Coluna Vitor Vogas
Paulo Hartung se recoloca no jogo político-eleitoral
Em entrevista ao EStúdio 360, ex-governador reabre a porta (ou ciclo) que ele mesmo havia fechado e se mostra disposto a disputar novos mandatos

Paulo Hartung em entrevista ao EStúdio 360, da TV Capixaba
Em entrevista ao telejornal EStúdio 360 Segunda Edição, exibida na noite de ontem (10), o ex-governador Paulo Hartung reabriu uma porta – ou ciclo – que ele mesmo já havia fechado em sabatinas anteriores, inclusive ao programa Roda Viva, da TV Cultura: na derradeira pergunta da entrevista, conduzida por mim e pelo editor e apresentador Antonio Carlos Leite, Hartung reviu o próprio discurso, dizendo-se satisfeito com sua longa passagem pela vida pública, mas apresentando-se como alguém disposto a disputar novos mandatos. Chegou a dizer que está vendendo energia e, nas palavras dele, “cruzando e cabeceando”.
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“Grosso modo, fiz um ciclo exitoso e muito longo na política: 32 anos de mandatos eletivos. […] Então acho que o ciclo da minha participação na política está bem-arranjado. Agora, assim… Vou te dizer que dessa água não beberei? Eu tenho 66 anos, com uma energia danada, vocês sabem disso… Estou cruzando e cabeceando, na linguagem do futebol. Então não sei. […] Sou muito satisfeito com essa minha passagem na vida pública e com essa continuidade de militância na sociedade civil. Agora, o que vai acontecer amanhã? Eu não sei.”
No dia 1º de agosto do ano passado, ao Roda Viva, Hartung deu resposta diferente para a mesma pergunta: “É muito importante você saber a hora de concluir um ciclo. Eu sou satisfeito com a minha conclusão de ciclo de mandatos eletivos… não de participação política. Você vai me ver, velhinho, militando para melhorar o país. […] Só que mandatos eletivos eu já exerci muitos, acho que esse ciclo está bem vencido”.
O ex-governador despediu-se da bancada do EStúdio 360 deixando a impressão de ter usado a entrevista ao telejornal da TV Capixaba como um primeiro passo para se reposicionar em campo, o pontapé inicial de um movimento visando recolocar-se no jogo político-eleitoral capixaba. Depois de tantos anos atuando como protagonista, ele pode ter se cansado de ver a partida da arquibancada, ou no máximo do banco de reservas.
Independentemente de voltar ou não a pleitear mandatos, Hartung pode estar querendo, no mínimo, voltar a exercer influência nos rumos da política local – algo que nitidamente se perdeu nos últimos quatro anos.
Mais ainda se ligarmos a sua declaração a uma informação de bastidores obtida pela coluna: sem mandato desde o fim de 2018 (quando se desfiliou do MDB), o ex-governador teria conversado recentemente com o presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, e com o ex-ocupante do cargo, Michel Temer. De ambos teria ouvido o convite para reingressar na sigla pela qual se elegeu governador em 2006 e 2014.
Hoje presidido no Espírito Santo pela ex-senadora Rose de Freitas, adversária de Hartung, o MDB é alvo de intensa disputa nos bastidores. Com invejável estrutura e capilaridade nos municípios, o partido oferece excelentes perspectivas de crescimento ao grupo político que assumir seu controle estadual nos próximos anos. Pode ser uma para Hartung.
Ano que vem tem eleição municipal. Se o grupo do ex-governador se reorganizar e fizer um bom número de prefeitos, isso refortalece esse grupo e o próprio Hartung para o pleito seguinte, em 2026 – quando Casagrande (PSB), é bom lembrar, não poderá concorrer novamente ao Governo do Estado.
Ainda na entrevista ao EStúdio, exercitando sua veia de economista liberal, o ex-governador também compartilhou opiniões sobre a reforma tributária recém-aprovada na Câmara dos Deputados (altamente favorável, embora com algumas ressalvas), o novo marco fiscal proposto pelo ministro Fernando Haddad (cheio de ressalvas e preocupações, mas favorável à aprovação) e o trabalho do petista à frente do Ministério da Fazenda (bem avaliado por ele).
Hartung ainda revela otimismo em relação ao fim do ciclo de alternância do populismo de esquerda e de extrema direita no Brasil, já desencadeado, segundo ele, com a ascensão de uma série de líderes nem petistas nem bolsonaristas que já têm se destacado país afora. Nessa prateleira, além de três prefeitos de capitais, ele cita nada menos que nove governadores.
