao supostamente apurar suspeitas de uso eleitoreiro do Sine da Serra, os parlamentares dão margem a suspeitas de possível uso eleitoreiro por parte deles mesmos na apuração da denúncia relacionada ao Sine.
Uma contradição flagrante na narrativa dos quatro oposicionistas é, precisamente, a ausência de um flagrante que possa tecnicamente ser assim chamado. Na sexta, enquanto tudo ocorria, eles disseram que o alegado direcionamento de vagas foi flagrado e comprovado no local. Mas, em nota oficial, a própria Polícia Civil – à qual o subsecretário acabara de prestar depoimento – declarou, ainda na sexta: “[…] após análise, não foi possível concluir se houve crime. Diante da falta de elementos conclusivos e da necessidade de apuração mais detalhada, não foi adotado nenhum procedimento flagrancial em desfavor dos envolvidos”.
Outro grande entrechoque: se Renato Ribeiro vinha mesmo direcionando vagas para seus favorecidos, estamos diante de um terrível caso de agressão ao princípio da impessoalidade no serviço público, tutelado pela Constituição Federal. Mas o procurador-geral da Serra afirma que um dos policiais militares que cumpriu as diligências no Sine na sexta, ao chamado de Muribeca, teria relação de parentesco com ele – ou seria, no mínimo, apoiador político do deputado –, o que também configuraria falta de impessoalidade. A assessoria do deputado nega a existência de parentesco.
Por fim, não se pode deixar de observar o momento particularmente interessante em que é deflagrada essa guerra, se pensarmos no calendário eleitoral à parte, tão precocemente inaugurado na Serra. O embate entre prefeito e oposição ocorre precisamente entre dois episódios muito importantes (ação e reação?).
O primeiro, para a situação, já ocorreu: a troca de Weverson Meireles (PDT) por Philipe Lemos (PDT) à frente da Secretaria de Estado do Turismo, a pedido de Sérgio Vidigal, confirmada sete dias antes da “Operação Peixada”, deu ao mercado político um indicativo forte de que o prefeito irá mesmo para a reeleição – enquanto puxa Weverson, seu pupilo, de volta para o seu lado, para o manter como plano B.
O segundo ocorrerá nesta semana: o ato público de filiação de Pablo Muribeca ao Republicanos, partido pelo qual o deputado será candidato à Prefeitura da Serra, desafiando Vidigal e o grupo do prefeito.
Filme por filme, vou encerrar este artigo parodiando “Rio 40 Graus” (1955), clássico de Nelson Pereira dos Santos e obra seminal do nosso Cinema Novo: “Serra 40 Graus” é o longa em cartaz no momento, não só por questões meteorológicas (esta onda de calor, minha gente…), mas porque tal é a atual temperatura política no maior colégio eleitoral do Espírito Santo.
Adendo: “Ao colega, com carinho”
Em tempo, meu colega e amigo Josué, autor da nossa primeira matéria sobre o tema, publicada na última sexta-feira pelo Portal ES360, e meu colaborador nesta apuração, tem o nome dos protagonistas dos dois maiores filmes lançados no mundo inteiro no ano de 1998 (opinião do colunista): “Central do Brasil” (o Josué levado para casa pela Dora da Fernanda Montenegro) e “A Vida é Bela” (o Giosué, filho do Guido do Roberto Benigni).