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Coluna Vitor Vogas

Presidente do TJES: “Paramos no tempo. Não podemos continuar onde estamos”

Com raríssima capacidade de autocrítica, Fabio Clem reconhece problemas crônicos da Justiça Estadual e explica o empréstimo que busca para saná-los

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O desembargador Fabio Clem é presidente do TJES. Crédito: Assessoria do TJES

Ano após ano, o relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reitera uma posição vergonhosa para o Poder Judiciário do Espírito Santo e para os capixabas em geral: o Tribunal de Justiça do Estado (TJES) é o pior do país (não “um dos piores”, mas disparadamente o pior), entre os tribunais estaduais, no que se refere à implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe). Também figura mal em outros indicadores, como a produtividade média dos juízes em relação às despesas do tribunal.

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Determinado a retirar o TJES dessa incômoda posição, o atual presidente da Corte, desembargador Fabio Clem, já assumiu o cargo, em dezembro de 2021, anunciando a modernização da Justiça Estadual nos dois graus como prioridade absoluta de seu mandato de dois anos. Para isso, com o apoio do governo Casagrande, trabalha para viabilizar um empréstimo de US$ 35,3 milhões – cerca de R$ 170 milhões no câmbio de hoje – junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

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Na última quarta-feira (21), um passo importante foi dado para a concretização do financiamento: a Assembleia Legislativa aprovou o projeto de lei de Casagrande autorizando o governo a contrair o empréstimo.

Na véspera, o presidente Fabio Clem recebeu a coluna em seu gabinete no TJES, onde concedeu a entrevista abaixo. Com raríssima sinceridade a ainda mais rara capacidade de autocrítica, o presidente fez o contrário de dourar a pílula ou tapar o sol com a peneira, reconhecendo o lugar absurdamente atrasado – e, para ele, inaceitável – em que a Justiça Estadual se encontra em matéria de digitalização dos processos, governança e tecnologia da informação.

“Não é razoável, não há por quê, não há a quem interesse que o TJES permaneça no lugar em que está”; “O TJES não pode, absolutamente não pode, permanecer no lugar em que está em termos de atraso em tecnologia da informação”; “Não tem sentido o Estado estar tão bem e o Poder Judiciário Estadual continuar aqui atrás”; “Nós acabamos parando no tempo e amargando essa posição de último colocado, inclusive na implantação do Processo Judicial Eletrônico.”

Ele ainda deu uma alfinetada nos seus antecessores na presidência:

“Penso que faltava uma expansão de raciocínio político para se enxergar aonde o TJES chegou em termos de atraso tecnológico, o buraco em que estávamos chegando.”

Abaixo, a entrevista completa do presidente. Boa leitura!

Como foi a articulação política com o governo Casagrande para convencer o Governo do Estado a pedir esse empréstimo ao BID?

Fiz uma abordagem nesse aspecto já no meu discurso de posse. O Espírito Santo é um estado tão bem avaliado do ponto de vista fiscal. Já estamos no sexto mandato de dois governadores que vêm administrando o Estado com absoluta responsabilidade fiscal e colocaram o Espírito Santo num nível de investimento expressivo. Não é razoável, não há por quê, não há a quem interesse que o Tribunal de Justiça do Estado permaneça no lugar em que ele está.

E que lugar é esse?

No último lugar não só da implementação do Processo Judicial Eletrônico como também em tecnologia de informação e ferramentas de governança. O tribunal não tem isso. Quando tomei posse [no fim de 2021], eu tinha consciência disso por ter passado pela administração, como vice-presidente do desembargador Annibal Rezende, em 2016-2017. E desde então eu já sabia disso. Participei muito da administração do desembargador Annibal com o objetivo de ajudá-lo a superar aquelas dificuldades. Ele tomou posse no momento de crise mais aguda do tribunal, porque o tribunal tinha dado um “mergulho” na Lei de Responsabilidade Fiscal, chegando a gastar 6,32% da receita corrente estadual com sua folha de pagamento [o limite legal é 6%]. Então, durante os dois anos daquela administração, nós consumimos todas as energias de que dispúnhamos para reequilibrar fiscalmente o TJES. Não houve tempo nem espaço para investir na implementação do Processo Judicial Eletrônico.

Na verdade, vocês estavam muito mais num momento de cortar na carne do que propriamente de fazer investimentos…

Exatamente. E o reequilíbrio fiscal do TJES foi conseguido à custa da demissão de mais de 250 servidores de cargos comissionados, da cessação de todas as funções gratificadas do TJES, da perda de funções gratificadas nos gabinetes dos desembargadores. Com isso, nós perdemos uma força de trabalho muito grande. Não tínhamos capacidade de fazer um concurso. Prova disso é que o último concurso da magistratura foi em 2014. E não me recordo sequer de quando foi o último concurso para servidores.

