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Coluna Vitor Vogas

Assembleia: os recados e os rancores da base com o governo Casagrande

Primeira sessão pra valer do ano deixou uma lição irrefutável: no atual mandato, será muito mais difícil para o Palácio governar a Assembleia e manter maioria segura ali. E mais: os fatores específicos que levaram Gandini, Vandinho, Adilson, Esmeraldo e Xambinho a se rebelar

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Deputados estaduais em plenário (14/02/2023). Foto: Ana Salles/Ales

Desde que se inaugurou no Estado a Era Hartungrande (Hartung-Casagrande), em janeiro de 2003, o Poder Executivo mantém o Legislativo sob controle e nada de braçada no plenário da Assembleia. De tempos em tempos, porém, surgem focos de insatisfação e de rebelião na base parlamentar do governo, prontamente abafadas. Logo as coisas se reacomodam e tudo continua como antes. É algo meio cíclico e até certo ponto “normal”.

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Isso posto, é preciso reconhecer que a insurreição de deputados da base do governo Casagrande em pleno plenário na manhã de quarta-feira (15) fugiu bastante do comum e não pode (parece-me um erro) ser subestimada ou minimizada pelo Palácio Anchieta como algo corriqueiro e habitual. Protagonizado por Fabrício Gandini (Cidadania), o levante chamou a atenção por algumas características peculiares que parecem sinais, ou sintomas, de um problema bem maior:

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1) A rapidez, ou precocidade, com que explodiu desta vez a primeira crise no relacionamento do governo com a própria base, logo no início do mandato (a rigor, no primeiro dia de votação de projetos do Executivo). Desta vez não teve nem lua de mel.

2) O deputado a quem coube o papel de “líder do motim”: Gandini não é um governista qualquer, encontrado ali na esquina ou caído de paraquedas na base. É – ou pelo menos era, até o mandato passado – um importante aliado do governo, presidente da CCJ na última legislatura, presidente estadual do Cidadania (antigo parceiro do PSB no Espírito Santo) e ninguém menos que o companheiro de chapa do próprio Casagrande em sua tentativa frustrada de reeleição em 2014.

3) O pretexto utilizado por Gandini e outros deputados da base para se insurgirem em plenário e expressarem sua insatisfação: um projeto de lei singelo, positivo, inofensivo, cândido até; uma “pauta do bem”, que deveria passar livre de qualquer polêmica e que ninguém ousou criticar no mérito: a concessão de uma bolsa de estudos para alunos da 4ª série do ensino médio na rede estadual de ensino (apoiada até pelos deputados ultraliberais).

Gandini propôs uma emenda oral para dobrar o valor da bolsa, os representantes do governo não toparam… e esse foi o estopim de uma batalha campal em plenário que tomou proporções inesperadas. Ficou a impressão de que a insatisfação do autor da emenda e de outros deputados da base que o acompanharam era tamanha que qualquer coisa, literalmente qualquer coisa, serviria de pretexto para o bloco dos descontentes passar o seu recado ao governo.

E o recado foi passado. Ah, sim, como foi… Em alto e bom som. Materializou-se na aprovação da emenda em plenário, por 13 votos a 12. Vandinho Leite (PSDB) acompanhou Gandini. Zé Esmeraldo (PDT), Xambinho (PSC) e Adilson Espindula (PDT) idem. A priori, deputados governistas.

A origem da insatisfação é diversa, cada um deles tem os próprios motivos, mas o ponto em comum é justamente essa insatisfação com o governo, e o recado dos cinco foi o mesmo. Para bom entendedor: “Governo, preste atenção, você precisa de nós, isto aqui é só um aviso e uma pequena amostra (uma emenda num projeto de menor monta), mas ou vocês passam a nos atender melhor ou podemos complicar a vida de vocês aqui”.

Já se sabia que havia uma insatisfação latente entre deputados governistas neste início de governo Casagrande 3. Nos corredores da Assembleia, é voz corrente que a legislatura começa um pouco “estranha”, com muitos focos de instabilidade e feridas mal curadas na relação política, que remontam à eleição de 2022 e ao traumático processo interno de eleição da Mesa Diretora, no qual o governador interferiu com força a favor de Marcelo Santos (Podemos), em detrimento do grupo encabeçado por Vandinho.

Mas a sessão de quarta mostrou que o caso é mais grave do que se imaginava. A base era uma panela de pressão prestes a explodir e não se sabia, uma represa de insatisfações acumuladas que de repente transbordaram. Gandini bateu o martelinho, abriu a rachadura e a barragem desmoronou.

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Questão matemática: a regra dos três terços de 30

O episódio também provou (ou na realidade realçou) algo que já se vislumbrava. Numericamente, a governabilidade para Casagrande ficou muito mais delicada no mandato atual.

