fbpx

Coluna Vitor Vogas

Polêmica no ar: projeto quer restringir agrotóxicos no ES

“Veneno” x “absurdo”. Camila e Iriny querem proibir aplicação de insumos por drones. Ricardo marca posição contrária e chama ideia de “negacionismo”

Publicado

em

Da esquerda para a direita, Iriny Lopes, Camila Valadão e Ricardo Ferraço.

Uma polêmica começou a sobrevoar o plenário da Assembleia Legislativa nesta semana. Dali, espalhou-se como um jato disparado por um drone pelo interior do Espírito Santo, chegando até o Governo do Estado. É o projeto de lei apresentado pelas deputadas de esquerda Iriny Lopes (PT) e Camila Valadão (PSol), com o objetivo de proibir a aplicação aérea de agrotóxicos de qualquer espécie em todo o território capixaba – por exemplo, por meio de drones ou aeronaves de pequeno porte.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

A justificativa do projeto traz vasta fundamentação. Em síntese, as autoras argumentam que esse método de aplicação de agrotóxicos, além de fazer muito mal à saúde dos pequenos agricultores, polui as águas e o meio ambiente em geral.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do Vítor Vogas.

Protocolado no último dia 4, o projeto mal começou a tramitar e ainda carece de análise nas comissões temáticas do Legislativo Estadual. Mas já está dando o que falar e dividindo opiniões.

Na sessão de segunda-feira (16), o deputado Lucas Scaramussa (Podemos), de Linhares, maior cidade do norte do Estado, subiu à tribuna para manifestar-se vivamente contra o projeto. Na de terça (17), foi a vez de Adilson Espindula (PDT), representante da Região Serrana. Na de quarta (18), o deputado Coronel Weliton (PTB), líder do bloco parlamentar formado por PTB, PL e Republicanos, também discursou contra a iniciativa. Weliton é representante da região do Caparaó, no sudoeste do Estado.

Ex-prefeito de Colatina, no noroeste do Estado, o deputado Sérgio Meneguelli (Republicanos) fez o mesmo, em um vídeo publicado em suas redes sociais.

E até o vice-governador Ricardo Ferraço, agora presidente estadual do MDB, divulgou em suas redes um vídeo no qual se posiciona vigorosamente contra a proposição de Iriny e Camila. Foi praticamente o lançamento de uma campanha contra o projeto, com direito a hashtags como #NãoAoRetrocesso e, de modo ainda mais direto, #NãoAoProjeto e #PL828/2023.

Sem citar nominalmente as duas autoras da matéria, Ricardo afirma que “vozes isoladas” não podem causar “retrocesso” para o agro capixaba. Aponta, ainda, “negacionismo” e contrariedade à ciência.

Além de vice-governador, Ricardo é secretário estadual de Desenvolvimento. No atual governo Casagrande, mantém considerável influência sobre a Secretaria de Estado da Agricultura (Seag) – compromisso de campanha assumido por Casagrande no 2º turno em 2022. Em dezembro do ano passado, Ricardo foi decisivo na escolha do secretário Enio Bergoli para comandar a pasta.

O que diz o projeto

O Projeto de Lei nº 828/2023, de Iriny e Camila Valadão, acrescenta um artigo à Lei Estadual nº 5.760, de 1998 (último ano do governo Vitor Buaiz). Foi a lei que instituiu a Política Estadual de Produção Agroecológica e Orgânica, disciplinando o uso, a produção, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno dos agrotóxicos, seus componentes e afins no Espírito Santo.

O novo artigo proposto pelas duas deputadas diz o seguinte, bem objetivamente:

“É vedada a aplicação aérea de agrotóxicos, seus componentes e afins no Estado do Espírito Santo”.

Por “aplicação aérea de agrotóxicos, seus componentes e afins”, acrescentam, “entende-se a dispersão, aspersão e pulverização por meio de aeronave e por meio afim, tripulada ou não tripulada, inclusive por meio de drone”.

A justificativa do projeto

Na extensa justificativa, as proponentes referem-se aos agrotóxicos, três vezes, como “veneno”:

“O presente projeto de lei é uma forma de garantir dignidade para as populações camponesas capixabas que se veem ameaçadas pelo uso em larga escala de agrotóxicos. Trata-se de um importante passo para a produção de territórios livres de veneno e sem o risco de as pessoas terem seus alimentos e a água literalmente banhados de agrotóxicos”.

Segundo elas, apesar de a Lei nº 5.760/1998 garantir o direito à não contaminação por agrotóxicos e o princípio da precaução nas inovações tecnológicas, é preciso proibir expressamente, na legislação capixaba, a pulverização aérea dessas substâncias.

Em primeiro lugar, alegam, a vedação se justifica por uma questão de saúde pública – principalmente no que diz respeito aos trabalhadores rurais das comunidades que praticam agricultura familiar:

“A aplicação aérea de agrotóxicos é amplamente reconhecida por sua influência negativa na saúde dos trabalhadores rurais e das comunidades vizinhas, prejudicando a saúde da comunidade, as hortas comunitárias, as áreas de agricultura familiar que produzem orgânicos ou segmentos agroecológicos, além de afetar os ecossistemas locais e regionais”.