Inclusive, a nomeação em massa de juízes aprovados nesse concurso de 2014 pelo então presidente do TJES, Sérgio Bizzotto, foi um dos fatores que levaram o tribunal àquele cenário de descontrole fiscal.

Sim. Nós tínhamos oferecido 30 vagas para preenchimento e foram feitas 67 nomeações. Esse foi um dos pontos, mas não chegamos àquela situação só por conta disso. Houve um plano de cargos, carreiras e vencimentos, também aprovado no mandato do desembargador Sérgio Bizzotto, que levou o TJES muito mais a isso. Tanto é que tivemos a necessidade de ir à Assembleia defender o adiamento das promoções dos servidores, que era uma forma de nos reequilibrarmos fiscalmente. A partir daí, na presidência do desembargador Annibal, o TJES se reequilibrou, mas ficou sem margem para investir em melhorias. Além disso, penso que faltava uma expansão de raciocínio político para se enxergar aonde o TJES chegou em termos de atraso tecnológico, em que buraco nós estávamos chegando.

O senhor está dizendo que seus antecessores na presidência não compreenderam e não reconheceram o tamanho do problema?

Eu não sei se não reconheceram ou se não tiveram a sensibilidade para enxergar como estávamos caminhando para isso. Talvez, com as sequelas daquele “mergulho” na Lei de Responsabilidade Fiscal, não se deu a atenção que precisava ter sido dada para isso.

E o senhor assumiu a presidência com essa prioridade?

A minha decisão quando assumi a presidência foi essa. O TJES não pode, absolutamente não pode, permanecer no lugar em que está em termos de atraso em tecnologia da informação.

Para tirá-lo desse incômodo lugar, é preciso ter os recursos para investir. Tais recursos chegarão agora por meio desse empréstimo?

Esse empréstimo vai propiciar ao TJES uma transformação digital em todos os sentidos, não só na implantação do PJe, mas também de práticas de governança. Precisamos atualizar a governança do TJES ao ponto de igualá-la à dos demais tribunais. Assumi a presidência no dia 16 de dezembro de 2021. No dia 29 de dezembro, recebi a informação sobre a possibilidade desse empréstimo junto ao BID. Foi quando realizamos a primeira reunião sobre isso, neste mesmo gabinete.

De quem partiu a iniciativa? Foi o senhor quem bateu à porta do governador, pedindo uma ajuda nesse sentido?

Fui eu que bati à porta. No meu discurso de posse, está escrito que eu trataria essa relação institucional como um investimento, exatamente para dotar o TJES de condições de prestar uma jurisdição num tempo mais curto, até de acordo com a realidade do Espírito Santo hoje, de um estado que se destaca no cenário nacional pelo equilíbrio fiscal e pela capacidade de investimento. Não tem sentido o Estado estar tão bem e o Poder Judiciário Estadual continuar aqui atrás. Então, a decisão política foi tomada: o centro das minhas atenções seria o PJe e essa transformação digital do tribunal.

De acordo com o relatório Justiça em Números 2022, entre os tribunais estaduais, o TJES continua na lanterna na implantação do PJe. Mas vocês já conseguiram algum progresso?

Estamos tocando o PJe com as nossas dificuldades, mas de acordo com as nossas possibilidades. Avançamos expressivamente em respeito a isso e hoje investimos maciçamente na digitalização dos processos físicos. A nossa estimativa era que tínhamos um pouco mais de 600 mil processos para digitalizar. E estamos fazendo isso. Antes de tomar posse, pedi uma ajuda ao então presidente do STJ, ministro Humberto Martins. E, logo no início do mandato, fui assinar com ele um termo de cooperação técnica. Cheguei lá e conheci o setor de digitalização do STJ, que é feita totalmente por pessoas surdas. Eu me emocionei com aquilo e trouxe a ideia para cá. Quando chegou em agosto do ano passado, nós já tínhamos 109 pessoas surdas contratadas. Temos uma estação de trabalho com essas 109 pessoas, que funciona na Corregedoria e é a maior produtora de digitalização do TJES.

E, desse passivo de mais de 600 mil processos, quantos vocês já digitalizaram?

Hoje já conseguimos mais da metade. Outro grande avanço é que, desde o final do ano passado, todo o nosso PJe roda na nuvem da Amazon. E agora estamos contratando mais 200 surdos, inclusive com a promessa do governador de repasse de recursos orçamentários para isso. Queremos chegar ao fim deste ano, se não com todos os processos digitalizados, pelo menos perto dessa totalização.

O dinheiro para isso entra nesse empréstimo junto ao BID ou o senhor está falando de suplementação do orçamento do TJES no orçamento do Governo do Estado este ano?

Isso é suplementação para custeio. Nesse aspecto específico, talvez precisemos de uma suplementação do governador, para a contratação de mais 200 servidores surdos.

Necessariamente pessoas com deficiência auditiva?

Sim. Também é uma forma de inclusão social. O TJES licita e contrata uma empresa terceirizada, que nos fornece o pessoal e os equipamentos. Nós fornecemos apenas o espaço para elas trabalharem.