Tudo indica que, agora, o governo terá muito maior dificuldade não só para construir, mas também para manter a maioria em plenário – que hoje, sim, existe; mas, claro está, não é nem um pouco folgada.

Primeiro ponto: o crescimento da oposição nas urnas, com quase todos os deputados do PL, do Republicanos e do PTB nesse flanco.

Segundo: como dano colateral da eleição de Marcelo, alguns deputados se viram “empurrados” para a oposição – se não de todo, em flerte aberto com ela: Theodorico Ferraço (declaradamente), Hudson Leal (líder do bloco parlamentar que abriga os oposicionistas), Vandinho Leite (diz que não, mas seus movimentos indicam o contrário). Aí você já tem cerca de 10 dos 30 deputados.

Aliás, numa conta simplificada e arredondada, podemos dizer que esta legislatura começa dividida em três colunas iguais: cada uma com 10 deputados. É o que chamo de regra dos três terços de 30.

Na primeira coluna, temos os cerca de 10 deputados aliados incondicionais do governo, com quem, chova ou faça sol, Casagrande sempre poderá contar; no outro canto, temos cerca de dez parlamentares com quem o governo jamais ou raramente poderá contar.

Entre os dois extremos, a decisiva “coluna do meio”: um grupo de dez deputados de perfil mais independente, portanto mais voláteis e pendulares: a priori (vou frisar a expressão) são aliados do governo, mas não incondicionalmente. Traduzindo o advérbio: aliados, sim, mas com determinadas condições.

30/3 = 10
ou 3 x 10 = 30
ou 10 + 10 + 10 = 30

Num quadro polarizado como esse, o passe desses deputados na negociação com o governo se valoriza. Cada um deles sabe disso. E estão tratando de deixar isso bem claro para o governo desde o início. Com uma matemática tão apertada, se alguns deles penderem para o outro lado e votarem contra o governo, este simplesmente vai perder. Assim como perdeu na quarta (num projeto menor), pode perder outras vezes no futuro (em projetos essenciais).

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Noves fora, o custo político para o governo manter uma base segura de pelo menos 20 deputados subiu muito na virada do mandato.

A votação da emenda de Gandini foi emblemática, provando por A + B o que estou dizendo. Treze a 12 a favor da emenda (contra o governo, portanto). Quem votou a favor da emenda? Primeiramente, oito deputados incluídos naquela coluna dos 10 “pouco ou nem um pouco governistas”. E de onde partiram os outros cinco votos? Gandini, Vandinho, Zé Esmeraldo, Adilson e Xambinho.

Os cinco estão na coluna do meio, com Vandinho já no limiar da oposição. Rebolaram para o outro lado… o governo perdeu. Foi pedagógico para todos nós e para o próprio governo.

Foi a lição que eles quiseram passar no projeto sobre bolsa estudantil. Agora compete ao governo fazer o dever de casa.

Parente e afilhados: os fatores que explicam a revolta de cada dissidente

Por que Gandini está tão revoltado com o governo? O caso do deputado do Cidadania – especialmente após a entrevista concedida a este espaço, na qual chutou de vez o balde – merece uma análise à parte. Mas podemos citar desde já um fator.

O Diário Oficial do Estado trouxe na edição de quarta de manhã, horas antes da sessão, uma barca de sete exonerados pelo novo secretário estadual de Esportes e Lazer, José Carlos Nunes (PT). Alguns desses ocupantes de cargos comissionados eram indicações de deputados da base governista.

Entre eles Anael Parente, exonerado por Nunes do cargo de gerente de Esportes Formação e Rendimento. Ex-líder comunitário de Jardim Camburi, Anael é aliado histórico de Gandini, considerado o homem de confiança do deputado em seu reduto eleitoral. E, por óbvio, tinha sido indicado por ele. As razões da guinada de Gandini vão muito além disso, certamente, mas a exoneração do aliado foi sem dúvida um agravante, ou a gota d’água.

No caso de Xambinho e Zé Esmeraldo, a motivação do ato de rebeldia foi parecida. Na barca da Sesport, também foram exonerados Anderson Carvalho Xavier, indicado pelo deputado da Serra, e Jordânio Barbosa Rodrigues, que era da cota de Esmeraldo. Ambos ocupavam o cargo de supervisor I.

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Com o voto a favor da emenda de Gandini, os dois também deram um voto de protesto contra a perda dos seus na guilhotina da Sesport.

Já no caso de Adilson, o “pomerano” também quis transmitir ao governo a sua insatisfação, mas por motivo diferente. Desde o mandato passado, o seu primeiro na Assembleia, o aspirante à Prefeitura de Santa Maria de Jetibá deseja presidir a estratégica Comissão de Agricultura.