O leitor atento não deixará de notar que todos os nomes de sua lista são de centro (MDB), de centro-direita (incluindo os três do PSDB) e de direita (Novo, Republicanos, União Brasil). Também não deixará de reparar que, nesse “novo ciclo”, Hartung cita até o veteraníssimo Ronaldo Caiado (DEM)… mas, por óbvio, não menciona Casagrande.
Selecionamos abaixo para você os melhores trechos da entrevista:
Em linhas gerais, como o senhor avalia o texto da PEC da reforma tributária, aprovado na última quinta-feira (6) pela Câmara dos Deputados?
É um avanço, se bem que menor do que deveria ser. O IVA, Imposto sobre Valor Adicionado, é um imposto bem-sucedido em mais de 170 países no mundo. Nós já deveríamos ter migrado há muitos anos para o IVA a nossa cobrança fiscal em relação ao consumo de bens e serviços. O que foi aprovado na verdade não nos leva para um IVA, mas para dois.
É o chamado “IVA Dual”…
Sim. É o melhor caminho? Não. O melhor caminho era você introduzir um só IVA, como tem em muitos países. Não foi possível. É a negociação política, são as pressões e contrapressões. É um passo, mas não é o melhor passo que nós poderíamos dar. Tem problemas no texto. Vou dar um exemplo. O IVA vem para acabar com a cumulatividade nas cadeias produtivas, para você não pagar imposto duas vezes sobre a mesma coisa. Mas tem uma “sacanagem” lá para manter a cumulatividade na questão financeira, de empréstimos. Isso encarece o crédito no país, desestimula o investimento e assim, na ponta, desestimula a geração de empregos. Então, se você me perguntar assim: é o passo ideal? Não, não é o passo ideal. Mas é melhor dar um passo parcial do que a gente ficar nesse sistema tributário existente, com ICMS, ISS, IPI, Pis, Cofins…
Um verdadeiro “manicômio tributário”, como muitos deputados têm chamado…
Isso. O sistema tributário que temos no Brasil, que está sendo substituído pela reforma, é uma espécie de corrente amarrada no pé da economia brasileira. Dificulta a economia a evoluir. Esse novo sistema libera 100% a corrente? Não. Mas ele diminui esse peso, simplifica a relação dos contribuintes com o Fisco. O Brasil é campeão da necessidade de profissionais nas empresas para lidarem com o Fisco. Tem que melhorar a qualidade do texto. Espero que o Senado faça isso.
Então a reforma não rompe a corrente, mas pelo menos a afrouxa um pouquinho para quem quer empreender?
Fica muito mais leve, porque simplifica, desburocratiza… A carga tributária é alta no país. A reforma não alivia a carga tributária. A gente tem que tomar conta para não ampliar essa carga tributária, porque o arcabouço fiscal que está tramitando no Congresso olhou muito para receita nova e muito pouco para a despesa.
E especificamente para o Espírito Santo, como o senhor avalia a reforma? Com a migração da incidência do ICMS (futuro IBS) da origem para o destino, o Espírito Santo perde, a princípio, por ser um estado que produz mais do que consome. Há, ainda, a extinção dos incentivos fiscais a partir de 2033. O Estado sai mesmo perdendo ou também ganha no longo prazo, numa perspectiva de que a reforma vai gerar crescimento econômico para todos e que, portanto, todo mundo se beneficia num jogo de “ganha-ganha”?
No texto aprovado pela Câmara, tem a solução para um problema que o Espírito Santo e outros estados exportadores carregam há muitos anos: o acúmulo de crédito das grandes exportadoras contra o Estado. O texto cria um mecanismo para devolver esse dinheiro no longo prazo, sem juros e sem correção monetária, aos detentores desse crédito. Então, o Espírito Santo e outros estados como o Pará ganham uma solução para um problema que era angustiante para nós. O Espírito Santo tem um benefício temporário que poucos estados têm: os royalties de petróleo. Além disso, nós ganhamos uma ação bilionária contra a Petrobras. Então, nós temos um espaço criado por várias ações para adensarmos a nossa cadeia produtiva, a nossa cadeia de comércio, as nossas atividades… É olhar a quantidade de empreendimentos que trouxemos para o Espírito Santo nos últimos anos. Este Estado foi sendo modificado na sua base produtiva. Migrar [a incidência da tributação] da origem para o destino na totalidade traz prejuízos para um estado um pouco menor? Traz. Mas nós também temos atividades que compensam o funcionamento da economia. E tem uma regra clara: se a economia brasileira, com o novo marco tributário, evoluir como está projetado que ela vai evoluir, é um “ganha-ganha”. É evidente que não podemos parar o Brasil na sua pujança em função de um interesse pontual. Aí é aquele negócio: ‘faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’. Tem que ter coerência. Tem um fundo compensatório [o Fundo de Desenvolvimento Regional]. Você sabe que esses fundos às vezes são prorrogados. Então tem caminhos. A gente precisa é libertar o país de um sistema tributário que dificulta a evolução da economia brasileira.
