Coluna Vitor Vogas
PEC para efetivar inspetores penitenciários é arquivada
Após grande controvérsia e pressão da categoria, proposta de Callegari foi derrubada por mobilização da base do governo Casagrande. Entenda a polêmica

Sessão da CCJ, para votação sobre a constitucionalidade da PEC de Callegari, em setembro. Crédito: Assessoria do deputado Callegari
A Assembleia Legislativa arquivou, nessa segunda-feira (16), uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, se aprovada e promulgada, teria incorporado ao quadro de servidores efetivos do Estado mais de 1,5 mil inspetores penitenciários em designação temporária.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
“DTs”, como são mais conhecidos, não são servidores concursados. Conforme sugerido pelo termo, têm contrato de trabalho temporário – renovável a cada dois anos. Por isso, não gozam dos mesmos direitos e benefícios dos efetivos.
De autoria do deputado Wellington Callegari (PL), opositor do governo Casagrande (PSB), a PEC atendia a um pleito da categoria e visava obrigar o Executivo Estadual a aproveitar os inspetores penitenciários, contratados em caráter temporário, com mais de cinco anos de serviço contínuo e ininterrupto, aos quadros permanentes da Polícia Penal – força de segurança que está para ser criada no Estado.
Na prática, esses mais de 1,5 mil profissionais em designação temporária seriam automaticamente transformados em policiais penais efetivos, passando a fazer jus aos mesmos direitos dos concursados, inclusive a estabilidade no cargo.
Os inspetores penitenciários são vinculados à Secretaria de Estado de Justiça (Sejus), encarregada de gerir o sistema prisional capixaba. No momento, o governo está em vias de concluir a elaboração de um projeto de lei para estruturar a carreira dos policiais penais no Espírito Santo, a ser enviado para a Assembleia ainda este ano.
No papel, a Polícia Penal capixaba foi criada por meio de uma Emenda Constitucional de novembro de 2021, proposta pelo governador Renato Casagrande. Essa emenda mudou o artigo 126 da Constituição Estadual de 1989, incluindo a Polícia Penal entre os “órgãos da administração pública encarregados especificamente da segurança pública”.
Essa emenda também estabeleceu que “o preenchimento do quadro de servidores das polícias penais será feito, exclusivamente, por meio de concurso público e da transformação do cargo atual de Inspetor Penitenciário”.
A PEC de Callegari pretendia incluir um parágrafo único no inciso IV do artigo 126 da Constituição Estadual, que teria a seguinte redação:
“Nos quadros da Polícia Penal serão aproveitados os Inspetores Penitenciários, contratados em caráter temporário, com mais de cinco anos de serviço contínuo e ininterruptos, que serão submetidos ao Regime Jurídico único, através do benefício da estabilidade que durará até a aposentadoria destes.”
A proposta foi apresentada por Callegari em abril, contando de imediato com a assinatura de outros nove deputados, entre eles o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia, Mazinho dos Anjos (PSDB). Os outros foram Lucas Polese (PL), Capitão Assumção (PL), Vandinho Leite (PSDB), Theodorico Ferraço (PP), Hudson Leal (Republicanos), Bispo Alves (Republicanos), Coronel Weliton (PTB) e Adilson Espindula (PDT).
No dia 25 de setembro, um 11º deputado assinou a PEC: Allan Ferreira (Podemos).
Desde o início da tramitação, a matéria esteve envolta em espessa nuvem de controvérsia. Há seríssimas dúvidas quanto à constitucionalidade da mudança proposta, na medida em que se busca promover DTs à condição de efetivos (isto é, ao patamar dos concursados) sem que eles tenham precisado prestar concurso público nem seguir as mesmas regras para ingresso na carreira.
O “aproveitamento” poderia ser encarado como uma espécie de atalho na carreira, ferindo o princípio da isonomia no serviço público. Além disso, poderia abrir um temerário precedente na administração pública estadual (e até em outras esferas), dando margem a que DTs atuantes em outras áreas passassem a reivindicar tratamento análogo ao dispensado aos inspetores penitenciários. Por paralelismo, todos poderiam se sentir no direito de pleitear sua efetivação sem terem feito concurso público.