Em segundo lugar, tratar-se-ia de uma questão ecológica, de preservação ambiental e produção agrária sustentável:

“Tal método de aplicação é responsável por despejar grandes quantidades de veneno nas lavouras e contaminar o solo e os corpos d’água, bem como as pessoas que vierem a ser alcançadas pela chuva decorrente dessas águas, acarretando graves problemas de saúde”.

Segundo as autoras do projeto, “a pulverização aérea são verdadeiros coquetéis de veneno lançados no ar a uma velocidade entre 120 km/h e 250 km/h, podendo atingir áreas superiores a 10 km de distância de onde foi lançado. É, portanto, inconciliável com a coexistência harmônica a cultivos orgânicos e agroecológicos de alimentos”.

Iriny e Camila citam estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo o qual os agrotóxicos causam 70 mil intoxicações agudas e crônicas por ano que evoluem para óbito, em países em desenvolvimento (como o Brasil), além de milhões de casos de doenças agudas e crônicas não fatais.

Citam, ainda, que o Brasil lidera desde 2008 o ranking de consumo desses produtos. No país, argumentam, a permissão do uso de substâncias já banidas em outras nações convive com a venda ilegal de agrotóxicos já proibidos inclusive no Brasil.

As deputadas apontam prejuízos ambientais que vão além do local da aplicação de tais produtos por via aérea, sobretudo por conta da contaminação de rios e lençóis freáticos. E destacam estudo da Embrapa que alerta para a dificuldade de se controlar a área de aplicação dos agrotóxicos quando feita através do ar:

“Estudo realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) comprova a alta periculosidade da pulverização aérea. Segundo a empresa, os atuais equipamentos de pulverização – mesmo com calibração, temperatura e ventos ideais – deixam 32% dos agrotóxicos pulverizados retidos nas plantas; outros 49% vão para o solo e 19% vão pelo ar para outras áreas circunvizinhas da aplicação”.

A reação enérgica de Ricardo Ferraço 

“Não há espaço para negacionismo”, publicou Ricardo Ferraço na legenda do vídeo postado por ele. Chamando o projeto de “absurdo”, o vice-governador apresenta um depoimento dado pelo pesquisador e engenheiro agrônomo Xico Graziano (ex-dirigente do PSDB), acerca de um exemplo colhido no Ceará.

No estado nordestino, já vigora uma lei estadual que proibiu a aplicação aérea de agrotóxicos nas lavoura. Proposto por um deputado estadual do PSol chamado Renato Roseno, o projeto foi justamente o que serviu de inspiração ao de Camila Valadão e Iriny.

No depoimento de Graziano, o pesquisador, em síntese, argumenta que o tiro teria saído pela culatra. Afirma que, a partir da proibição dessa forma mais moderna de aplicação dos insumos, uma praga começou a infestar as plantações de banana – atividade muito forte na zona rural do Ceará , levando uma empresa chamada Tropical Nordeste Agrícola a aumentar em dez vezes a utilização de agrotóxicos em sua área de cultivo e a empregar o dobro de trabalhadores na aplicação direta dos defensivos nas plantas, só que agora todo santo dia e expondo-se muito mais que antes aos riscos de contaminação:

“O Governo do Ceará proibiu a pulverização aérea de defensivos em toda a sua agricultura. Eu fui visitar a Tropical Nordeste, uma fazenda que produz bananas e é a maior exportadora de bananas nanica do Brasil para a Europa. Antes, quando se fazia a pulverização aérea, a Tropical utilizava quatro pessoas e fazia três pulverizações por ano e utilizava uma média de 20 a 25 litros de calda fungicida por hectare. […] Agora, com a proibição da pulverização aérea, o mal da sigatoka amarela está lá comendo os pomares, e eles estão com oito pessoas todos os dias, durante seis meses, combatendo a sigatoka amarela. E estão gastando 200 litros de  calda fungicida por hectare. Ou seja, o consumo de agrotóxicos aumentou dez vezes”, relata Graziano.

Ricardo Ferraço conclui:

“São razões para lá de óbvias. A ciência, a tecnologia, a inovação, a produtividade, tudo isso está ao nosso lado, ao lado da agricultura capixaba. E não é possível que vozes isoladas como essa queiram trazer para o agro capixaba o negacionismo. Não a esse projeto, que vai representar um retrocesso na agricultura do nosso estado do Espírito Santo.”

A inspiração de Camila e Iriny

Com efeito, a inspiração declarada do projeto das duas deputadas de esquerda (também aliadas de Casagrande, principalmente Iriny) é o projeto de autoria do deputado do PSol no Ceará, que naquele estado transformou-se mesmo em lei, conhecida como a Lei Zé Maria do Tomé. Este foi um agricultor da região da Chapada do Apodi que se notabilizou justamente pela luta contra os agrotóxicos, mobilizando movimentos populares.

Na região, afirmam Camila e Iriny na justificativa do projeto, “a pulverização aérea causava grandes impactos nos reservatórios d’água e nas casas das comunidades”. Zé Maria acabou assassinado, “entrando para a triste estatística de defensores de direitos humanos mortos no Brasil”. Camila é a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, da qual Iriny também faz parte, assim como o outro deputado estadual do PT, João Coser.

A Lei Zé Maria do Tomé sofreu algumas investidas na Justiça, mas o STF decidiu pela sua constitucionalidade. Camila e Iriny afirmam ter ficado demonstrado que “a lei não gerou impactos negativos na produção de banana no Ceará, que manteve o crescimento nos anos subsequentes à sua aprovação”.