fbpx

Coluna Vitor Vogas

Por que Casagrande desistiu de elevar a cobrança de ICMS?

A explicação técnica e política para o surpreendente recuo após mudança no texto final da reforma tributária promulgada nesta quarta. Ferraço fala em “humildade”. Secretário da Fazenda diz-se aliviado

Publicado

em

Casagrande e Ricardo Ferraço na entrevista coletiva sobre a revogação do aumento da alíquota do ICMS. Foto: Hélio Filho/Secom

Por que o governo de Renato Casagrande (PSB) voltou atrás, em tempo recorde, na decisão de ampliar de 17% para 19,5% a alíquota do ICMS modal praticada no Espírito Santo?

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

Para responder a essa pergunta, é preciso responder a uma anterior: por que o governo havia decidido elevar a alíquota, em primeiro lugar?

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do Vítor Vogas.

A resposta repousa sobre a reforma tributária do governo Lula. Até a aprovação da primeira versão da PEC, na Câmara dos Deputados, em julho, o governador mantinha o indicativo de que não aumentaria a carga tributária no Espírito Santo.

Em 20 de novembro, com a aprovação do texto modificado no Senado, veio a reviravolta: o secretário estadual da Fazenda, Benício Costa, em uma carta conjunta assinada com os chefes da mesma pasta em outros cinco estados do Sul e do Sudeste, anunciou a decisão de elevar a alíquota do ICMS modal (em 2,5 pontos percentuais).

Para isso, Casagrande enviou às pressas um projeto de lei para a Assembleia Legislativa, efetivamente aprovado com urgência no dia 27 de novembro com placar apertadíssimo, muitas críticas aos deputados que apoiaram a medida impopular do governo e, de quebra, um conflito “federal” entre o deputado Sergio Meneguelli (Republicanos) e o presidente da Casa de Leis, Marcelo Santos (Podemos).

Por que aumentar a alíquota assim, de supetão? Porque, na Casa Revisora do Congresso, os senadores aprovaram uma regra considerada extremamente prejudicial aos interesses e às finanças do Espírito Santo.

A partir de 2033, o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) substituirá integralmente o ISS (municipal) e o ICMS (estadual), após um período de transição, entre 2029 e 2032. Conforme o artigo 131 do texto da PEC aprovado no Senado, a receita total arrecadada na forma de IBS em todo o território nacional seria distribuída para os 26 estados e o Distrito Federal tomando por critério a arrecadação anual média de cada unidade federativa de 2024 a 2028.

Assim, nessa partilha do bolo do novo imposto subnacional, a fatia de cada estado dependeria do desempenho da própria arrecadação de ICMS nos próximos cinco anos.

Essa regra totalmente insensata lançou os estados, por uma via torta, em uma nova guerra fiscal. Nessa sangria desatada, cada um tratou de fazer o possível, e rápido, para ganhar o máximo (ou perder o mínimo) durante esses cinco anos cruciais da transição. Como? Tomando todas as medidas a seu alcance para turbinar o desempenho da sua própria arrecadação de ICMS a partir do ano que vem.

O jeito mais fácil? Aumentando a alíquota modal, cobrada sobre a maior parte dos produtos e serviços. Foi o que o Espírito Santo fez, a fim de reduzir suas perdas lá na frente. E o governo Casagrande não foi o único. Como dito, esse trecho da reforma deflagrou uma guerra fiscal entre os estados, e mais de 20 deles tomaram a mesma medida. O Espírito Santo não quis ficar para trás.

Em entrevista à coluna, o secretário Benício Costa chegou a dizer que, naquela conjuntura, o Governo Estadual se viu sem escolha senão adotar essa medida impopular, indo, segundo ele mesmo, contra seus próprios princípios. “Sou contra aumento de carga tributária”.

A medida, então, foi “preventiva”, no sentido de precaver e proteger as finanças do Espírito Santo contra perdas ainda maiores a partir de 2029 por conta desse critério aprovado no Senado. O Governo do Estado, assim, tomou o remédio amargo e empurrou-o goela abaixo dos empreendedores e dos consumidores capixabas – a quem sobraria, é claro, o pagamento dessa conta.

Com a medida, a Sefaz estimava um aumento arrecadatório da ordem de R$ 700 milhões por ano para os cofres estaduais. Benício chegou a dizer que todo esse incremento de receita seria destinado a investimentos para a população, informação posteriormente confirmada por Renato Casagrande: “É compromisso do meu governo”.

O governador, então, mandou para a Assembleia, o projeto que elevou a alíquota. Devido ao princípio da anterioridade, para valer a partir do ano que vem, o projeto precisava ser aprovado ainda este ano. Em urgência, o projeto passou no dia 27 de novembro e foi sancionado por Casagrande logo depois.

Agora, o cavalo de pau. Na prática, ficará tudo como estava antes, com a alíquota recolocada no patamar anterior, dos bons e velhos 17%.

Para isso, o governo mandou nesta quarta-feira (20) para a Assembleia novo projeto de lei que, basicamente, revoga em novo tempo recorde o que foi sancionado por Casagrande no dia 06 de dezembro, originando a Lei Estadual nº 11.981/2023. Haverá de ser uma das leis com menor tempo de vida na história do Espírito Santo.