O senhor tem sido um crítico da proposta de novo arcabouço fiscal do ministro Haddad, sobretudo por entender que ela enfoca muito pouco na despesa (ajuste fiscal) e se concentra em uma projeção de crescimento da receita que não necessariamente vai se cumprir. Explique para nós, por favor.
Melhor com o arcabouço do que sem o arcabouço [risos]. Tanto que você vê que o mercado se acalmou um pouco. Na medida em que você tem uma regra, mesmo que ela seja uma regra frágil, e é o caso, ela organiza as expectativas para a frente. Mas essa regra olha muito para receitas futuras e pouco para a contenção de despesas do presente. Receita futura é uma coisa que pode vir e pode não vir. Se você já autoriza as despesas, quer dizer que aquelas metas que estão no arcabouço fiscal dificilmente serão atingidas. Na hora em que sentir que elas não serão atingidas, o mercado vai andar e vai cobrar o seu preço, porque o Risco Brasil aumenta. O principal objetivo de uma regra fiscal é não permitir que se descontrole a dívida pública do país em relação àquilo que nós produzimos, que nós chamamos de PIB. Essa relação dívida x PIB tem que estar estabilizada. Essa regra tem capacidade de estabilizar? Não tem. Mas volto a dizer: é melhor que o Congresso termine a tramitação para a gente ter uma regra. Fernando Henrique fez a Lei de Responsabilidade Fiscal. Era uma regra melhor. O Temer fez a melhor delas, que foi o teto dos gastos. Por que a melhor? Porque diminuiu a inflação e diminuiu a taxa de juros como nós nunca vimos. Você nunca viu Selic de 2% neste país. Por quê? Porque estabilizou as expectativas no médio e longo prazos. Essa nova regra está conseguindo no curto prazo. Não entrega no médio e longo prazos. Mas é melhor com ela do que sem ela. Para os parlamentares que me perguntaram, a minha resposta: melhor votar essa regra, e a gente ter uma regra. Sem regra é a gente flertar com desorganização completa e com gastança irresponsável. E sabemos onde vai dar isso, pois já vivemos hiperinflação.
Muitas pessoas estão um pouco surpresas com a atuação do Fernando Haddad como ministro da Fazenda. O que o senhor acha do desempenho dele no governo?
O desempenho político de diálogo e de interlocução é muito bom. Ele está mostrando capacidade de conversar com o Congresso Nacional, com o mundo empresarial, com essa coisa que as pessoas chamam de “mercado”, que parece um ente abstrato, mas que na verdade são os vários agentes econômicos. Mas não me surpreende, pois o conheci e convivi muito com ele quando foi ministro da Educação, e foi um bom interlocutor para nós, capixabas, naquele período. Então não é uma surpresa. Ele está jogando um jogo com sinal positivo, na minha visão. Quanto à regra fiscal que ele levou ao Congresso, volto a dizer: é melhor que tenha essa regra, mas ela não tem a capacidade de entrega que ele propôs.
O senhor sempre foi um crítico dos extremos ideológicos e dos populismos de esquerda e de direita representados por Lula e Bolsonaro, respectivamente. Nas últimas duas disputas presidenciais, defendeu uma terceira via, mas o centro democrático liberal ficou espremido entre os dois polos. Com a inelegibilidade de Bolsonaro, o senhor acha que há enfim espaço para a ascensão de uma alternativa que liberte o país desse Fla x Flu e que represente o centro democrático ou mesmo uma direita mais democrática, dada a queda do ex-presidente?