A própria Procuradoria-Geral da Assembleia opinou que a PEC é inconstitucional, em parecer preliminar apresentado à Mesa Diretora. Com base nesse parecer, o presidente da Mesa, Marcelo Santos (Podemos), deu despacho denegatório à proposta, ou seja, recusou de plano que ela pudesse seguir tramitando.

Galerias do plenário tomadas por inspetores durante sessão da CCJ, para votação sobre a constitucionalidade da PEC de Callegari, em setembro. Crédito: Assessoria do deputado Callegari
Callegari, então, recorreu dessa decisão à CCJ. Na comissão – responsável por se posicionar sobre a constitucionalidade e a legalidade das proposições apresentadas –, a tramitação foi tensa. Mobilizados, inspetores penitenciários passaram a lotar as galerias do plenário durante as reuniões do colegiado, toda terça-feira, para pressionar os integrantes.
Uma dessas reuniões foi marcada por um intenso bate-boca entre Callegari e o deputado Denninho Silva (União Brasil), governista. Por fim, no dia 19 de setembro, a CCJ aprovou por unanimidade parecer do deputado Mazinho dos Anjos, presidente da comissão, pela constitucionalidade da matéria – contrariando, portanto, o entendimento técnico dos procuradores da Casa de Leis.
Mazinho é aliado do governo Casagrande, mas foi um dos signatários da PEC de Callegari, em abril. Além dele, votaram pela rejeição do despacho denegatório de Marcelo os deputados Assumção, Polese, Coronel Weliton, Janete de Sá (PSB), Raquel Lessa (PP) e Lucas Scaramussa (Podemos). Foram sete votos a zero.
Na sessão dessa segunda-feira (17), Marcelo pautou o parecer aprovado na CCJ na 2ª fase do expediente da sessão plenária, sujeito a deliberação. As votações dessa fase da sessão costumam ser simbólicas, seguindo o padrão “todos a favor, permaneçam como estão”.
Antes da sessão, porém, o Governo Estadual, via Casa Civil, mobilizou a sua base na Assembleia. O líder do Executivo no plenário, Dary Pagung (PSB), e o vice-líder, Tyago Hoffmann (PSB), pediram aos aliados, antes e durante a sessão, para derrubarem o parecer da CCJ, orientando o voto pelo arquivamento da PEC de Callegari. E assim foi feito.
Por 13 votos a 8, o parecer da CCJ pela constitucionalidade foi rejeitado em plenário. A PEC morreu ali. Mas não sem ensejar uma polêmica ainda maior, que será melhor relatada em uma próxima coluna.
Os argumentos de Callegari
Na justificativa da PEC de Callegari, o deputado argumentou que não se pode esquecer que esses mais de 1,5 mil DTs atuam no sistema prisional há muitos anos, mesmo tendo que passar de dois em dois anos por novo processo seletivo. Alguns, segundo ele, somam 18 anos de atividade.
O proponente chamou a atenção para a questão humanitária que cerca o tema:
“Esses profissionais, ao não serem aproveitados, ficarão em um limbo imenso, pois terão enorme dificuldade de inserção no mercado de trabalho, pelo preconceito difundido na sociedade acerca dos profissionais que atuam dentro dos presídios brasileiros de forma pejorativa. Sem se falar na possibilidade de demissões/exonerações em massa desses profissionais, que ficam à mercê da benevolência do que os contrata e do seu superior imediato.”
Segundo Callegari, o cerne da PEC não era “a garantia de um cargo público a um servidor público, mas sim a garantia de sustento de mais de 1.500 famílias capixabas, que dependem de seus familiares que ocupam esse cargo temporário para trazer o sustento para dentro de casa, enfrentando diariamente os perigos do sistema carcerário capixaba, dentro e fora do ambiente profissional”. O autor da PEC lembrou que, por serem DTs, eles não têm direito ao porte de arma garantido às forças de segurança pública.
Se transformada em emenda constitucional, a PEC, segundo Callegari, surtiria efeitos positivos também sobre o caixa do sistema previdenciário estadual, já que esses servidores, que hoje contribuem para o regime federal através do INSS, passariam a recolher sua contribuição ao IPAJM, acabando com esse “escoamento da verba previdenciária”.