O que fez o governo mudar de ideia radicalmente, dessa maneira?

Resposta: a nova mudança no texto da PEC da reforma tributária, ao qual a Câmara dos Deputados deu linhas finais na última sexta-feira. O texto foi promulgado nesta quarta-feira (20) pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao lado do presidente Lula, dando origem à Emenda Constitucional 132/2023.

Como o texto se originou da Câmara e foi modificado no Senado, precisou voltar para a primeira. Na Câmara, os deputados trataram de suprimir o temido artigo 131, que tirava o sono dos governadores. O critério de distribuição descrito acima foi retirado do texto. O critério agora fica em aberto, a ser definido por meio de lei complementar.

Mudou-se, enfim, o cenário. Mudaram as circunstâncias. E, alteradas as circunstâncias, o governo alterou sua decisão.

Ora, se o critério que tanto preocupava o governo foi retirado da mesa, não há mais (ao menos por essa via) risco de perda de arrecadação; e, se já não existe esse risco, não há mais por que elevar a alíquota. Se o Estado está livre da ameaça que justificava a correção da alíquota, tal medida agora perde totalmente a razão de ser.

É importante salientar que o Governo do Estado procurou se antecipar à conclusão da votação da reforma tributária no Congresso, pois, reitere-se, precisava aprovar o aumento da alíquota ainda este ano para que ela pudesse passar a incidir sobre a arrecadação em abril de 2024. Se a regra da distribuição do IBS tivesse sido mantida no texto final da reforma tributária, o governo já estaria garantido. Se não tivesse feito nada, teria perdido a oportunidade de agir em tempo hábil. Mas, como a regra caiu no Câmara, ainda dá tempo de voltar atrás e fazer o remendo da legislação estadual na Assembleia; emendar a emenda, por assim dizer, deixando tudo como já estava antes.

Foi o que justificaram Casagrande e Ricardo Ferraço.

“Tomamos a medida de elevar a alíquota de forma preventiva. O critério de redistribuição aprovado no Senado nos forçou a tomar uma decisão, não para o nosso governo, mas para o futuro, para não perdermos receita. Porém, retirado da proposta final o artigo 131, que previa esse critério, não temos mais o risco de perder receita”, explicou o governador.

“Retirado esse risco, nossa decisão é a de também retirar nossa proposta e o projeto aprovado que elevaria a nossa alíquota do ICMS de 17% para 19,5%. Neste momento, não tem mais uma lâmina sobre o nosso pescoço que nos faça perder recursos lá na frente.”

Ricardo Ferraço: “Humildade”

Ricardo Ferraço, por sua vez, falou em “humildade” para voltar atrás, dadas as novas circunstâncias.

“O que tem nos movido é a responsabilidade. Foi a responsabilidade que nos fez, coletivamente, adotar a primeira decisão em função do que tínhamos de previsão na reforma tributária. A redistribuição do IBS dependeria da nossa capacidade de arrecadação de 2024 a 2028. Então, os estados em geral se movimentaram para aumentar a alíquota do ICMS para se protegerem. E, na vida, é muito importante que a gente tenha a humildade de dar um passo atrás à medida que a realidade se impõe em outro formato.”

O vice-governador destacou que, agora, o Espírito Santo passa a ser o único estado do Sudeste com alíquota do ICMS modal em 17%:

“Agora, o Espírito Santo passa a ser o estado com a menor alíquota de ICMS do Sudeste, o que significa que ganharemos competitividade. A primeira decisão foi acertada. E também é acertada a decisão agora”, opinou Ricardo.

Secretário da Fazenda: “Aliviado”

“Com certeza, muito aliviado.” É como o secretário da Fazenda, Benício Costa, disse se sentir com a revogação da decisão anterior de aumento da alíquota. “A gente não gosta de aumentar impostos, em nenhuma hipótese. Muito pelo contrário, trabalhamos para diminuir os impostos e gerar mais competitividade para o Estado. E essa medida, como o governador frisou, foi preventiva, para que pudéssemos resguardar as receitas do Estado no futuro. Agora, com a retirada do artigo 131, podemos voltar atrás e revogar a decisão.”

Mas e quanto à lei complementar?

No lugar do critério de distribuição previsto no artigo 131, tirado pela Câmara do texto final da reforma, foi colocado… critério algum. Ficou para ser definido no futuro, por meio de lei complementar. Aí é que pode morar um novo perigo para o Espírito Santo e para outros estados. Casagrande reconhece isso:

“Pode ser que lá na frente, com a lei complementar que vai regulamentar o tema, a gente precise voltar a debater o tema com a sociedade capixaba e com a Assembleia.”

Benício Costa acredita que, após a avalanche de críticas sofridas por conta do critério de distribuição enfim derrubado, o Governo Federal buscará propor um critério bem mais razoável, por meio de projeto de lei complementar que deve ser apresentado ao Congresso em até 180 dias após a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023:

“Depois de todo esse transtorno gerado por esse trecho da PEC, acreditamos que o Governo Federal não vai criar um critério que gere uma nova corrida dos estados em aumentar sua carga tributária. Acreditamos que agora virá uma proposta mais sensata e debatida com os estados, para que não tenhamos esse problema lá na frente”, opina o secretário.