Na última legislatura, disputou-a nos bastidores, mas perdeu para a veterana Janete de Sá (PSB). Agora tentou de novo e a história se repetiu. Desta vez, porém, ele perdeu a presidência para um colega novato, Lucas Scaramussa (Podemos), no “acordão” das comissões costuradas com a agulha do Palácio Anchieta. Teve de se contentar em ser o vice-presidente.

Na primeira reunião da comissão após a sessão da última terça, Adilson votou a favor da chapa única (a própria chapa), mas fez questão de registrar o seu protesto para quem quisesse ouvir: “Mesmo chateado, voto sim”. Janete, que presidia a reunião como titular mais velha da comissão, agradeceu-lhe pelo espírito democrático. Ele engoliu o dissabor, mas não o digeriu.

Por falar nisso, quem ainda não digeriu e dá sinais de que nem vai digerir a derrota na eleição da Mesa é Vandinho Leite. Na fatídica sessão de quarta de manhã, logo após a derrota imposta ao governo com a aprovação da emenda de Gandini, o tucano subiu à tribuna e pareceu deleitar-se em ver o circo pegar fogo e queimar a lona do governo.

“A base está desorganizada, e isso é reflexo do tratamento desigual dado a deputados da base”, tripudiou. “Partidos mais atendidos, outros menos atendidos; deputados mais atendidos, outros menos atendidos…”

Muitos entenderam que Vandinho estava se referindo a cargos.

Reservadamente, alguns deputados afirmam que é ele, o próprio Vandinho, quem está realmente articulando a oposição, atraindo deputados da “coluna do meio” e botando fogo no parquinho em plenário. Não por acaso, Vandinho elogiou muito da tribuna a atitude de Gandini, seu colega de federação, em peitar o governo logo no início do ano legislativo.

Fato é que Vandinho pareceu refestelar-se em ver a base bater cabeça e se desmontar, mesmo que por instantes, ali diante da plateia, para todo mundo ver.

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Os recados diretos a Casagrande

Já que estamos falando de recados, nenhum deles foi mais sonoro que o do próprio Vandinho, da tribuna: “Neste momento, Gandini instala um sinal importante para que o governo reflita melhor como quer montar uma base nesta Casa”.

A fala aberta de Vandinho é corroborada, em off, por um dos dissidentes da base na votação da emenda de Gandini:

“O Renato [Casagrande] abandonou a maioria dos deputados. Acha agora que pode governar com poucos. Tem uns três ou quatro que têm entrada com ele. E outros, no meu entender mais importantes, não conseguem falar com o próprio governador, não conseguem levar um prefeito. Ele está fazendo um governo bom? Acho até que sim. Mas está pecando muito na relação com os deputados”.

Operação “para tudo” da Casa Civil

Para evitar danos ainda maiores, após a surpreendente aprovação da emenda de Gandini, deputados da base derrubaram o quorum da sessão, e o projeto que cria a Bolsa-Estudante não chegou a ser votado.

A operação para esvaziar a sessão foi ditada pelo chefe da Casa Civil, Davi Diniz, que, diante da rebelião, pôs-se a disparar urgentes telefonemas e mensagens para os deputados aliados. O governo precisou de um break durante o carnaval para respirar e reorganizar a base. A parada do feriadão veio muito a calhar. Recuo da bateria.

Hudson e Vandinho à míngua

Circula com força na Rádio Assembleia. Na eleição da Mesa, o governo aceitou, sim, fazer o acordo com o grupo de Vandinho Leite e absorver Hudson Leal como 1º vice-presidente da chapa de Marcelo. Mas a ordem é, a partir de agora, iniciado de fato o mandato, deixar à míngua Vandinho e Hudson.

Casagrande e seus auxiliares não vão esquecer tão cedo os ataques pesadíssimos contra o governador por parte da dupla (acrescente-se Ferraço) logo depois que ele declarou seu apoio a Marcelo.

O novo presidente da Casa, aliás, tem a missão de ajudar nesse sentido. Já começou a executá-la, com o jabuti embutido e aprovado em resolução de sua autoria na terça, esvaziando poderes do 1º vice-presidente (Hudson).

Ao contrário de Erick Musso, Marcelo há de ser um presidente muito presente em plenário, daqueles que fazem questão de presidir realmente quase todas as sessões.

Mas, se Hudson ocasionalmente o substituir, vai se sentar na cadeira apenas para conduzir as sessões. Não poderá, por exemplo, convocar sessões extraordinárias nem decidir por si mesmo sobre questões de ordem apresentadas a ele por colegas.


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