O senhor tem ideia do custo necessário para a contratação dessas 200 pessoas?

Os 109 que já trabalham no setor estão custando para nós uma média de quase R$ 7 milhões por ano. Com esses 200 a mais, chegaremos a mais de R$ 13 milhões em 2023, no total, quando chegarmos aos 300. Esperamos estar com esse contrato concluído até agosto, no máximo. Queremos completar a digitalização dos processos até o fim do ano para, a partir daí, ficarmos só eliminando as inconsistências do sistema. Assim nos habilitaremos a ter um tribunal saneado, para que, naquele relatório anual do CNJ, quando vierem buscar os dados em nossas fontes no TJES, já apresentemos resultados muito diferentes do que apresentamos hoje.

Voltando à questão do empréstimo, o senhor pode detalhar o caminho até que esses US$ 35,3 milhões comecem de fato a ser repassados para o TJES?

Começamos esse processo no dia 30 de dezembro de 2021. Esperávamos já ter tido a nossa consulta analisada pela Comissão de Financiamento Externo (Cofiex) do Ministério do Planejamento no ano passado. Isso não ocorreu, causando-nos uma frustração muito grande, pois perdemos a chance de assinar esse contrato no início deste ano. Eles realizaram duas reuniões no ano passado, mas não conseguimos ter a nossa consulta analisada. O governador, então, chegou a acenar com a possibilidade de fazer essa dotação orçamentária para nós. Mas preferimos o empréstimo com o BID por causa da consultoria qualificada do banco para esse tipo de investimento e por uma outra razão: esse empréstimo vai vincular as administrações sucessivas do TJES. Todos os administradores que me sucederem aqui terão de seguir esse contrato. No início deste ano, o Cofiex enfim aprovou a nossa consulta, autorizando o Governo do Estado a celebrar a operação de crédito. O governo enviou à Assembleia Legislativa o projeto de lei pedindo a autorização para o financiamento. Quem toma o empréstimo é o Estado, porque o TJES não tem personalidade jurídica para fazê-lo. Com a aprovação do projeto, a operação ainda precisará do aval do Governo Federal, que será o fiador do empréstimo, e da aprovação do Senado Federal. Com tudo isso, o contrato deve ser assinado no início do ano que vem. Enquanto isso, estamos tomando todas as providências administrativas que precisamos tomar.

Uma vez assinado o contrato, como o dinheiro será repassado pelo BID?

O BID vai repassar os recursos à medida que o projeto for sendo implantado. E o projeto tem uma previsão de cinco anos para implantação. Não é uma coisa de uma hora para outra.

E como serão efetivamente empregados esses cerca de R$ 170 milhões, no câmbio de hoje? Quais serão as melhorias viabilizadas por esses recursos?

Propiciará uma reorganização da estrutura do TJES, em termos de legislação, de dotação das secretarias do tribunal e de ferramentas de governança e de tecnologia da informação. Hoje, tudo o que precisamos no TJES é manual. Se eu preciso fazer um relatório, eu abro uma planilha de Excel de todo o tamanho, extraio os dados manualmente e, daquela planilha, faço outra. Não aciono hoje um comando de T.I. e gero um relatório. Não temos condições de fazer isso.

Em poucas palavras, é modernizar digitalmente o TJES? Enfim colocar o tribunal no século XXI?

Sim, no século XXI. Não temos a pretensão de sermos melhores do que ninguém, mas queremos nos igualar a todos os tribunais de Justiça do país, que deram atenção a essas políticas administrativas há muito mais tempo que nós. E nós acabamos parando no tempo e amargando essa posição de último colocado, inclusive na implantação do PJe. Há uma estimativa do CNJ de que um processo eletrônico caminha quatro vezes mais rápido que um processo físico. Por isso essa decisão política de investir tudo nisso e também para acabar com aquele eufemismo da “integração de comarcas”, que na verdade era extinção de comarcas. Se você integrar essas comarcas por PJe, você economiza com deslocamentos de juízes e servidores. Essa virtualização cria funcionalidades que você começa a eliminar distâncias, tinta, papel. Você vai acabando com isso e agilizando a prestação jurisdicional para o cidadão. Só quero acrescentar uma coisa: quando tomei posse na presidência, eu não tinha ideia de como fazer isso. Aqui no TJES, temos dois desembargadores que têm expertise nessa área: Pedro Valls Feu Rosa e Samuel Meira Brasil. Convidei o desembargador Pedro para me ajudar e ele prontamente aceitou. Sou-lhe muito grato por isso. Deleguei a ele a administração desse trabalho que estamos desenvolvendo na Secretaria de Tecnologia de Informação. Não economizo despesas com essa secretaria, diárias para aperfeiçoamento de servidores, horas extras para trabalho nos fins de semana. Então o desembargador Pedro é o grande responsável por esse trabalho.


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