A política vive ciclos diferentes. Nós estamos vivendo um ciclo. E não somos nós, brasileiros. Esse populismo que você falou, de direita, de esquerda, nós estamos vivendo nos Estados Unidos, uma democracia consolidada. O Congresso Nacional americano foi invadido. Estamos vendo isso na Itália, estamos vendo mundo afora. Mas esse ciclo vai passar. Acho que, daqui a pouco, ali na esquina da vida, uma posição mais equilibrada vai ser a aspiração, a demanda do cidadão e eleitor em termos de formação de uma liderança. Aí você pode perguntar: “Isso vai demorar, Paulo?” Eu não tenho bola de cristal na mochila. Mas me parece que já estamos num outro ciclo de formação de novas lideranças no Brasil. Isso é que eu acho importante. Se você chegar lá no Rio Grande do Sul, tem um governador reeleito, o Eduardo Leite [PSDB], fazendo uma boa administração. Se você chegar no Paraná, você tem um governador fazendo uma boa administração, o Ratinho Júnior [PSD]. Pouca gente conhece, mas é um jovem que está fazendo um bom trabalho. Você chega em São Paulo, é um luxo, um técnico como o Tarcísio [Republicanos]! Eu sentei à mesa muitas vezes para negociar com ele os interesses do Espírito Santo, ele como técnico. Hoje ele governa a principal vitrine política do país.
O senhor acredita que o Tarcísio possa ascender como essa nova liderança e referência na direita?
Aí eu precisava da minha mochila com a bola de cristal [risos]. Mas estou falando do mapa do Brasil. Se você chegar em Minas, tem o Zema [Novo]. O Zema dominou a política mineira. Se você chega no Centro-Oeste, os três governadores estão fazendo boas administrações: dois reeleitos [Mauro Mendes, do Mato Grosso, e Ronaldo Caiado,de Goiás, ambos do União Brasil] e um de primeira eleição, mas experiente, o Eduardo [Riedel, do PSDB], no Mato Grosso do Sul. Quando você chega em Pernambuco, que é um lugar de tradição política, está lá a Raquel [Lyra, do PSDB] governando, uma jovem talentosa, carismática, pode dar certo lá e criar um outro padrão de liderança no Nordeste. Quando você chega no Norte, tem o Helder [Barbalho, do MDB]. O Helder é filho do Jader, que foi meu colega como senador. Mas o Helder está fazendo um trabalho diferenciado em relação à tradição política da família. Ele deu um salto à frente. Então você tem um outro ciclo de líderes se formando no país. E não são líderes que estejam em nenhum dos dois polos. Ainda podemos incluir os prefeitos de Recife [João Campos, do PSB], de Salvador [Bruno Reis, do União Brasil] e do Rio de Janeiro [Eduardo Paes, do PSD], que são líderes que estão aí na pista. Então acho que temos um passo aí, que pode acontecer em 2026.
O senhor ainda pensa na possibilidade de eventualmente voltar a disputar algum mandato eletivo?
Grosso modo, fiz um ciclo exitoso e muito longo na política: 32 anos de mandatos eletivos*. Teve um momento em que saí para ser diretor do BNDES [entre 1997 e 1998]. Teve um momento em que saí para a vida privada [entre 2011 e 2014] e depois voltei para o governo. Então acho que o ciclo da minha participação na política está bem-arranjado. Agora, assim… Vou te dizer que dessa água não beberei? Eu tenho 66 anos, com uma energia danada, vocês sabem disso… Estou cruzando e cabeceando, na linguagem do futebol. Então não sei. Mas eu sou muito satisfeito pela minha passagem pela vida pública, porque fiz com amor, fiz com prazer, nenhum sacrifício. Sacrifício nada, não sou mentiroso. Adorei a minha passagem pela vida pública. E mexemos o ponteiro. Se você imaginar levar o Espírito Santo para 1º lugar na prova de Português e Matemática do Ideb, levar o Espírito Santo para a menor mortalidade infantil do país, a segunda expectativa de vida, mudar a base econômica do Espírito Santo. Nós mudamos a base econômica do Espírito Santo! É só olhar o que era antes e o que virou. Combatemos o bom combate, limpamos o Estado da corrupção e do crime organizado. Você imagina um troço desse! E, quando estivemos na política nacional, fizemos o bom debate nacional, com exercício de mandato, o que aliás continuo fazendo como cidadão. Então sou muito satisfeito com essa minha passagem na vida pública e com essa continuidade de militância na sociedade civil. Agora, o que vai acontecer amanhã? Eu não sei.
* Na verdade foram 30, porque, empossado deputado federal em 1991, ele não completou o mandato na Câmara dos Deputados, por ter assumido a Prefeitura de Vitória em 1993.
